- Gravi maga?
- É uma técnica de defesa pessoal desenvolvida em Israel e que foi adaptada para nos proteger da violência urbana.
- Hum... E você faz? – perguntei para tentar manter a conversa.
- Faço há seis meses.
- E aí?
- Olha, não precisei usar ainda, mas me sinto muito mais segura hoje em dia, para tudo.
Ela, que parecia uma pessoa equilibrada e confiante, me convidou para fazer uma aula experimental. Voltei para casa animado. Eles me prometiam condicionamento físico, bem-estar psicológico e segurança por apenas 150 reais mensais. Era dizer adeus a minha vida medíocre e me tornar um vencedor!
No dia seguinte, vesti minha calça de moleton cheirando guardado e rumei para minha primeira aula de Krav Maga. Éramos uns 40, todos tão (ou quase) inexperientes quanto eu na arte de espantar bandidos. Fomos recebidos pelo instrutor, um israelita de uns 40 anos, que nos mandou correr pelo tatame para aquecer. Crianças, executivos fora de forma, mulheres que pareciam não terem participado das aulas de educação física no colégio e eu. Todos em busca do mesmo ideal.
Abdominais, alongamentos, agachamentos, flexões. Aos poucos o cansaço ia tomando conta do ambiente. Meu colega de lado começou a ficar vermelho e parecia enfartar. Um pouco à frente, uma moça tentava, sem sucesso, tocar o dedo do pé com a mão.
Sentados no tatame, pai e filho se olhavam na busca de dar e receber apoio, até que o patriarca soltou todo o peso do corpo contra o solo e cochichou para a pequena criatura: “Morri”.
Após o duro aquecimento, o professor passou a nos explicar que nós não tínhamos apenas o direito, mas o dever de nos defender de um ataque. A fala dele tinha um tom de autoajuda e um ar de sabedoria. As frases eram de efeito:
- Aqui, nós aprenderemos a superar obstáculos físicos e mentais
- Nós estamos expostos à violência diariamente no trabalho, na escola, na rua, e precisamos aprender a nos defender.
O tema da aula naquele dia era como resistir a um ataque de um marginal (desarmado). Esquiva e uma sessão de golpes, de baixo para cima, no queixo. Repetimos os movimentos, que deveriam ser executados de forma rápida e precisa, em 20 repetições. Meu colega do lado, com quem pratiquei os golpes (apenas uma simulação, que fique claro), tentava me motivar. Dizia que no começo era complicado, mas que aos poucos aprenderíamos.
Eu tentava me imaginar golpeando os inimigos, mas não me convencia de que eles chegariam tão perto e seriam tão benevolentes quantos meus colegas de prática. A aula prosseguiu nesse ritmo – de semitortura, diria - até quase seu término. Foi quando aquele pai, recuperado da experiência de quase morte, questionou o instrutor.
- Os praticantes do Krav Maga podem utilizar armas, como paus e pedras, para se defender?
Nosso guia foi pego desprevenido, mas o silêncio foi apenas para organizar as ideias da melhor forma. Em seguida, com sua voz segura e pausada, discursou:
- Veja. Tudo é válido para você defender a sua vida. Você só tem que ter segurança e estar preparado para reagir àquele ataque e usar as melhores ferramentas. Um exemplo, você está no restaurante com sua namorada. Colocou uma roupa bonita, está bem vestido, em clima de amor, quando de repente começa uma briga. Se você não quer amassar a camisa, pode pegar o garfo e....
Um movimento rápido e o braço do nosso mestre cortou o ar. Impressionante! Ele atingiu, impiedosamente, a mão do virtual agressor com um garfo imaginário. Silêncio na sala.
- Tudo é válido para você proteger a sua vida. Até um garfo pode ser usado dependendo da circunstância.
Não. A garfada não me acertou. Eu, que já me questionava sobre a utilidade de tudo, comecei a me sentir um idiota no meio de pessoas treinando para ser Chuck Norris. Pensei que se eu fosse um bandido seria tão fácil dar um tiro no professor como numa senhora de 70 anos. Mas meus colegas de sofrimento pareciam, de fato, interessados em ser super-heróis. Um deles perguntou para o professor quanto tempo levaria para aprender a se defender de um ataque com armas.
A resposta inicial não foi nada animadora. Nosso mentor disse que, em média, era preciso de uns três anos de aulas para estar apto a se esquivar de tacos de baseball e tiros de revólver – ou seja, só quando pudéssemos correr ao redor do quarteirão de quimono. Veio então a solução milagrosa, que fez brilhar os olhos dos aprendizes. O que vocês podem fazer é participar das oficinas. No mês passado mesmo fizemos uma. Sábado e domingo, o dia todo, e você sai de lá com toda a técnica. Vêm instrutores de Israel e qualquer um pode participar.
Não tive curiosidade de saber o valor do curso. Seguramente seria mais caro do que ser assaltado por um trombadinha. Deixei a sala em silêncio, assim que acabou a aula, e nunca mais voltei. Mas uma dúvida ainda ronda minha cabeça: como o professor se safaria daquele ataque se o restaurante fosse japonês?
Henrique de Melo Sabines, mineiro, 30 anos, trabalha na ECT e se dedica à astronomia nos fins de semana. Fã de Drummond, começou a escrever por recomendações médicas. É um dos autores do espaço Cronetas no NR.
4 comentários:
Muito bom Henrique! Quero ser Chuck. Favor passar o endereço da escola!
Nossa tô rindo até agora!!!!! Vc é mto bom!!!!
hehe.
Como dizem que dizia Bruce Lee.
Alguns homens usam armas.
Outros, tornam-se em uma.
Guga
Só o fato do Sr.Henrique sentir-se desmotivado diante da primeira aula... é uma pena...
1 hora de apenas? Garra diria! Falta-lhe mais garra e menos achismos...
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