por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*
Tudo começou quando a perfessorinha Juliana desembarcou na vila de Santa Fé, contratada para abrir uma pequena escola rural. Sem saber, chegou desautorizando o “dono” da vila, o coroné oligarca, desafeto político do prefeito, pois foi este que decidiu criar a escola, atraindo automaticamente a ira daquele. A simples visão de Juliana desarmou o capanga preferido do coroné, o Zelão. Sujeito muito temido nas redondezas, sempre acompanhado de suas “meninas” em ponto de bala, prontas para uns tiros a mando do patrão. Malvadeza para consumo externo, pois, do lado de dentro do seu figurino de toureiro, Zelão é sensível e delicado. Foi tomado por um sentimento inesperado, que ocupa todo o espaço e lhe tira o ar, e o faz chorar à simples menção do nome da perfessora, numa atuação comovente em cada detalhe.
Zelão me fez lembrar daquele outro matuto consumido pela paixão, que pediu à amada que dissesse o que queria como prova de seu amor, disposto a matar e roubar, apesar das tristezas que ela lhe causava. Não hesitou quando ela pediu que partisse imediatamente e lhe trouxesse o coração de sua velha mãe (a dele). Apavorada com o que pudesse acontecer por seu pedido zombeteiro, a moça não teve tempo de evitar a sangria que se seguiu. Estória narrada por Vicente Celestino numa canção que é um primor de tragédia cabocla, e sempre me diverte cantar nas rodas de cantoria à toa.
Juliana também se assusta quando se dá conta do efeito que causa no pistoleiro analfabeto, e que só percebe quando ele próprio lhe diz como se sente. Tamanha reação à sua presença a desconcerta e comove. Impossível ficar indiferente. E o Zelão é, na verdade, um apaixonado ingênuo, que conta para deus e o mundo seu plano de roubar a perfessora e levá-la para viver com ele em seu rancho na roça. Mais romântico, impossível. É dissuadido por todo mundo, sob o simples argumento de que Juliana não está na mesma onda, e desiste do plano. Veremos como esse causo vai se desenrolar nos próximos capítulos de “Meu pedacinho de chão”, novela das seis da tarde (horário de gente desocupada). Seduziu-me (a novela) pelo enredo entre ingênuo e provocativo, os figurinos e cenários lisérgicos e o elenco afiadíssimo. Todos falando em legítimo caipirês paulista, uma delícia.
O moço da canção e o Zelão da novela estão tomados por um sentimento que conhecemos, não é? De repente, você se depara com argum arguém – como dizem na novela – que provoca um terremoto lá dentro. Essa pessoa nos transborda e desorienta. Nenhum outro tema tem sido tão explorado ao longo da história humana, pela literatura, cinema, teatro, telenovelas, incontáveis canções, psicanálise e afins. É responsável por agruras e alegrias infinitas, porque a paixão é a mãe e o pai dos extremos. Nada fica no meio do caminho, a menos que se transforme em outra coisa, outro sentimento, o que pode acontecer ou não. As paixões são únicas.
Mas eu desconfio que a do Zelão vai por um caminho virtuoso. Algo me diz que o que o arrebatou na perfessorinha Juliana foi a imensidão do conhecimento e do mundo exterior que ela representa, que antes não existiam para ele, confinado a um lugar e a uma vida de dimensões mínimas, agora já invadidos pelo fascínio da leitura e da escrita. Terá sido uma beleza de solução para um sentimento tão sofrido. Torço para que seja isto.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com
Um comentário:
Delícia de texto! Não estou acompanhado esta novela - de bobeira, mesmo -, mas, depois desta "prosa" tão motivadora, sabe que deu vontade de fazer isso? Abços,
Terê
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