por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna
Minha encarnação candanga já dura muito mais que a anterior. Considerando uma expectativa de vida realista, será a mais longa, mesmo que eu me mude daqui amanhã. Viver num lugar insólito como Brasília tem suas consequências, e para mim uma das mais fortes é o fascínio por cidades "normais", aquelas onde tudo se mistura. São as áreas mistas das cidades que me seduzem, lugares onde é só por os pés na rua e se acha de tudo, gente, loja, cinema, cachorro, padaria, pastelaria, banco, café e praça. Se tiver uma feira livre no caminho, me perco de vez na felicidade. Quando viajo, quase não consigo fazer outra coisa que não seja andar sem destino certo, sentindo a energia urbana sem filtros e sem intermediários.
Ah as praças! Nelas a gente capta o espírito do lugar, quase o apalpa. E como eu saio sem plano e sem programa, pedindo para ser surpreendida, elas me atendem, generosamente. Assim aconteceu em Lisboa, quando cruzei o arco da Praça do Comércio pela primeira vez, num dia de céu azul profundo, o Tejo logo ali na frente, o espaço aberto vibrando sob o sol. E no Largo do Chiado, com sua delicada iluminação noturna, convidando a gente a se sentar e desfrutar a suave melancolia portuguesa matizada pela Babel em que se transformou essa magnífica cidade coalhada de lugares de encontro.
Também em Madri, num fim de tarde, ao entrar na Plaza Mayor por uma lateral singela, e dar com o retângulo enorme todo ladeado de edifícios centenários da mesma altura, nos quais se vê uma infinidade de arcos e varandas. O impacto foi tremendo, como se ali, onde pairam a memória e o eco de um mercado aberto, eu pudesse sentir toda a verve espanhola em plena pulsação.
Outras são tímidas, como a Plazoleta Carlos Pellegrini, que descobri num canto da Recoleta, em Buenos Aires. Numa cidade com arquitetura e gente dramática e monumental, a pracinha tem um toque introvertido, quase singelo. Linda.
Entre as mais belas, está a Praça Tiradentes, em Ouro Preto, que visitei há muitos anos, mas não me sai da memória. Tem um quê de tragédia no ar, mas parece dizer, sutilmente, mineiramente, que é preciso superar a dor e tocar em frente.
Como em tantas cidades brasileiras, lá na minha querida Araraquara também tem uma Praça Independência, tão bonita, mas tão bonita, que dá vontade de armar uma barraca na grama e ficar por lá, curtindo as árvores poderosas e pensando na vida num banco compartilhado com gatos vagabundos. E lá nos cafundós do interminável interior de São Paulo fica Jurupema, um povoado de duas mil almas com uma pequena igreja redonda em formato de farol, rodeada por uma praça aonde me senti dentro de uma pintura de Portinari e engasguei, quase chorei.
Levanto os olhos da tela, e é Brasília que eu vejo lá fora, com este céu escancarado ameaçando despejar um baita de um temporal e as maritacas fugindo dele, apressadas e tagarelas.
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Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto. Emails para esta coluna devem ser enviados a: deumtudocronicas@gmail.com
3 comentários:
Ah! as praças ! Que paz interna brota de dentro de cada milímetro de chão." A mesma praça, o mesmo banco, as mesmas flores, o mesmo jardim" tudo tão bem cantado em prosa e verso ! A mesma praça onde encontrei meu grande amor ! Romantismo que até provoca dor no coração.
Que descrição maravilhosa de cada canto, heim, Júnia ? E a ilustração do Fernando ? Se os bancos daquela praça falassem.....
Beijos da Mummy Dircim
Atravessei mares, me aventurei nas tuas viagens neste texto delicioso. Parabéns! abraços
Voltei a algumas praças a que já fui e "conheci " outras pela sua deliciosa descrição. Obg pela viagem!
Fernando, seus bancos são um convite à contemplação e à preguiça!
Parabéns aos 2!
Terê
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