por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*
Tantos são os motivos de perplexidade e indignação à nossa volta, que tem sido difícil encontrar um hiato para recuperar a leveza. Mas nada como uma boa provocação. Resolvi encarar.
Fui buscar na fonte rósea, transformada por Edith Piaf numa daquelas canções que ocupam o topo da parada de sucessos planetária. Em versos simples mas inspirados, canta a vida rósea proporcionada pelo amor. Desde que a ouvi pela primeira vez, nas aulas de francês da adolescência, me fez imaginar como seria usar óculos com lentes cor-de-rosa.
Concretamente, elas fazem muito sucesso com aquelas peruas que curtem uma meia-calça de oncinha. No espírito da coisa, é algo que pessoas da minha profunda estima usam com total naturalidade e competência. Admiro-lhes, sinceramente, a generosidade e a ingenuidade – e também a sabedoria da estratégia de sobrevivência. Deve ser muito bom ver o mundo sempre num tom mais ameno. No mínimo, permite uma boa economia na conta do cardiologista.
(Cá entre nós, a canção fala mesmo é do amor sussurrado ao pé do ouvido, essa delícia dos casais apaixonados. Derrete geleiras e põe abaixo barreiras impensáveis.)
Continuando na linha do filtro rosado, por ele podemos supor que a vida não é tão complexa como parece, ou que todos temos a capacidade de simplificá-la. E que as misérias de toda ordem que nos rodeiam não nos afetam tanto, nem nos impedem de aproveitar as coisas boas que temos à mão, sem nenhum esforço. Como os ipês, por exemplo, que, à margem de plebiscitos e referendos, decretaram a abertura da temporada das flores em Brasília. Ou essa lua descarada, se exibindo toda grandona lá nas alturas, enquanto o lago reflete laranjas e lilases celestiais.
Através dele, os chatos que vieram ao mundo para nos atormentar talvez possam ser vistos com alguma simpatia, talvez uma pontinha de compreensão, porque, vamos combinar, quem se ocupa de azucrinar os outros deve ter lá dentro uma triste pessoinha, né?
O filtro nos faz crer, também, que as coisas que realmente importam prevalecerão, a despeito do oceano de banalidades, mentiras, falsidade, manipulações, violência gratuita e lixo em que navegamos. Talvez nos leve a concluir que nosso esforço e desgaste cotidianos valem a pena e nos faça dar mais lugar para o riso e menos para o azedume. O problema é que, se a moda pega e o filtro róseo emplaca de vez, floristas, romancistas e oportunistas nadarão de braçadas, enquanto jornalistas, cronistas, cartunistas e analistas vão à míngua. Ih essa prosa está tomando um rumo esquisito. Fui.
*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.
Um comentário:
Vida cor de rosa ? Só nos poemas e canções.A mescla das cores nos leva ao arco-iris.
Beijos da Mummy Dircim
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.