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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Izaías Almada # 7


Frases desconcertantes


As crianças são maravilhosas, em particular quando andam aí pelos quatro anos de idade. Aprendem a falar, mas ainda não compreendem determinadas frases, expressões ou mesmo onomatopéias que criam lá dentro das suas cabecinhas. Mas como estão se socializando, aprendendo, falam com todo o seu conhecimento de causa.
Começo por citar a minha própria filha, Ana Luísa, hoje uma moçona mãe do meu neto Leonardo, na altura com seus quatro aninhos. Estava entretida a brincar com um desses jogos de encaixar as peças. Diante de alguma dificuldade momentânea, ouvi-a exclamar: “Pucamela!” Como não entendi o significado da expressão, perguntei-lhe o que havia dito e ela repetiu: “Pucamela!”. Horas depois é que me dei conta, pois o fato é que se tratava de uma expressão que significava revolta por não conseguir o seu intento no tal joguinho. Significava nada mais, nada menos “puta merda!”, ouvida – com certeza – da conversa de adultos e da qual não nego a minha irresponsabilidade verbal de pai.
Outro caso, também curioso, deu-se com o aluno do pré-primário de uma professora amiga minha. Ela resolveu levar a sua turma a um passeio no jardim zoológico. Quando passavam em frente ao espaço reservado para um casal de veados, minha amiga anunciou às crianças: “aquele ali é o veado”. Um dos alunos sapecou alto e bom som: “veado, f.d.p., odinálio”... Não foi difícil descobrir que a expressão era, vez por outra, proferida pelo avô do menino em almoços dominicais da família contra algum desafeto.
Outra pérola é a resposta de um menino quando lhe perguntaram pela mãe: “Como está sua mãe, fulano?” A resposta foi seca e brilhante: “Mamãe está lá em casa sentada, olhando...” Profundo senso de observação. Um primo da minha namorada, também na mesma faixa de idade, chegou com a mãe a uma festinha de aniversário. Os adultos, sempre bajuladores, atacam com suas tradicionais perguntas: “E aí, Carlinhos, cadê o seu pai?”. A resposta, decidida, mostrava também um agudo senso de observação e pragmatismo: “Papai foi trabaiá pra compá pijunto”, pois o Carlinhos adorava presunto.
Por último, peço licença para narrar uma aventura do meu filho caçula, o Vinícius, hoje com seus vinte e sete anos de idade. Era eu sócio de uma empresa produtora de filmes publicitários, quando numa determinada tarde recebi a visita do pequeno Vinícius acompanhado do padrinho Jorge. Lá pelas tantas, o padrinho foi até uma padaria próxima ao escritório e levou o Vinícius, oferecendo-lhe a perspectiva de um sorvete ou uma barra de chocolate. A preferência foi pelo chocolate e o padrinho comprou duas. Uma para o Vinícius e outra para a irmã, que estava no colégio. No caminho de volta para a produtora o Vinícius comeu com enorme prazer a sua barra de chocolate, chegando ao escritório com aquele indefectível bigode produzido pelo chocolate derretido ao redor da boca. Lavou as mãos, limpou-se e dirigindo-se ao padrinho, disparou: “agora eu quero meu chocolate...” O padrinho Jorge, surpreso e com ares pedagógicos respondeu: “mas o seu você já comeu pelo caminho.” Meu filho não teve dúvidas: “não, aquele era o da minha irmã, agora eu quero o meu...” Gênio.
Pena que ao nos tornarmos adultos, percamos essa sinceridade e essa transparência das crianças. O mundo seria bem melhor.

Izaías Almada é autor, entre outros, do romance FLORÃO DA AMÉRICA, Editora Estação Liberdade.

2 comentários:

Bia disse...

crianças. queria ter a mesma sinceridade delas.

Dauro Veras disse...

Adorei, Izaías!

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