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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 11 de junho de 2013

Os óvnis do meu pai


por Tomás Chiaverini*

Meu pai viu um objeto voador não identificado. Não só viu como fotografou. A coisa toda aconteceu na véspera do ano novo, em Ubatuba, onde ele mora há alguns anos. Era noite, ele estava no jardim e fotografava estrelas, testando uma nova teleobjetiva. Como todos os fotógrafos da era digital, clicava, depois olhava no visor LCD, ampliando as imagens para conferir os detalhes. Foi assim que viu o OVNI.

Aumentou uma das estrelas e viu que, na verdade, não era apenas uma, mas várias, agrupadas num emaranhando de luzes em forma de cesta. Tirou uma sequência de fotos. Mostrou a uma amiga para ter certeza de que não estava tresvariando. Não estava. Havia realmente uma cestinha de luzes estacionada, no céu de Ubatuba.

Meu pai está com quase setenta anos. Numa altura da vida em que o materialismo da juventude já foi bastante contaminado pelo esoterismo difuso – autodefesa frente à proximidade da morte e à assustadora possibilidade do fim, ordinário, implacável e definitivo. Mas está longe de ser um deslumbrado. Cientista de formação, é um dos homens mais cultos que conheço e ocupa boa parte do tempo pensando sobre a estranha natureza do mundo sensível. O OVNI era um belo material para esse passatempo.

As fotos tinham excelente definição e ele as ampliou ao máximo. Enviou por email para um primo meteorologista do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE). As imagens circularam por entre alguns dos maiores especialistas em fenômenos atmosféricos do país. Nenhum deles disse se tratar de um disco voador, como meu pai evidentemente ansiava (imaginem, caros leitores desocupados, registrar a prova de vida extraterrestre inteligente?). Mas nenhum deles soube explicar o fenômeno.

Não havia qualquer experimento científico na região naquela data, nenhum evento celeste especial. Tampouco havia registros de imagens semelhantes àquelas. A cesta de luzes, portanto, permanecia como um objeto voador não identificado. Meu pai foi adiante na investigação. Entrou em contato com comunidades de ufólogos e enviou as fotos para eles também. A resposta foi semelhante, ainda que com mais empolgação. Algo como: “parabéns, o senhor presenciou um fenômeno inexplicável”.

Durante meses meu pai mostrou essas imagens e repetiu a história, acrescida de justificativas e reflexões. As luzes pairavam no céu entre São Paulo e Rio de Janeiro. Duas das maiores metrópoles do planeta. E estavam ali na véspera do ano novo, momento exato em que hordas de humanos migram para o litoral num bizarro ritual de celebração cósmica. Não há duvida de que a data e o local seriam ideais para estudar os hábitos da nossa espécie.

O tempo passou. Meu pai continuou a espalhar e história. Até um fim de tarde em que resolveu fotografar um navio de cruzeiro, em frente à sua casa. O balde de água fria veio quando ele ampliou a imagem para conferir o foco. Todas as luzes do navio tinham o mesmo formato de cestinha do famigerado OVNI. Meu pai, que se sustentou a vida inteira como professor de fotografia, finalmente percebeu do que se tratava o seu querido disco voador. A nova lente tinha um defeito. O anel de foco ia um pouco além da posição “infinito” causando uma pequena distorção que borrava as luzes.

A vida alienígena não passava de uma ilusão de ótica. Ainda assim, enganou um punhado de ufólogos e alguns dos maiores cientistas do país. Moral da história: o pior cego, na verdade, é aquele que quer ver.

*Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha. 

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