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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Notas sobre desaparecidos

Fernando dobrou a esquina e avistou o amigo com sua inseparável bicicleta.

Vinha em sua direção, mas desviou o caminho, pedalou com força rumo à calçada oposta, e passou veloz, sem parar, sem nem sequer cumprimentá-lo.

Metros depois, atou a bicicleta em uma árvore e seguiu caminho sem olhar para trás.

Fernando demorou para entender que naquele dia o amigo não falou com ele para salvar sua vida. Estava sendo vigiado, seguido, e não queria entregar nenhum companheiro. Foi a última vez que Fernando o viu. A bicicleta passou dias estacionada no mesmo lugar. O amigo desapareceu.

Na Argentina daquela época pessoas eram desaparecidas.

Facundo e Martín eram Montoneros e lutavam contra a ditadura. Naquele domingo jogavam Boca e River. A equipe da casa acabava de marcar um gol na Bombonera. Facundo, torcedor fanático xeneize, decidiu telefonar para o amigo para tirar sarro.

O telefone tocou, tocou e ninguém atendeu. Facundo achou estranho, mas não deu muita importância. No dia seguinte, como combinado, foi ao bar encontrar o amigo para praticar mais uma ação. Martín nunca chegou. Desapareceu.

Calcula-se que 30 mil pessoas “desapareceram” durante a ditadura argentina.

Jorge Rafael Videla, chefe da Junta Militar e presidente da Argentina entre 1976 e 1981, preferia chamar os desaparecidos de incógnita. “Se reaparecesse, teria um tratamento X. E se a desaparição se convertesse em certeza da morte, teria um tratamento Z.

Mas enquanto esteja desaparecido não pode ter nenhum tratamento especial, é uma incógnita, é um desaparecido, não tem identidade, não está… nem vivo, nem morto. Está desaparecido”.

Manolo é espanhol, mas morou na Argentina. Trabalhava no restaurante de um tio e todas as manhãs ia até ao açougue da esquina comprar carne. A conversa com o jovem açougueiro sempre começava igual: ¿Cómo andás, gallego? ¿Qué pasó, pibe?

Entre o corte da carne, a pesagem e o pagamento, conversavam sobre futebol, mulheres e amenidades. Nunca sobre política. Um dia Manolo foi ao açougue e só encontrou a faca usada pelo pibe. Estava pendurada, do outro lado do balcão não havia ninguém. Nunca mais se soube do açougueiro.

Em 1978 a Argentina sediou o Mundial de futebol. Enquanto todas as redes de televisão do mundo transmitiam a abertura da Copa, uma cadeia holandesa acompanhava a marcha de umas mulheres que buscam seus filhos. Diante da câmera, uma delas clama.

“Já não sabemos a quem recorrer. Consulados, embaixadas, ministérios, igrejas. Todos nos fecharam as portas. Por isso rogamos a vocês: por favor, ajudem-nos. São nossa última esperança”.

Ricardo Viel, jornalista, colunista do NR e do Purgatório, escreve às segundas

Um comentário:

Fernanda Pompeu disse...

E pensar que isso aconteceu faz pouquinho tempo. E, hoje, temos a memória desaparecida.

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