A arquiteta Lina Bo Bardi, cujo centenário se comemora neste ano, talvez não imaginasse que o vão livre do MASP se tornasse, além de palco cultural, o principal ponto de chegada e saída para as manifestações sócio-políticas da cidade de São Paulo
por Milena Buarque*
O “5º Ato Se não tiver saúde, não vai ter Copa”, que acontece hoje em São Paulo, espera reunir 5,3 mil pessoas. “Desde janeiro de 2014 diversas pessoas, coletivos e movimentos sociais indignados têm ido às ruas com a palavra de ordem ‘Se não tiver direitos, não vai ter Copa’. Em fevereiro e março os protestos exigiram o investimento de nossos impostos na educação e no transporte público. Em abril é a vez da saúde. Nossa manifestação sairá do MASP no dia 15 de abril, às 18h”, avisam na página do evento no Facebook. No começo do mês, outro protesto, nesse caso organizado pelo Sitraemfa, sindicato que representa os trabalhadores da Fundação Casa, reuniu cerca de mil pessoas, exigiam aumento salarial e contratação de mais funcionários.
Um elemento comum entre a manifestação a se realizar hoje e do Sitraemfa é o Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand, o MASP, apontado, segundo pesquisa da São Paulo Turismo (SPTuris), como o principal ponto turístico da cidade. Dali partem ou terminam grande parte das manifestações da cidade.
Nas chamadas “jornadas de junho” de 2013, por exemplo, não foi o prédio sustentado por quatro colunas que ganhou destaque, mas, sim, o vão livre de 74 metros desenhado pela arquiteta Lina Bo Bardi (1914 – 1992). Ponto de encontro na avenida Paulista, o enorme vão é algo que impressiona aos primeiros olhares. A história conta que quando o poeta norte-americano John Cage veio à cidade, mandou parar o carro na frente do museu e, andando pelo belvedere, exclamou: “É a arquitetura da liberdade!”. Para o estudante de jornalismo do Mackenzie Diego Felix, que esteve em quatro atos de junho de 2013, o fácil acesso ao MASP é um ponto importante para a escolha do local. “É conhecido e fica na [avenida] Paulista, onde há concentração de todo tipo de gente, sobretudo da classe média.” Felix, que está fazendo seu trabalho de conclusão de curso sobre temas ligados às manifestações, como movimentos sociais, cobertura da mídia e redes sociais, acredita que a localização também é fator de segurança.
O elemento surpresa
Arquitetura propícia não é sinal necessariamente de cultura política. O elemento das manifestações foi a violência policial. Embora a presença das policias sob a alegação de preservar a “ordem pública” fosse esperada, o cientista político Marco Aurélio Nogueira diz que a PM não sabe lidar com manifestações. “No Brasil, a polícia não foi treinada para enfrentar protestos. Policiar manifestações políticas. Ela tem um componente militarizado. Enfrenta o conflito das ruas como se estivesse enfrentando uma guerra. E isso, em vez de pacificar, bota fogo na fogueira.”
Diretor do Instituto de Políticas Públicas e Relações Internacionais (IPPRI) da Unesp, Nogueira lançou no fim de 2013 o livro “As Ruas e A Democracia”, conjunto de ensaios com reflexões e possíveis resultados das revoltas que tomaram as ruas do País. “O diferencial para mim está na cultura política das pessoas que protestam. [Cultura política] é o modo como as pessoas entendem o protesto. Em alguns países, o protesto é muito mais estruturado na vida cotidiana do que no Brasil”, diz, fazendo referência à Espanha, que, em sua opinião, tem uma maneira de viver os protestos mais aliada ao cotidiano.
As várias definições do termo “cultura política” não apontam apenas para as noções de atitudes e regras de determinada população. Sentimentos e percepções evidenciam a cultura da sociedade. Segundo Nogueira, “rapidamente, se escutaram palavras de ordem protestando contra tudo e contra todos. Mas o recado mais claro foi dado aos poderes Executivo, Legislativo e organizações sociais: ‘não nos representam’ virou termo comum repetido nas ruas”.
O convidado especial
Para o estudante de arquitetura e professor do Laboratório de Ideias (LABi) Mario Gallão, o MASP não foi pensado para ser um espaço de manifestações. “Mas essa era uma das possibilidades. Acho que ela [Lina Bo Bardi] ficaria feliz de ter visto essas manifestações democráticas no espaço que ela projetou, sendo a lutadora e defensora do povo que foi”
Lina, que faleceu em 1992, vítima de embolia pulmonar, continua marcando presença nos atos. O museu, inaugurado em 1968, contou com a presença da rainha Elizabeth II da Inglaterra. No entanto, a morada do MASP, em 1947, ano de sua fundação, se localizava no prédio de quatro andares dos Diários Associados, do jornalista Assis Chateaubriand, um dos idealizadores do museu. Lá, não havia vão livre.
Segundo Gallão, que não esteve presente nos protestos, Lina sempre teve uma preocupação especial com as pessoas que usam as suas obras. “O espaço do térreo do MASP servia a dois propósitos. O primeiro de ousar com aquele que era, até então, o maior vão livre do mundo no país que, naquele momento, tinha uma arquitetura de vanguarda. O segundo era o de abrir a visão para o público, criando um espaço de convivência com uma grande vista ininterrupta”, conta.
Como acontece no SESC Pompeia, também projeto da arquiteta, a ideia era a de que as pessoas usassem o espaço para tudo que elas achassem válido como atividade. Nas várias imagens dos estudos preliminares do MASP, o vão é destaque. “Esculturas praticáveis do Belvedere”, de 1968, mostra brinquedos, como carrossel, escorregadores vermelhos e cata-ventos. Além de crianças e adultos.
Com o uso sendo definido por quem de fato utiliza, o vão livre do MASP, no papel da participação cidadã, continuará a ser o convidado (e cenário) imprescindível em 2014.
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Milena Buarque, estudante do último ano de jornalismo no Mackenzie, integrante do Projeto Repórter do Futuro, onde foi confeccionado este texto publicado pelo Nota de Rodapé
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