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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Boas lembranças de Roberto Manera

por Thiago Domenici*

Aprendi que é fundamental homenagear os nossos mestres, amigos e pessoas que queremos bem, que nos dão energia positiva sem pedir paga. A vida é um sopro, já dizia Oscar Niemeyer. Penso que achar formas e tempos de registrar pessoas memoráveis, sejam públicas ou não, é mais do que um dever; é uma forma de eternizar aquilo que tem significado para nós, que toca a gente e pode, por consequência, chegar a outras pessoas.

Roberto Manera, desconhecido para a maioria dos que vão ler esse texto, é uma dessas figuras que merecem minha lembrança com carinho. Havia tempos, precisamente desde 2008, que eu não sabia de seu paradeiro. Uma notícia aqui e ali dava conta de que teria se mudado para a região Sul, em Florianópolis. Tentei contato de algumas maneiras, mas sem sucesso. Eu e Natalia, minha esposa, e amigos, como Rodrigo Menitto, sempre falávamos dele com muito carinho, no sentido de preocupação pela sua saúde e pela vontade de estar perto dele. Não deu.

Acho que seu objetivo era mesmo se isolar, perder contato com mundo, com as pessoas. Quando um bando de gente saiu de Caros Amigos em 2008, incluindo eu, o Maneirita, como eu o chamava, nos deu muito apoio e ficou ao nosso lado. Mostrava pra gente, do seu jeito, que não estávamos fazendo nada de errado, muito ao contrário, seguíamos o curso natural dos acontecimentos.

Já naquele período, ele lutava meio marotamente, como quem não se importa, e acho que não se importava mesmo, contra as agruras de uma diabetes que o debilitou muito e que foi o motivo de seu falecimento. Mas não se rendia, pelo menos não publicamente. Desde as mais inusitadas, saborosas e engraçadas, era um grande contador de histórias. O papo com Manera nunca era banal. Sempre se aproveitava algo, sempre tinha alguma informação ou lição, de vida e de jornalismo.

"nosso ofício tem de ser sério, mas não pode deixar de ser prazeroso, e que o prazer pode vicejar além da redação, em torno de uma mesa de sinuca, de futebol de botão ou de bar. Qualquer lugar em que se possa pensar”.

Com Natalia, por exemplo, teve um episódio que a marcou muito. Era seu primeiro emprego em jornalismo, vindo de uma faculdade de Letras. Insegura, caindo num universo com muita gente experiente e sem nenhuma formação na área, mas com desejo de fazer parte e aprender, certa vez, num evento social ela sentiu segurança para contar a Manera uma ideia que não conseguira compartilhar com ninguém até então. “Ele passava uma segurança, por isso tomei coragem e falei”. A ideia era crua, sobre fascículos sobre mulheres, mas sem saber exatamente o foco a ser dado. No papo, Manera incentivava e questionava para que ela desenvolvesse a ideia, mas sempre de um jeito muito amável e cuidadoso. “Uma firmeza acolhedora. Aquele papo de igual pra igual que dá confiança para alguém que está no começo de carreira.”

Quando de sua apresentação em uma reunião de pauta, o Serjão, um dos criadores e o editor da revista, disse a todos que Manera era um dos “grandes jornalistas” do país. Os dois eram muito amigos. Foi Manera que apresentou Serjão a Raduan Nassar, autor de Lavoura Arcaica. Foram parceiros de Globo Rural, da editora Abril, onde se conheceram na década de 1970, se não me engano, época em que a revista chegou a ser a mensal de maior circulação no país. Lá tinha gente como José Hamilton Ribeiro, José Trajano e a minha amiga Marina Amaral, hoje diretora da Agência Pública de Jornalismo Investigativo.

Na edição especial que fizemos após a morte do Serjão, ainda em 2008, Manera escreveu que para além do gosto comum em cavalos, "não tanto pela corrida, mais pelo animal", aprendera com Serjão “que nosso ofício tem de ser sério, mas não pode deixar de ser prazeroso, e que o prazer pode vicejar além da redação, em torno de uma mesa de sinuca, de futebol de botão ou de bar. Qualquer lugar em que se possa pensar”.

Com a notícia de sua morte, na última sexta-feira, a qual soube somente ontem, fiquei muito triste. Outra perda irreparável, como a de Ruy Fernando Barboza, no mês passado. Os bons se vão, infelizmente. Escrevo esse texto meio torto para registrar minha admiração e meu muito obrigado ao amigo que eu gostaria de ter ficado em contato. Adjetivos que o enquadrem são vários, mas seu sorriso maroto, humor irônico, charme e generosidade, além de grande texto e inteligência, serão sempre marcantes para mim. Uma das grandes tristezas de Manera foi a perda de seu filho Júlio, de três anos, numa madrugada de inverno, em 1990. Desde então, “nunca mais fui o mesmo”, lembro de me contar certa vez na feijoada da Lana, local na Vila Madalena que frequentávamos quase diariamente.

Fizemos juntos uma viagem ao Rio de Janeiro, para entrevistar o cantor Ney Matogrosso. Ele arranjou hospedagem na casa de um amigo, na Barra da Tijuca. A entrevista foi muito bacana e a viagem divertida, apesar de estarmos nos recuperando da morte do Serjão. É provável que tenha sido um de seus últimos trabalhos jornalísticos. O jornalista José Antonio Severo escreveu sobre ele no Jornal Já (leia aqui) e pontuou muito bem um pouco de sua trajetória. Diz, inclusive, algo que não sabia: que Manera foi um grande fotógrafo. Mas, infelizmente, pouco se acha sobre ele na rede, nem mesmo uma boa fotografia sua. Uma pena. Uma injustiça.

E nenhum texto, por melhor intenção que tenha, conseguirá captar aquela figura que tomava cerveja comigo enquanto comia uma feijoada. Pesa pensar, como descreve Severo, que Manera morreu sozinho, longe da maioria dos amigos e dos filhos. Mas se foi sua escolha, prefiro acreditar nisso, só mostra que grandes decisões são tomadas por pessoas com muita coragem. Manera fará imensa falta por aqui.

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Thiago Domenici, jornalista, editor e coordenador do NR

2 comentários:

Anônimo disse...

Quero deixar meu agradecimento para THIAGO DOMENICI pela nota de lembrança e estima em memoria ao falecimento de ROBERTO MANERA, sou sobrinho dele, Carlos Manera, e digo que, ele foi a pessoa mais interessante que conheci!

Anônimo disse...

Então, eu sou primo do Carlos Manera, esse que escreveu esse texto emocionante com certeza, mas além de primo do sobrinho do grande Roberto Manera, sou filho desse baita jornalista, mas como filho de pai distante, tenho mais a dizer do que só palavras doces e elogios, a saudade é imensa, mas a vontade de saber o que fez ele deixar os dois primeiros filhos para trás antes do nosso irmão Julinho falecer é o que mais me faz perder o sono, meu nome é João Paulo Soares Manera, irmão do Tomás Costa Manera e do Julinho também !!! Hoje tenho 52 anos, e devo ter convivido com ele por no máximo 3 anos, ele devia falar muitas histórias pros amigos com certeza !!!! Hoje o neto dele tem 3 anos e meio

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