Na última semana completaram-se três meses da invasão e reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho em São José dos Campos. Hoje e amanhã você terá uma uma retrospectiva do ANTES e DEPOIS em fotos e textos do fotógrafo Victor Moriyama.
A vivência no assentamento do Pinheirinho foi extremamente intensa para a atual configuração das reportagens feitas nos diáiros. Na eminência da reintegração de posse do local, pude acompanhar, a partir de uma verdadeira imersão cultural neste já conhecido ambiente, a expectativa dos moradores frente a situação. Foram cerca de 5 noites mal dormidas na exinta secretaria geral do assentamento, localizada na frente do portão central.
Anteriormente havia fotografado a festa de anviersário do assentamento regada a música nordestina, cachaça e enormes brinquedos infláveis para a criançada. Era um sábado de sol, de alegria, e comemoração. Nem o morador mais pessimista imaginaria que aquele seria o último evento oficial do assentamento.
As noites que antecederam a desocupação do Pinheirinho foram tensas. O clima de apreensão tomava conta das feições dos guardiões da portaria central, moradores encapuzados e armados com pedaços de pau com pregos na ponta faziam a vigilância em período integral de toda a área. Motos, bicicletas e fogueteiros circulavam para cima e para baixo fazendo um zun zun zun danado. A reintegração de posse poderia acontecer a qualquer momento, e em caso positivo, todos os moradores seriam acordados rapidamente com o barulho dos morteiros.
Entre conversas superficiais, boas risadas e tragos de cachaça, pude perceber a diversidade cultural como fator predominante naquela distinta população de um dos maiores assentamentos do país. Nordestinos, paulistanos, piauienses e moradores de diversas regiões do país haviam chegado anos atrás na cidade em busca de um futuro melhor.
Muitos temiam a violência policial, outros aceitavam a contra gosto a ordem judicial. “Essa mulher está com a cara do capeta, eu vi na tv”, esbrevajava uma senhora a respeito da juíza Márcia Loureiro, da Sexta Vara Cível em São José dos Campos, responsável pela ordem de desapropriação do terreno. Alguns tímidos carros deixavam o assentamento com sofás e camas amarrados ao teto.
Foram dias inteiros se arrastando com a provável ocupação policial do terreno. “Estou sem dormir a seis dias. Pelo Pinheirinho eu faço tudo.”, excamou Juarez com uma olheira tão profunda que beira o indescritível.
Ouvi de outra senhora, no amanhecer do dia, uma frase que me marcou demais: “eu demorei anos para construir minha casa de bloco meu filho. Eu não tenho para onde ir”. Dona Raimunda tem 72 anos e vivia no Pinheirinho desde o início do assentamento. O sentimento de resistência era comum aos moradores de todas as faixas etárias. Nestas noites que passei em companhia dos ex-moradores não tive nenhuma desavença com ninguém embora os “caras do movimento” (tráfico) me xingassem pelo canto do olho.
A madrugava entrava quente naquela noite típica do verão brasileiro. A música “povo da periferia” do aclamado rapper brasileiro Naldinho ecoava por todos os becos do assentamento. A frase inicial da música parecia embalar aquele sentimento de resistência dos moradores “O tempo da periferia há muito tempo ta abandonado. Enquanto o povo da classe alta ta enchendo o rabo de dinheiro o povo daqui ta no veneno, sem emprego, na fome”.
O movimento na secretaria do assentamento era contínuo. Pães, refrigerantes, formas de bolo e dúzias de garrafas térmicas com café preto e doce entravam e saiam a todo instante. A esta altura as barricadas construídas com pedaços de madeira e pneus já bloqueavam as principais ruas no interior do assentamento e seu acesso começava a ser restringindo para a imprensa a partir de ordem dada pelo diretor de comunicação do Pinheirinho.
O Clima esquentava. A menos de dois dias do Dia D a guerra estava anunciada com o primeiro ônibus incendiado e sua foto publicada na capa dos principais veículos de imprensa do país. O exército do Pinheirinho fortalecia a tensão ao exibir seu poderio medieval para as câmeras da imprensa.
Victor Moriyama, 26 anos, é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém a coluna mensal Fotógrafo-escreve.
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