O significado de uma vitória do “sim” sobre a criação dos novos Estados de Carajás e Tapajós, no território do Pará, marcado para hoje, dia 11, alteraria não só o mapa brasileiro, mas uma série de interesses econômicos e políticos.
Segundo o IPEA, caso se decida pela separação, os três estados nascerão deficitários. “Enquanto o Pará registra atualmente um superávit anual de aproximadamente R$ 300 milhões, subtraindo suas despesas da receita orçamentária, Carajás terá déficit de pelo menos R$ 1 bilhão anual, Tapajós, de R$ 864 milhões, e o Pará remanescente, de R$ 850 milhões.”
Para entender mais, o NR entrevistou, por e-mail, Lúcio Flávio Pinto, 61 anos, paraense, jornalista e sociólogo, editor do Jornal Pessoal, feito por ele e seu irmão, Luiz Pinto. “Há razões reais e fortes para a emancipação das duas regiões, mas os projetos são falhos e os interesses decisivos são políticos e empresariais".
Considerado uma referência sobre a Amazônia na imprensa brasileira, Lúcio Flávio é vítima constante de violenta perseguição por denunciar os pormenores do poder paraense o que já lhe rendeu 33 processos e quatro condenações na justiça de lá.
Por Moriti Neto
NR – Como você analisa as reais motivações do plebiscito de domingo, que pode dividir o Pará em três estados?
Lúcio Flávio – Há muitos anos tramitam pelo Congresso Nacional vários projetos de redivisão do Pará. Os alvos foram, primeiro, Tapajós, em seguida, Carajás. Por ter maior articulação política, Carajás passou à frente. Aprovado, por uma manobra parlamentar, atraiu Tapajós. Ambos os projetos, de autoria de políticos que não têm base eleitoral no Pará, um, senador de Roraima; outro, do vizinho Tocantins, foram aprovados por votação simbólica de sete líderes de partidos, sem ir a plenário.
Há razões reais e fortes para a emancipação das duas regiões, mas os projetos são falhos e os interesses decisivos são políticos e empresariais. As duas novas unidades federativas são uma das expressões do atual modelo de ocupação econômica da Amazônia, colonial e explorador. Uma das maiores expressões é a destruição da floresta, processo que se expandiria com a aprovação dos projetos.
NR – Quem são os maiores interessados nessa divisão?
É interessante observar que são fazendeiros os autores dos dois projetos, Mozarildo Cavalcante (PTB-RR) e Eleomar Quintanilha (PMDB-TO), e os principais líderes do movimento pró-Carajás, como o deputado federal Giovanni Queiroz (PDT-PA). É a categoria mais influente nessa campanha, junto com os madeireiros. Eles formaram propriedades através do desmatamento, que se tornou possível pela abertura de estradas. É o modelo que querem continuar a desenvolver.
NR – Como ficará a formatação de território e população de cada estado se a proposta for aprovada?
O Tapajós se tornaria o terceiro maior estado da federação, atrás apenas do Amazonas e Mato Grosso. Com uma população de 1,2 milhão de habitantes, enfrentaria os mesmos problemas que levaram os habitantes a querer se desvencilhar do Pará.
Teria as últimas grandes reservas florestais do Pará, mas as principais atividades econômicas na região oeste são justamente voltadas ao desmatamento e não à preservação ou ao uso inteligente. Provavelmente, Tapajós seria uma versão pouco menor, mas agravada, do atual Pará.
Quanto a Carajás, as características de enclave do Pará se tornariam ainda mais acentuadas nesse novo estado. Ele nasceria sob forte ingerência federal, já que boa parte das terras está sob o domínio da União, e da antiga Companhia Vale do Rio Doce, responsável por grande parte do PIB interno.
“Eles [os interessados na divisão] formaram propriedades através do desmatamento, que se tornou possível pela abertura de estradas. É o modelo que querem continuar a desenvolver.”
NR – Como e com quem fica o poder político em cada estado?
As elites políticas são as mesmas. Dividem-se apenas em função da disputa pelo poder e não por projetos para o estado. São muito mal preparadas. Não estão à altura dos desafios de um estado que é o quinto maior exportador do Brasil, o segundo com maior saldo de divisas, o segundo maior minerador, o quinto maior produtor de energia elétrica.
NR – E as relações econômicas, serão concentradas em quais grupos – e de que maneira – no formato proposto?
As novas atividades econômicas no Tapajós são a mineração, sobretudo de bauxita, a produção de soja e de madeira, que deverão abrir novas frentes. A atividade florestal ainda é incipiente e de futuro duvidoso. Carajás se concentra na mineração, na pecuária e na madeira, com o grande peso da Vale.
NR - Quais as consequências negativas que a população pode sofrer consideradas as especificidades de cada parte envolvida?
A grande massa da população já sofre bastante. Não só pela desassistência do poder público. Também por suas próprias deficiências e insuficiências estruturais. Só de minério de ferro, hoje o seu principal produto, o Pará exportou no ano passado cinco bilhões de dólares. Nenhum centavo de ICMS, a principal renda do Estado, foi recolhido.
Há apenas as compensações financeiras, que não chegam a representar 2% do que se podia arrecadar. Inversamente, o Pará é o 3º destino migratório do Brasil. Milhares de pessoas chegam todos os anos atrás das promessas de empregos, que inexistem. O resultado é uma enorme demanda social para recursos que não podem atendê-las.
O Pará, nono em população, é o 13º em IDH e o 21º por PIB per capita da federação. Um enorme descompasso entre valores quantitativos e qualitativos. E ainda há uma insuportável taxa de corrupção na administração pública. Com um ou três estados no território, a população paraense continuará na mesma.
NR - Pode ocorrer um abalo na estrutura cultural da população em geral? Por quê?
Sendo um estado de imigração, o Pará se torna cada vez mais diversificado culturalmente. O grande perigo é perder a cultura típica, uma das mais originais e de raízes mais profundas do país. É a cultura com maior influência indígena remanescente. Mas que é estranha à região que pretende se transformar no estado de Carajás. Nessa área as culturas predominantes são do Centro-Oeste e do Nordeste. Mas não é um problema apenas - nem principalmente - cultural.
A cultura reflete as mudanças econômicas e sociais. Onde havia floresta, uma civilização florestal, surgem as pastagens, as fazendas, o rodoviarismo. Mais sertão, menos Amazônia. Esta é uma realidade, que se aprofundará com a emancipação de Carajás. Não se pode fazer nada para pelo menos impedir o avanço? Acho que é possível. Mas o governo nada está fazendo nesse sentido.
“Infelizmente a cobertura da mídia tem sido deficiente. A maioria dos eleitores votará desinformada.”
NR – O que muda na Amazônia se a proposta for aprovada?
Vai se tornar mais favorável fazer o que se tem feito de predominante nas áreas dos dois estados propostos: ampliar o desmatamento, converter a cultural local pela importada, consolidar o colonialismo – interno e externo.
NR – Há aspectos positivos a serem ressaltados na proposta?
Agora não se pode mais colocar para baixo do tapete a questão da territorialidade no Pará, na Amazônia e, em certa medida, no Brasil. Os políticos, em cujas mãos foi colocado o monopólio da condução do debate, têm uma responsabilidade muito grande.
Não podem continuar a se comportar com a mesma leviandade que levou à aprovação do atual plebiscito. E o poder público tem que por fim a esse monopólio conferido aos políticos profissionais. Nos próximos plebiscitos é preciso que a sociedade civil participe do comando da campanha.
NR – A mídia corporativa, em âmbito nacional, trata a questão superficialmente. Na maioria das vezes, até a ignora. Por quê?
Porque a atenção à Amazônia é episódica, quase sempre restrita ao exótico, bizarro, escandaloso. O entendimento da Amazônia requer cuidado permanente e uma capacidade ampla de absorção de informações. Ao contrário do que o Brasil pensa, a Amazônia é a parte mais internacionalizada do país. Sempre foi. É brasileira tardiamente.
NR – E a mídia local, como tem se posicionado? A cobertura está a contento? Defende interesses de grupos específicos?
Infelizmente a cobertura da mídia tem sido deficiente. Como os principais veículos defendem posição política e interesses comerciais, não contribuíram como podiam para melhor esclarecer a população. A maioria dos eleitores votará desinformada.
Como ficaria a nova configuração
Dentro do que é o Pará a divisão em três novos Estados |
O Pará, hoje com área de 1.247.689 quilômetros quadrados, ficará com 17% desse território. Carajás, ao sul do estado, com 35%, e Tapajós, localizado a oeste, com 58%.
Os decretos legislativos aprovados este ano pelo Congresso Nacional estabelecem que o futuro estado do Carajás poderá ser composto por 39 municípios tendo Marabá como capital, e população estimada em 1,6 milhão de habitantes.
Já o estado de Tapajós, poderá ter 27 cidades, tendo Santarém como capital, e população em cerca de 1,2 milhão de habitantes.
O Pará, que pode ficar com 17% do seu atual território, seria composto por 78 municípios, e com população de 4,6 milhões de habitantes, com a cidade de Belém como capital.
Moriti Neto, jornalista, colunista do Nota de Rodapé.
(Com informações da Agência Brasil. Imagem de abertura de Rogério Uchôa, DiárioOnline)
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