Aziz com o troféu Juca Pato como o intelectual do ano de 2011 |
Tratava-se de uma aula especial. Não propriamente pelo conteúdo, mas porque Aziz era uma lenda do departamento, tido por muitos como o maior geógrafo brasileiro em atividade, um dos maiores do mundo. Além disso, estava aposentado e não lecionava mais para graduação.
Quando ele entrou, pouco depois das sete da noite, todos os lugares estavam ocupados. Havia estudantes em pé, outros sentados nos degraus, entre a plateia. Na época, Aziz já aparentava uma saúde frágil. Sofria com problemas de visão e andava devagar, encurvado pelo peso das quase oito décadas enfileiradas.
Agora, pensando naquela noite, me dou conta de que não lembro os detalhes da aula. A bem da verdade, nem sei dizer qual era o assunto. A fala do ilustre acadêmico não impressionou e dela não me sobraram registros. O que realmente me marcou naquela noite foi a postura de Aziz.
Depois de brigar alguns minutos com o videocassete, controle-remoto em mãos, o velho professor se virou em busca de uma cadeira para sentar. Como disse, o auditório estava lotado, mas diante do ídolo intelectual que Aziz representava ali, todos os ocupantes da primeira fila se levantaram, respeitosamente cedendo seus lugares ao mestre.
Ele olhou em volta e sorriu sem dizer nada. Com a calma característica dos que já viveram o suficiente para renunciar à pressa, caminhou escada acima. Quando chegou lá no fundo, virou-se devagar, sentou no último degrau e apertou o play. Provável que ninguém tenha visto o começo do filme, porque estavam todos com as cabeças voltadas pra trás, surpresos com a modéstia do professor.
Aziz não deu muita bola pra isso também, e tratou de prestar atenção à TV lá na frente. Assistiu ao vídeo inteiro assim, sentado no chão, em meio à garotada, apertando os olhos pequenos pra compensar a falta de visão.
Aziz Ab’Saber morreu na sexta-feira passada, aos 87 anos, vítima de um infarto, na chácara onde vivia, perto de São Paulo.
Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha.
3 comentários:
Em algumas tardes, há quase 40 anos, o anfiteatro da História se "lotava de jovens barbudos e cabeludos,garotas de saia indiana e sandálias de couro" ou, preferencialmente, de calças jeans, para assistir às aulas do Professor Aziz (curso de Geografia - um ano, obrigatório para quem fazia História). Ele ainda não era o mito que se tornou, mas já era muito, muito respeitado. Os conceitos que com ele aprendi na época (foi com ele que pela primeira vez ouvi falar em "bairro dormitório) e a sua conduta de homem simples como só os verdadeiros sábios sabem ser nunca saíram da minha memória. Um verdadeiro mestre.
Tomas, procurando textos sobre o professor Aziz achei o seu blog, pois é o mestre era de fato de um conhecimento que extrapolava a sua area, ele era um interessado por tudo, e tb muuuito humilde com relação a sua postura de erudito (ele era erudito mesmo!!! sem afetação)... que bom que vc escreveu sobre ele...e só estou anonimo pela facilidade (vc ainda acha que é bobagem ter cães?..) abraço grande/ Celso.
Bobagem ter cães?
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.