Cinzas de Saramago em frente a FJS (crédito: Daniela Martins Gutierrez) |
Com ele foi diferente. Respondeu uma hora depois e disse “sim, claro”.
Miguel Gonçalves Mendes, diretor do documentário José e Pilar (sobre o prêmio Nobel Saramago e sua esposa), me recebeu em um bar no centro de Lisboa, dias depois daquela primeira troca de e-mails. Pensei que com sorte conversaríamos uma hora e meia. Foram quatro dias. Conheci lugares fantásticos graças a ele e, mais do que isso, conheci, por sua causa, a uma mulher incrível. “É a mulher mais encantadora que eu já vi”, me disse ele.
Falava de Pilar del Rio, a viúva de Saramago, que depois de um telefonema de Miguel me abriu as portas da Casa dos Bicos – prédio que passava por reformas para abrigar a nova sede da Fundação José Saramago (FJS). Conversamos, ela me mostrou alguns projetos da FJS, e fui embora com a sensação de que Miguel tinha razão quando falou do encanto e da força daquela mulher que consegue ser, ao mesmo tempo, dura e doce.
Pilar trabalha todos os dias, sempre está elegante e disposta. Costuma dizer que é assim porque pertence a outra geração e não a atual, que já “nasceu cansada”.
Perguntei a Miguel se ele nunca havia visto a Pilar triste. Sua resposta foi definitiva: “Claro que vi, mas ela se nega, se nega a deixar a tristeza ficar”.
Hoje, dia 13 de junho, a Fundação José Saramago começa a funcionar no novo espaço, um prédio lindo, de três andares e quase cinco séculos de história. É um dia especial para todos os leitores de Saramago, que de certa forma contribuiram para que o espaço se tornasse realidade – a fundação se mantém com um percentual do dinheiro da venda dos livros do escritor.
Não há financiamento público, mas há, sim, interesse público no que a entidade faz. Na FJS trabalham pessoas muito capazes e comprometidas – conheci algumas delas –, o que me faz crer que projetos interessantíssimos serão gestados ali nos próximos tempos.
Hoje é um dia muito especial também para Pilar. Eu vi com que carinho ela cuidava de cada detalhe do novo prédio e posso imaginar sua satisfação com a chegada do dia de hoje.
Abrir as portas da Casa dos Bicos para o público significa para ela a realização de um compromisso. Quando Saramago estava bastante doente, os dois tiveram uma conversa. “E depois, o que faço eu?”, ela perguntou. O escritor pensou um pouco e respondeu: “Continua-me”. Para continua-lo, Pilar decidiu mudar-se para Lisboa (moravam na ilha espanhola de Lanzarote) e acompanhar ainda mais de perto os trabalhos da fundação.
Hoje, como todos os dias, ela vai chegar à fundação e depositar uma rosa aos pés da oliveira que fica no passeio onde estão enterradas as cinzas de Saramago – bem em frente à Casa dos Bicos.
Hoje, como todos os dias, Pilar também merecia receber flores. Hoje, em especial, merecia todas as flores do mundo ou pelo menos aquela do conto infantil que Saramago escreveu: “A Maior Flor do Mundo”.
Ricardo Viel, jornalista, escreve às segundas. Hoje, especialmente, manda essa ótima contribuição.
7 comentários:
Lindo! Parabéns!
Espero que a Pilar leia
Belo texto : )
E onde podemos ler mais sobre esses quatro dias que você passou com o Miguel Gonçalves Mendes?
Hum! Gostoso de ler!
Parabéns Ricardo, belíssimo texto! Belíssima história de vida! Obrigada!
Matou a pau, Viel!
Obrigado pela leitura pessoal.
Karen, o Miguel vai lançar um livro de entrevistas com José e Pilar (que não entraram no filme) em agosto aí no Brasil. Minha conversa com ele deve sair em alguma publicação (alguma que não me diga não como tem acontecido) brasileira nesse mês. Quando tiver algo mais concreto eu aviso.
Abs
Tão orgulhosa de vc...
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