Marxista de formação, seu governo priorizou a educação e saúde, investindo, segundo ele, em escolas para crianças com idade entre três meses e três anos, nutrição escolar, saneamento básico e assistência médica. De fato, aumentou a rede de água e esgoto em 30% e fez funcionar 24 postos de saúde, o que ajudou a reduzir a mortalidade infantil. Já na economia, optou por investimentos em produtos e serviços atibaienses, principalmente os hortifrutigranjeiros, que eram utilizados na merenda escolar.
Estabeleceu regras no parcelamento e uso do solo e combateu a especulação imobiliária. Em sua gestão, somente um loteamento foi aprovado, o que gerou duras pressões do setor ligado ao mercado da construção civil. A resistência em lotear tinha um objetivo claro no programa de governo do ex-prefeito: viabilizar a cidade economicamente.
E é principalmente sobre o loteamento indiscriminado de Atibaia, fator considerado por Gilberto como preponderante para a ocorrência das enchentes que assolaram o município nos últimos dois meses, a entrevista exclusiva concedida a Moriti Neto do Nota de Rodapé.
NR – A mídia, de forma geral, falou muito das enchentes em Atibaia, a respeito das tragédias familiares, das perdas materiais da população, mas pouco foi relatado, fora o excesso de chuvas e a abertura de comportas de represas, sobre certas causas e consequências geradas pelo loteamento sem critérios. Qual sua avaliação?
Atibaia até começou bem o século 20. Foi uma das primeiras cidades paulistas a falar em industrialização. Até a década de 1950, com a Companhia Têxtil Brasileira operando, a economia municipal era forte. O problema é que era dependente de uma indústria só. Com o fechamento da Têxtil, foi preciso criar novos motores econômicos. E isso começa a partir da década de 1960.
NR – E dentre esses motores estavam os loteamentos?
Simplesmente não houve outros instrumentos. Trocaram a industrialização pelo loteamento da cidade. A partir do golpe militar, isso se intensificou, os lobistas do setor imobiliário passaram a agir com mais liberdade e os administradores do município fizeram esforços para atraí-los. Criaram 700 km de loteamentos sem infraestrutura. Isso é quase uma viagem São Paulo/Rio de Janeiro, ida e volta, pela via Dutra! Não levaram nada em conta, nem o solo argiloso e nem a área montanhosa, além de nenhum estudo ser considerado.
NR – Qual estudo não foi considerado?
Engenheiros da São Paulo Railway, ainda no século 19, quando faziam pesquisas para a instalação do ramal da ferrovia que passaria pela região, já avaliavam que boa parte da cidade era composta por áreas de várzea Fizeram um traçado e constataram que muito do município ficava debaixo de água, como boa parte dos bairros alagados nas enchentes deste ano.
NR – E o que isso representa na prática?
Que a cidade foi loteada sem critérios. E que as áreas de várzea, que são do rio, “marcadas” pelo rio, não foram respeitadas. Quando um rio “marca” um local é porque a área é dele e ele volta quando quiser, mesmo que tenha ocorrido intervenção do homem no local.
NR – Os loteamentos não respeitaram a natureza da cidade e isso contribui para acontecimentos como as enchentes?
Sim. Há edificações praticamente na beira do rio. Com chuvas intensas, o risco aumenta. E deve acontecer de novo, na mesma proporção, em breve.
NR – É possível resolver?
Algumas áreas deveriam ter sido desapropriadas. O município deve pagar um preço justo ao morador e permitir que ele vá para lugar mais seguro.
NR – Mas como se faz isso? Como realocar todos que tiverem as casas desapropriadas?
Com um planejamento sério. Por que não incluíram no recente Código de Urbanismo e Meio ambiente de Atibaia (Curma), aprovado entre 2008 e 2009, essa questão? Não pensaram em disposições que permitissem tirar os cidadãos das partes mais vulneráveis, mais propensas à invasão das águas.
NR – Além de riscos, como os alagamentos, quais outros custos a cidade paga pelo loteamento desordenado e indiscriminado?
Levar infraestrutura para os loteamentos distantes, espalhados, é sempre muito caro. Atibaia tem cerca de 120 mil habitantes, mas da forma como está distribuída custa dez vezes isso. O custo da cidade é decuplicado para levar água, esgoto, asfalto, luz, educação, saúde, segurança, enfim. Ou seja, num município onde há 120 mil, o custo da cidade é de 1,2 milhão de pessoas.
NR – Isso inviabiliza a cidade...
Claro. A cidade não se paga e a precariedade se expande, com falta de saneamento, alta demanda no setor de saúde pública, geração de subempregos nas zonas afastadas, dificuldades no transporte e de acesso da população a serviços em geral, como limpeza. E são somente alguns itens. O ideal seria uma cidade mais adensada.
NR – Na sua administração, quantos loteamentos foram aprovados?
Um. O Jardim Shangri-lá. Na época, o pessoal do empreendimento reclamava de sermos rigorosos demais na aprovação.
NR – Com a cultura daquele tempo, de aprovação indiscriminada, o senhor sofreu pressões do setor imobiliário?
Várias pressões. Tive muitas dificuldades para governar.
NR – Por causa de gente do ramo?
Grandes Interesses econômicos, lobistas, enfim, gente poderosa.
NR – Na Câmara, entre os vereadores, havia quem representasse tais interesses?
Ah, sim. Para se ter uma ideia, o engenheiro da prefeitura que era responsável pelas aprovações foi considerado “persona non grata” em discurso de vereador.
NR – E depois da sua administração? Como ficaram as aprovações?
Aos poucos, voltaram ao ritmo de antes e até cresceram. Hoje, chegaram ao nível dos mega-loteamentos, com dois mil lotes aprovados num empreendimento. Isso, sem levar em conta os impactos ambientais, por exemplo.
NR – O PV é governo na cidade há nove anos. Isso não é uma contradição?
Bem, como eu disse, não levam em conta impactos ambientais, seja nos casos das áreas de fundo de várzea, seja na mata ciliar. O atual fórum da cidade, por exemplo, embora construído com dinheiro do governo estadual, teve o terreno cedido pela prefeitura e é um local inapropriado para construção. O que houve ali foi um desrespeito com uma área que deveria ser protegida ambientalmente.
NR – Ainda assim, com todo esse giro que a economia da cidade faz em torno dos loteamentos, há um grande esforço em passar a imagem de cidade turística. Atibaia é cidade turística?
Não. Atibaia não tem vocação turística. Antes, eu dizia que era uma cidade dormitório. Hoje, digo que se houver turismo é turismo imobiliário. A cidade é usada para atrair moradores de grandes cidades, com a imagem de tranquilidade, e vai sendo retalhada, loteada sem estrutura. O preço disso deve ser cada vez mais alto e o município vai se exaurir econômica e naturalmente.
Moriti Neto é jornalista, paulistano de nascença, atibaiense de coração e colunista do Nota de Rodapé.
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