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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Capoeira, o corpo pensa

O mês de novembro é bastante significativo para pensarmos os rumos das relações de poder dentro da nossa sociedade por dois motivos: o primeiro, por conta do dia da Consciência Negra. O segundo, por se comemorar hoje o nascimento de Manoel dos Reis Machado, o famoso mestre Bimba, grande propulsor da capoeira no Brasil, manifestação cultural que pode ser considerada a expressão da ironia do negro no país.

Há mais de quinze anos, me dedico a esse ritual de jogar capoeira e reconheço que um dos grandes falseamentos do homem moderno é o desprezo pelo corpo e a hipervalorização do pensamento e da consciência.

O que isso significa? Basta olharmos para os templos da atualidade – as academias – para nos depararmos com legiões de corpos hiperestimulados, num verdadeiro culto à forma física.

A questão a ser discutida aqui, caro leitor, é justamente essa “forma”. Na verdade, não valorizamos o corpo em si, mas sim uma ideia de forma corporal. Um padrão idealizado e imposto por uma cultura que despreza o risco, a vulnerabilidade, o que envelhece e tudo aquilo que nos remete a nossa humanidade.

Como educador físico, eu faria um esforço para convencê-los de que o esporte ocidental – onde incluo as atividades em academias – se caracteriza por um conjunto de técnicas que levarão o praticante a desenvolver capacidades físicas e um corpo quase invencível, forte, flexível, belo, com uma boa postura e um ótimo tônus muscular.

O corpo na capoeira é um corpo que se assumi emocional, pulsional e falível. Já dizia a velha cantiga: “na vida se cai se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.

O problema nessa concepção, na visão de Muniz Sodré, por exemplo, é que ela “mantém a separação entre corpo e espírito, ambos em uma mútua relação agressiva.” Sodré diz ainda que a institucionalização do esporte “termina imbuído do mesmo espírito competitivo vigente nas relações de produção dominantes”.

Como capoeirista afirmo: antes de ser um esporte, a capoeira sempre foi jogo, ou seja, linguagem não conceitual de gestos, imagens e cantos, onde o corpo ganha centralidade. Mas que corpo é esse? Qual é a diferença?

O corpo na capoeira é um corpo que se assume emocional, pulsional e falível. Já dizia a velha cantiga: “na vida se cai, se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.

Um bom capoeira assume o risco como condição primeira de um bom jogo e joga com, nunca contra. Uma das características fundamentais do jogo é o diálogo, expressão corporal simbólica da dor, da alegria, da agressividade, da sensualidade, do ataque, da defesa, do encontro.

Na capoeira não há tempo para a dualidade corpo/mente, nela o movimento se torna pensamento em ação e o pensamento é já uma ação em movimento. Mestre Camisa, do alto de sua sabedoria, brinca: “na capoeira não pode pensar para dar o golpe e nem dar o golpe sem pensar”.

A capoeira pode ser vivenciada como uma forma autêntica de exercício em busca da liberdade, onde os elementos de criatividade artística, o improviso, a surpresa e a malícia são ingredientes fundamentais. É um jogo de desequilíbrio e de desconstrução dos rígidos padrões corporais ocidentais, padrões esses que engessam o corpo em formas vendidas por uma sociedade mercadológica.

Enfim, jogar capoeira pode ser considerado uma ação eminentemente política. Axé!


Alexandre Luzzi, Professor de Educação Física, capoeirista, coordena o espaço Tai Ken, especial para o Nota de Rodapé. Ilustração de Caco Bressane, especial para o texto. 

2 comentários:

João disse...

Lembrei das suas palavras sobre o sentido que os rituais ligados a capoeira dão aqueles que a praticam. Todos esses ritos que englobam a música e seus instrumentos de percursão, o canto, a palma ( que permite a participação de todos na roda ), a dança em sua mais livre forma de expressão corporal e a história cheia de sábios ensinamentos deixados pelos sábios mestres da vida! Isso tudo alimentando ao mesmo tempo o corpo físico e o "corpo" emocional!

Espaço Tai Ken disse...

Um convite a todos os leitores e admiradores desse grande jogo.
Dia 29/11 às 19h30
Aula especial de Capoeira
Local : Espaço Tai Ken
Rua lincoln Albuquerque 312 - perdizes
Info 29243010

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