– Não, obrigado. Não quero nada de nota fiscal paulista, nem mineira, baiana, gaúcha...
– Nota Fiscal Paulista é preconceito, né?
– Claro que não. É porque estamos em São Paulo, por isso tem esse nome.
– Será? Acho que é preconceito... devia ter outro nome.
– Imagina, imagina. Preconceito é outra coisa...
(fim de papo)
O diálogo acima se deu entre um senhor grisalho a fazer compras e uma caixa de supermercado. Eu vinha logo atrás, com uma tulipa em mãos, a presentear uma amiga de minha esposa, aniversariante naquele dia. O que soa engraçado na cena – e é, sem dúvida, inusitado – me fez pensar no significado que cada um dá as coisas.
A moça do supermercado, meio sem jeito, seguiu no atendimento dos poucos gatos pingados. Pensava, acho, no que tinha acabado de dizer. E eu, imaginava, o que ela pensava sobre o que havia dito.
Uma versão possível para mim é que, de certa forma, preconceito é tudo aquilo que não entendemos (ou não queremos entender) e, portanto, rechaçamos sem mais pensar. É o que podemos descobrir, compreender e conviver e, sem mais, ignoramos por comodismo, ignorância, desinformação. Em alguns por ideologias intolerantes.
A caixa do supermecado, a meu ver, respondeu no automático uma intervenção de um cliente que pretendia ser engraçado. Ela tentou interagir. Quando o cliente viu que sua intenção não foi recebida como tal, recuou, afinal, a discussão passava para algo mais complexo.
Em geral a reflexão requer dedicação. E temas importantes da sociedade costumam ser deixados de lado, em segundo plano. Mas a cena em questão me criou uma ideia curiosa: um diálogo entre a caixa e o senhor grisalho em que todos na fila acabariam se envolvendo. Os temas: nada de trânsito, futebol ou clima. Por que não trabalho escravo, aborto, política educacional ou cotas em universidades?
Não seria interessante e também engraçado? Um avanço, sem dúvida.
Thiago Domenici, jornalista
4 comentários:
Ótimo, Thiago. Curti muito a reflexão sobre preconceito. É bom ter o NR de volta. Abraço.
Parabéns pelo texto, Thiago! Essa história de conversas serem mais complexas e se tornarem triviais é uma das coisas que desejo também.
Seguimos firmes, porém.
Abraços!
Arguto, Thiago!
Obrigado pela leitura! Abs, Thiago
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