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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 2 de março de 2012

Continente

Quando acabamos o jardim de infância e a escola começou a ficar séria, aprendemos que continente era uma grande extensão de terra, maior que os países, ou a soma de alguns deles. Como as Américas, por exemplo, onde cabe de tudo.

“Recipiente” é o original português para “container”, uma dessas palavrinhas inglesas que há muitos anos prevalecem em nosso cotidiano, contaminado pela língua que se impõe pra nos reafirmar a sensação de que estamos progredindo, sim. Num container também cabe de tudo: soja, computadores, carros, relógios, roupas, milho e sei lá mais o quê.

No território do lado de dentro, onde carros e computadores se misturam com países, rios e montanhas, muitas vezes nosso “continente”, nosso “container” não dá conta da quantidade de itens a ser acomodados, ou da erupção de algum vulcão que ferve, obstinado, ignorando as ordens em contrário, como convém a um vulcão que se preze.

É nesta hora que acontece uma de duas: ou nos viramos sozinhos, mastigando e engolindo a lava, que desce arrancando pedaços, ou temos a sorte, o privilégio, a bênção de ter quem nos contenha, apare a chuva de pedras incandescentes, apague o incêndio e sugira onde colocamos os fardos de algodão e onde as caixas de relógios chineses.

Felizmente, ninguém se ocupa de inventar um neologismo idiota pra definir as pessoas que se dispõem a nos conter – pelo menos, não que eu saiba. Pode ser que exista, em psicologuês... Mas não me interessa, nem quero saber, não me contem. A mim me encanta e me basta que existam esses seres iluminados que, naqueles momentos em que estamos nos desfazendo, nos franqueiam seu amor, sua atenção e seus braços, uma saladinha de atum com torradas e um bom xale.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. Ilustração de Luiz Carlos Bergamasco, especial para o texto.

5 comentários:

Fernanda Pompeu disse...

Muito lindo! Este texto é torradinha crocante no café da manhã. Valeu!

Angela Mattos disse...

Lindo! Gostoso encontrar a Junia e a Fernanda Pompeu aqui juntas.

Bel Clavelin disse...

Madame Puglia, profundo este texto. É daqueles bons de serem retomados de vez em quando. Já estou aguardando o texto da próxima semana.

Anônimo disse...

Nem preciso dizer o quanto gostei. Este texto me trouxe à memória uma outra palavra que se acomodou em mim: suportar. Para muitos é tolerar mesmo não gostando; para mim, é dar suporte.
Márcia Ester

Elezer Jr. disse...

Gostei do continente. E é interessante notar que "ser contido" pode tanto ter o sentido de ser prudente, precavido, recatado, etc., ou de ser amparado no momento vulcão a que você se referiu. Continue contendo, quero dizer, contando!

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