Amanhã será terça. Vou para o Mercado Municipal. Baterei papo com a Marinalva, paraibana que vende queijo coalho, carne de sol, relicários. Ela é de Campina Grande, onde acontece o Maior São João do Mundo. O jeito dela falar me faz lembrar da dona Fernanda, a primeira xará que conheci. Ela tinha uma banca de ovos e um olho de vidro. Minha avó Afonsina, não sei se inventando ou honrando a verdade, dizia que o olho da feirante tinha sido furado por um garfo.
Amanhã será quarta. Vou para as bandas do Bom Retiro com a minha mãe. Sacolejar a sacola pela Zé Paulino, pela Três Rios, pela Barra do Tibaji. Afinando os ouvidos para velhos judeus e árabes naquela conversa de comercializar tecidos. Quando eu era criança desejei ser caixeira-viajante. Sonhava em arranjar uma mala de couro e fugir vendendo apetrechos de costura e panos coloridos de cidade em cidade.
Amanhã será quinta. Momento sabático da semana. O que vou fazer não conto. Para ninguém.
Amanhã será sexta. Dia de acender velas para o São Google e rezar pela Wikipédia, além de entoar salvas à banda larga. Vou observar alguns sites e ver a quantas anda o cordel eletrônico das redes sociais. Verificar quem ainda me ama e quem já me esqueceu. Como cada vez tenho menos dinheiro e mais anos, estou tentando me tornar uma webredatora, uma profissional do futuro. Talvez ainda dê tempo.
Amanhã será sábado. Vou assistir a uma palestra no Museu da Resistência, no prédio do antigo e famigerado Dops. O assunto é a abertura dos arquivos da ditadura e o direito à memória política. Quando eu tinha oito anos, rolou o golpe militar de 64. Meu pai, comunista e sindicalista, foi preso. Também foi demitido do Banco do Brasil, sem direito a nada. A família que era classe média ficou pobre. Ou quase.
Hoje é domingo. Dia da libertação dos trabalhadores. Ainda cedinho vou para a praia. Não preciso de maiô, toalha, havaianas, filtro solar. A praia que mais gosto de frequentar é a Padaria Letícia na rua Natingui. Vou pedir o de sempre. Um expresso. Uma canoinha francesa na chapa com requeijão. Um ovo frito com a gema bem molinha. É fácil ser feliz.
fernanda pompeu, escritora e redatora freelancer, colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto.
8 comentários:
Também adoro a praia paulistana. E nem sempre foi assim... Antes tinha aversão a tanto concreto e asfalto. Também achava que ir ao shopping era programa de "índio". Hoje sou casado com uma mulher cujo avô era índio e adoramos ir ao shooping, onde quase sempre fazemos uma parada no Mc Donald's. É curiosamente o momento em que me sinto um rebelde, altamente subversivo, contra os ataques ostensivos de alguns vegetarianos... Também não gostava de TV e hoje adoro dar uma espiadinha no Big Brother! Ser rebelde também pode ser fácil (e comer big mac assim é incrivelmente mais gostoso)!
Hoje é quinta-feira, dia de ler Fernanda Pompeu e trabalhar pensando em jogar conversa dentro.
queridíssima fernanda, que escreve coisas do fundo do baú futuro, que lindeza de crônica para são paulo ex-da garoa! que suas quintas sejam sempre abençoadas pela deusa do amor! beijos da sua amiga mezzo paulistana mezzo ribeirão pretana inês
Gostei muito, Fernanda. Você tem uma habilidade com o texto que é de dar inveja (boa) em quem lê. E as ilustrações são sempre ótimas, esse Carvall é muito bom.
Fredo Sidarta, SO
Com a webredatora Fernanda nem sinto muita saudade das crônicas do Otto Lara Resende e Rubem Braga. Abraço.
é isso mesmo Fernanda querida,
crônica deliciosa, prá página 2 de qualquer jornal, e pro fundo de meu coração..
Bjeabço, Margareth
Fê Pompeu e suas viagens e experiências pela Sampa adotada que acabam aterrisando em suas crônicas imprescindíveis. É feia essa Sampa? Demais. É confusa, mal feita e desengonçada? Demais. Mas é que nem aqueles cachorros horríveis que as pessoas levam pra cá e pra lá cheios de carinhos e mimos. Sampachorra inspiradora de talentos... né Fê? Bj.
Que beleza de texto. Não li, me deliciei!
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