Pra piorar, a última marca que me arrisquei a usar tinha outro problema. Produzia uma névoa tóxica no banheiro que, quando inalada, me irritava a garganta. Então criei uma técnica. Prendia a respiração, passava o desodorante, saía do banheiro e rapidamente fechava a porta atrás de mim. Assim continuei a usar esse desodorante por algum tempo. Não apenas porque fosse menos pior, mas, talvez, porque essa última implicância me agradasse.
Pois é. Me agradava. E me agradava porque fazia eu me sentir único. Todo mundo gosta de se sentir único. Uma programação biológica, provavelmente. Nossas mães dando à luz um por vez, e nos mimando como se o mundo girasse em torno do nosso umbigo.
No fundo, a verdade é que somos sete bilhões de atores principais nos trombando no palco, enquanto a plateia segue vazia.
Depois a vida vai aos poucos acabando com essa ilusão. Ou melhor, vai tentando acabar. Porque no fundo, em algum lugar do inconsciente e por mais comum que seja seu emprego, seu carro, sua mulher, todo mundo se acha um pouquinho único. Não há como ser diferente. Estamos vendo o mundo através dos nossos olhos, a vida nos é narrada por nossa própria consciência.
E assim temos a ilusão de que o mundo está lá pra gente, como um cenário onde protagonizaremos nossas aventuras. Uma espécie de engano primordial, eterna fonte de guerras, desavenças, divórcios e afins. No fundo, a verdade é que somos sete bilhões de atores principais nos trombando no palco, enquanto a plateia segue vazia.
É uma dura realidade essa. Ser só mais uma abelha no enxame. Por isso minha birra com o desodorante me dava prazer e, mais do que isso, me orgulhava. Tanto que há algum tempo, numa roda de amigos, me peguei genialmente discorrendo sobre os defeitos de cada marca de desodorante, sobre minha pele sensível, e sobre como minha visão do mundo cosmético se diferenciava da dos demais mortais.
No fim, comecei a contar de como minha garganta se irritava com a nuvem tóxica de sais de alumínio e aromatizantes e estava prestes a falar da minha técnica quando o Luli tomou a palavra. Assim, como se nada fosse e de um só golpe destruiu minhas ilusões de singularidade:
“Sim, essa marca é horrível. Eu sempre prendo a respiração antes de passar, saio do banheiro e fecho rápido a porta.”
Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha
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