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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

“Saramago me ensinou que não há tempo a perder”

Nesta sexta-feira, dia 16 de novembro, o escritor português José Saramago completaria 90 anos. Morto em 2010, o único Nobel da língua portuguesa será homenageado em vários cantos do mundo, entre eles o Brasil. Em São Paulo, no teatro Eva Herz, no Conjunto Nacional, haverá a exibição de cinco horas de imagens inéditas do documentário José e Pilar (2010). O realizador português Miguel Gonçalves Mendes, 34 anos, responsável pelo filme que conta a vida de Saramago e sua esposa, estará presente na homenagem ao escritor.

Atualmente residente no Brasil, onde desenvolve um projeto com Fernando Meirelles e trabalha na sequencia da série “Nada Tenho de Meu” (exibida pelo Canal Brasil), Miguel conversou com o NR sobre a experiência de ter convivido por quatro anos com o autor de Ensaio Sobre a Cegueira. Diz que ter passado esse período ao lado de Saramago e Pilar del Río mudou sua maneira de encarar a vida.

Nota de Rodapé No documentário que você fez fica evidente que Saramago era quase um "pop-star". Era idolatrado por onde passava. Por que acha que ele atingiu esse status tão raro para um escritor, ainda mais de língua portuguesa?
Miguel Gonçalves Mendes Acho que por várias razões. Primeiro, porque Saramago é um dos autores que mais pode ser reconhecido nos seus livros. Ou seja, o narrador e muitas vezes a trama mesmo são o próprio Saramago ou a sua visão do mundo. Por outro lado ele nunca se demitiu de agir. Como ele dizia, o trabalho de um escritor é obviamente escrever, mas também intervir na sociedade. Penso que Saramago várias vezes deu voz àqueles que não a tem. E por último, e talvez o principal, a qualidade incrível da sua obra que, exatamente por isso, é universal.

Nota de Rodapé – Portugal, e a Europa como um todo atravessam hoje uma crise profunda, e não parece haver saída. Saramago era um intelectual que não se furtava de opinar, alertar e convocar as pessoas a se rebelarem. Faltam intelectuais como ele em um momento como esse?
MGM Penso que não faltam intelectuais, o que falta é que estes mesmos intelectuais não tenham medo. Assumam e lutem pelas suas condições. Nenhum ser humano se pode demitir das suas obrigações enquanto cidadão, algo que muitas vezes esquecemos. E a nossa obrigação base é contribuir para o bem comum. O que se passa na Europa é exatamente o oposto: o fim da solidariedade, o fim do respeito, o fim da crença no outro e o inicio de um discurso xenófobo e racista. Ora, ninguém no seu perfeito juízo lutara para defender esta Europa, e o que é lamentável é que se ponha em causa um dos projetos mais utópicos e bonitos da civilização ocidental. Países que reconheciam necessitar dos outros para melhorar o bem estar de todos...

NR – Vejo as pessoas muito desesperançadas e resignadas aqui na Europa. Há um fatalismo rondando a cabeça de todos, não há?
MGM O que é triste é que não sabemos o que se seguirá e talvez o que segue sejam bem pior para todos. E quando digo todos, refiro-me ao mundo. Bem ou mal a Europa era um farol no que toca aos direitos pelos quais toda a humanidade lutou e o seu fim só poderá ser ruim para todos nós.

NR – Você conviveu quatro anos com Saramago, conheceu sua intimidade e acabou por tornar-se amigo dele. Além do documentário, o que guardou desse período?
MGM Eu agradeço à vida por ter-me dado a possibilidade de conhecer uma mente brilhante como a de Saramago e poder construir uma relação de amizade com ele. O meu objetivo na vida é sentir que a vivo de uma forma plena, e tê-los conhecido (Saramago e Pilar) contribuiu em muito para atingir esse meu objetivo. Tê-los conhecido mudou efetivamente a minha vida, e fez-me perceber que não há tempo a perder. Esta é a única oportunidade que nós temos e como tal não podemos perder tempo a chorar ou a dizer que o mundo é horrível. Se é horrível é levantar as mangas e mudá-lo. Como Saramago dizia: não tenhas pressa e não percas tempo.

Miguel Gonçalves Mendes lançou recentemente, pela Companhia das Letras, um livro de entrevistas com Saramago e Pilar del Río.

Ricardo Viel, colunista do NR,  também publica hoje no Valor Econômico um especial sobre os 90 anos do escritor português.

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