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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 7 de julho de 2014

Lágrimas de homem abalam o machismo no futebol. E o racismo? Voa impávido em céu de brigadeiro

por Cidinha da Silva*

As lágrimas dos jogadores brasileiros pressionados pelo terror de serem eliminados da Copa das Copas ainda nas oitavas de final incomodaram muita gente. A fragilidade dos homens, quando exposta de formas convencionadas como algo característico das mulheres, neste caso, o choro copioso em situação de tensão e desespero, mexe com as estruturas enrijecidas de muita gente. Para o bem e para o mal.

Há os que se sentem incomodados porque, em síntese, acreditam que homens são machos e não devem chorar, dentre outros motivos, porque o choro denota fraqueza e os jogadores (de futebol) estão em campo como soldados para guerrear. Outros (bem poucos) defendem o choro como expressão válida de sentimentos, como válvula de escape legítima ao alcance dos canais lacrimais de todo ser humano, inclusive dos homens, humanos também. Afinal, ninguém quer passar à História com as marcas da derrota e do fracasso.

A mídia esportiva, os atletas e o espírito de novo-rico da maioria, amadurecerão muito se mergulharem profundamente na potencialidade curativa do choro. Lágrima é palavra abafada que escapa quando a maré dos olhos vaza e derrama pela face proteínas, sais minerais e gordura que lubrificam e limpam os olhos, retiram véus, diminuem a acidez e, na situação desses homens-atletas, resgata a humanidade do filme da vida vivida antes de chegar à riqueza e à fama, que pesa sobre os ombros.

O choro da Seleção Canarinho balança os pilares do machismo mais evidente, tal qual o canto do pássaro pode tocar os corações mais duros. Entretanto, a dor, a humilhação e a angústia deflagrados nas pessoas-alvo do racismo estão longe de comover os corações daqueles brasileiros que se consideram macacos, transbordantes de orgulho e “amor” nos versos cantados na arquibancada.

O capitão da Colômbia foi vaiado ostensivamente depois de ler discurso da FIFA instando todos os fãs de futebol a combaterem a discriminação racial nos campos e fora deles. Em meio aos emissores da vaia não há número significativo de negros e quando a elite branca predominante no estádio é adjetivada, a elite branca de fora (da mídia hegemônica, da indústria das celebridades e do entretenimento, das rodas intelectuais, dos blogues descolados) sente-se incomodada e vai a campo em defesa própria. Não, não somos racistas! Racismo é coisa dos Estados Unidos que os colonizados negros brasileiros querem importar. Quanto às crianças brancas que entram de mãos dadas aos jogadores em todos os jogos da Copa das Copas, é lógico que não temos culpa de serem todas brancas. Aliás, não vemos problema nisso, como não existe problema também de serem brancos os torcedores que enchem os estádios desde a Copa das Confederações.

Por outro lado, a crescente presença de jogadores negros nas seleções da França, Bélgica e Holanda, fortalece a velha máxima de que “o negro é bom de bola” e por isso está quase superando os brancos em seleções tradicionais europeias. Do lado de cá, atentamos para os nomes e sobrenomes desses jogadores, nascidos nas colônias em África e Caribe ou filhos de migrantes africanos e caribenhos e, por contingência, devido a essa contingência gerados nos países brancos. Pobres, majoritariamente, que, como os outros negros diaspóricos e africanos têm no futebol, ao qual dedicam a vida desde crianças, rara possibilidade de ascensão social. Assim se manifesta e se perpetua a versão mais palatável do racismo.

A versão mais dura, tão cotidiana quanto a primeira, manifestou-se após a agressão de Juan Camilo Zúñiga, lateral-direito da Colômbia, ao brasileiro Neymar, levando-o a fraturar uma vértebra. Atitude totalmente condenável e passível de grave punição por prática antidesportiva, num jogo em que o Brasil também bateu muito e o árbitro foi conivente com as agressões que correram a solto pelos dois lados. Em sua defesa, Zúñiga argumentou que o lance infeliz não passou de uma jogada normal e sem intencionalidade de machucar. Sim, “normal” no escopo da violência reinante no jogo, mas não na prática do futebol.

A crítica, a ira e a revolta dos torcedores tupiniquins foram deslocadas da violência praticada por Zúñiga para sua condição de homem negro. Insultos racistas e ameaças de morte foram dirigidos a ele e à mãe nas redes sociais. Xingamentos de ordem sexual foram impingidos à mãe e à filha de dois ou três anos, ameaçada também de estupro. Um show de horror racista, feminicida e pedófilo.

De todo o episódio salvam-se as atitudes exemplares de David Luíz. Alguém disse que ele é bom atleta e bom samaritano. É verdade. Ele está na contramão do evangelho do marketing pessoal. Pratica valores como a humildade, a integridade, o respeito, a compaixão, do modo ensinado pela tradição africana, a pedagogia do exemplo. Em um contexto de negação de aproximações com África, David Luíz reafirma a origem da cabeleira crespa de um homem socialmente branco. Em entrevista à TV colombiana, junto com James Rodriguez, adversário derrotado e amparado por ele, o menino dos cachinhos crespos de ouro, em bom portunhol, explicou que a garotada tem como modelo o cabelo dos jogadores famosos, mas isso não deve bastar aos musos que, por sua vez, devem também procurar se mostrar como homens grandiosos para inspirar os garotos pelos bons exemplos e firmeza de caráter.

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escritora, Cidinha da Silva mantém a coluna semanal Dublê de Ogum.

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