por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna
"Como brilha a insignificância das pessoas quando as coisas começam a dar errado." Comentário ácido e certeiro da escritora espanhola Rosa Montero, a propósito de um funcionário sindicalista que quer se aproveitar do assassinato de uma líder para emplacar sua carreira política. Pulou do papel enquanto eu lia o romance de ficção científica "Lágrimas na chuva", cujo bem tramado enredo gira em torno da uma detetive androide, contratada para investigar uma série de mortes de semelhantes seus, num futuro situado no ano de 1109.
Com a criatividade e a competência que lhe sobram, e tendo como ponto de partida a cena final do filme "Blade runner" (quando o protagonista replicante, antes de morrer, diz: "vi coisas nas quais vocês não acreditariam… todos esses momentos se perderão no tempo como lágrimas na chuva"), Rosa coloca humanos e androides numa convivência complicada, permeada por situações que remetem às crenças supremacistas e práticas racistas que conhecemos tão bem. No futuro imaginado por ela, o caráter e o comportamento humanos continuam intactos, bem como a recorrente ênfase da autora na empatia e solidariedade entre os marginalizados e os esquisitos, uma das características mais cativantes da sua escrita. Para o grande prazer de seus leitores, ela já escreveu sobre um bocado de coisas.
A frase é tão bem sacada que dá a sensação de ser, simultaneamente, uma bela surpresa e uma velha conhecida. Isto acontece sempre que alguém consegue dar uma forma exata a algo que captamos ou sentimos, mas não conseguimos ou não nos detemos em formular. Tive que compartilhá-la.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com
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