.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 23 de maio de 2013

Tem coisas que eu olho, tem coisas que eu vejo


por Ana Mendes ilustração Victor Zalma*

No último dia em Recife, não pude deixar de conhecer o famoso Mercado São José, um casarão verde-água no centro da cidade. Me ocorreu comprar alguns colares, mas o Ton apareceu a tempo para me dizer que era melhor não. “Guias de proteção são usadas quando há um fim específico, Ana”.

Insatisfeita com a censura, escorreguei os dedos por colares vermelhos de Iansã, amarelos de Oxum, azuis de Ogum e brancos de Oxalá. Desejei todos. São vendidos a três reais nas casas de candomblé. Entrei numa: duas mulheres, sentadas em um canto, afundavam a mão em cestos cheios de missangas e dali montavam anéis infinitos em fios de naylon. Com uma habilidade impressionante, respingavam contas coloridas da ponta dos dedos. “Saí daí, guria!”, minha mãe sussurrou no meu ouvido. Fulminei ela também, com meu olhar estrangeiro.

No corredor, um homem com um cajado e uma cartola preta nos observava sossegadamente. Ele estava encostado em uma das portas de saída do mercado, onde era possível ver pingar grossas gotas d'água. Fui atraída pela porta que chovia: feirantes encharcados vendiam quiabos e outras cores para fregueses que tão pouco se preocupavam com a exacerbação dos céus. Ao contrário, estavam todos ocupados em negociar o preço dos legumes. Sob um vento forte e quente a cena se repetia como uma cascata, a feira, a chuva e os fregueses tomavam a rua inteira.

Amontoados de gente aqui e ali, entoavam em coro, que nem fossem cigarras acasalando nomes de frutas, ervas, conservas e legumes. Às pressas, um menino riscou uma poça com a bicicleta e o feirante escoou a água que se acumulava em cima da lona amarela, “shuuuuaaaaa”. Finalmente o sol chegou rasgando nuvens e mudando o f. da minha íris. Porque não fotografei? Fotografei sim.

*Ana Mendes, gaúcha de nascimento, é fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Mantém a coluna Faço Foto. Título inspirado em Poemicro de Climério Ferreira, poeta brasiliense do Piauí. Ilustração de Victor Zalma, especial para o texto

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics