Rodolfo Enrique Fogwill (1941-2010) |
O dia 22 de agosto começou com um ritmo estranho. Recebi do amigo Juan Morris, de Buenos Aires, uma informação inesperada: “Hoy se murió Fogwill. Un día negro para la literatura argentina.” Assim, como uma linha perdida no meio de um email, a morte de Rodolfo Enrique Fogwill (1941-2010) tornou-se ainda mais estranha. Não esperava, ainda que o ritmo de vida de Fogwill sempre o deixasse na lista dos que podiam passar dessa pra melhor de hora pra outra – informam os jornais argentinos que a morte foi provocada pelo cigarro.
Fogwill, bem titulou o Clarín, era o “último maldito” da literatura do país vizinho. Sem pudores, sem papas na língua, sem freios em sua literatura. Há alguns meses, andei apressadamente por livrarias de Buenos Aires em busca de Los pichiciegos, livro que, dizem, é sua obra-prima: não encontrei. Trata-se de uma narrativa sobre a Guerra das Malvinas escrita em seis dias e doze gramas de cocaína. Foi na loucura da droga que Fogwill, que durante muito tempo ganhou a vida como publicitário, fez-se escritor – nem por isso, diga-se de passagem, sentiu-se na condição de recomendar o uso de cocaína.
Li recentemente um perfil que agora, para minha tristeza, não consigo recordar qual foi o veículo que publicou – caso o encontrasse, teria prazer em dividi-lo com os amigos deste blogue. Na entrevista, Fogwill mostra como seguia seu ritmo intenso, como estava ranzinza com a literatura que anda se fazendo, como passava confusamente de um tema a outro, até se cansar do repórter e trocá-lo por outro que estava à espera.
Descobri o incrível talento de Fogwill em Vivir afuera, obra sobre a vida dos moradores da periferia de Buenos Aires em meio à decadência do país. No livro, a cocaína passa do autor aos personagens, entorpecidos pelo cotidiano. Três histórias de duas duplas (ou seriam casais?) se desenvolvem separadamente, mas o leitor sabe que haverão de se cruzar. Um retrato excelente de um momento da história latino-americana.
Procurando na página do jornal Perfil, do qual Fogwill era colunista, encontro uma coluna de março, uma das últimas, que trata de um poema irlandês. Parece adequado para o momento. “Sé que la muerte me encontrará en algún lugar entre las nubes. No odio a quienes combato, y a quienes defiendo no los amo. Mi patria es Kiltartan, mi comarca de Irlanda. Mis compatriotas son los pobres de Kiltartan. Ningún desenlace podrá derrotarlos. Tampoco los hará más felices que antes. No hay deber, ley, líder, ni multitudes que me muevan a pelear: sólo un impulso por placer me trajo a este tumulto entre las nubes. Calculé todo, fui consciente de todo. El futuro no valía la pena, mi pasado tampoco. En armonía con esta vida, esta muerte.” Somente um impulso por prazer deve ter levado Fogiwll a este tumulto entre as nuvens.
João Peres é jornalista e colunista do NR
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