.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 3 de abril de 2014

Escolha sua data

1964 + 50
Histórias de pessoas de carne e osso - e também de personagens de papel - que viveram na roda viva da ditadura militar.Novos episódios toda quinta-feira.

(Episódio 1)

por Fernanda Pompeu  ilustração Fernando Carvall

Todo mundo conhece a brincadeira do primeiro de abril. O mais verdadeiro dos dias, pois homenageia a mentira. Essa nossa companheira por toda a vida. A questão não é se a gente mente, mas quantas vezes e em que situações faltamos com a verdade. Por que mentimos? As respostas ocupariam uma internet inteira. A lembrança é que, na minha infância, eu adorava o primeiro de abril. Oportunidade de pregar uma peça em alguém e dizer em júbilo: "Caiu, primeiro de abril!"

Os militares e civis golpistas de 1964 também se preocuparam com a data. Eles pensaram: Não pode uma revolução aniversariar num primeiro de abril. É dar muita vantagem para a oposição. Daí, pelos vinte e quatro anos seguintes, se fixaram no 31 de março. Junto apelidaram o golpe de revolução, acrescida do adjetivo redentora. Qual o argumento? Os primeiros tanques de guerra começam a sair dos quartéis ainda na noite do 31 de março. Golpe é palavra feia. Melhor usar o substantivo revolução. Esta remete à mudança, novidade, esperança.

Até hoje estamos pagando a conta do Golpe do dia da mentira. Minha geração – eu tinha oito anos em 1964 – mergulhou numa adolescência e primeira juventude sem liberdade política. Leia-se sem direito ao voto, sem direito de se expressar com vigor e sinceridade. Submergimos num Brasil de uma única versão – a dos militares no poder. Eles diziam que queriam segurança, ordem, progresso. Conseguiram tudo isso para eles e seus amigos. Para a maioria das brasileiras e brasileiros, promoveram mordaça e eterno outono.

Os mais apressados dizem: "Já passou, já passou." Os mais jovens reclamam dos paradoxos da democracia e da caduquice do nosso sistema de representação. O slogan "Isso não me representa" ganha muros e postagens no Facebook. Muito lindo, muito bom. Pois, democracia a gente inventa todos os dias. Mas também temos que vigiá-la! O jeito fascista e truculento de tentar resolver os conflitos segue vivíssimo. Você tem alguma dúvida? O discurso de empregar a violência para derrotar a violência não é uma pegadinha de primeiro de abril.

A frase é batida, quase um clichê. Mas também é verdadeira: "O passado quando não conhecido é ameaça de volta". Mesmo que quando chega com outra máscara, outra roupa, outro corpo. A legítima lição da ditadura é uma só: nunca mais vivê-la!

* * * * * *  

Fernanda Pompeu é escritora e redatora. Fernando Carvall é o homem da arte.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics