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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 10 de maio de 2013

Atalho furta-cor



por Júnia Puglia ilustração Fernando Vianna*

Decidi pegar uma carona no bonde do dia das mães, que partiu já faz tempo, tão logo os ovos de páscoa encontraram seus donos. Mas fique tranquilo, não vou começar mais uma ladainha sobre essas criaturas lindas, sorridentes, perfeitas e prontas para renunciar a qualquer coisa pelos filhos, criadas pela mitologia religiosa e alegremente assumidas pela publicidade e o comércio. Pego a carona e mudo o itinerário.

Todo mundo conhece alguém que adotou filhos, ou que foi adotado por mãe, pai ou uma família inteira. Independentemente das muitas razões que levam ao abandono de um filho ou filha, o primeiro destino dessas crianças quase sempre é a aridez dos abrigos mantidos pelo Estado ou por instituições de cunho social. Por mais que os profissionais da área se esforcem e se dediquem, serão sempre pessoas desempenhando uma função, não têm como proporcionar uma vivência familiar, em todas as suas nuances.

E acho que ainda não inventaram um ambiente mais adequado para o acolhimento e desenvolvimento das crianças do que as famílias, nas suas mais diferentes conformações – se bem que, em algumas delas, há mais motivos de sofrimento que de crescimento e preparação para a vida. Mas este é um outro assunto.

Vou ficar com o lado que conheço dessa história, aquele das pessoas com quem me relaciono, que adotaram ou foram adotadas.

Elas me comovem. De um lado, os filhos, que, como todos os bebês de todos os tempos, não pediram pra nascer, mas nasceram, e, a partir de certo momento, foram privados do aconchego de quem os trouxe ao mundo, porém encontraram outros colos e braços ávidos por acolher e nutrir. Do outro, mães e/ou pais que decidiram compartilhar a existência no sentido mais profundo e recebem os filhos dentro de si, naquele exato lugar onde eu guardo os meus, lugar que dispensa nome e desconhece palavras. E constroem uma vida juntos.

Sim, há histórias de adoções mal sucedidas, assim como existem tantas famílias biologicamente constituídas que dão errado, por assim dizer. Em todo caso, todo mesmo, é impossível prever o desenrolar da vida, a começar por não termos como saber o que qualquer outra pessoa sente. Levantar um edifício sobre estas incógnitas é tarefa para mais de uma vida, e dá sentido a esta única que temos.

Acho que o desvio do bonde deu num atalho pra lá de complicado. Tomara que alguém me entenda.

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

3 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Pois é Júnia. Subsumidos à lógica do modo de produção, reféns dos vendedores de desejos de plantão, somos todos forçados a único olhar. Seu texto revela que o trilho é uma invenção e que, na verdade, as teias da vida se revelam àqueles que ousam enxergar. Obrigado, Carlos.

Anônimo disse...

Muito sério e comovente esse assunto.Adotar uma criança, dando-lhe proteção, amor e carinho, é caminhar sem esperar qualquer recompensa. Mas, para quê recompensa maior do que a doação de amor ?
Beijos da Mummy Dircim

Anônimo disse...

Ju, achei oportuníssimo o seu texto.Eu a compreendo e lhe agradeço por abordar um assunto tão sensível com tamanha propriedade.

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