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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 31 de março de 2011

Gretchen Filme Estrada

A premiada jornalista Eliane Brum, de texto fino e lancinante, em co-direção com Paschoal Samora, estará com o filme Gretchen Filme Estrada no festival É tudo Verdade! Segundo ela, "Gretchen Filme Estrada narra a última turnê da rainha do rebolado por circos mambembes do interior do Nordeste e a primeira campanha política à prefeitura de Itamaracá (PE), pelo PPS/PV. O documentário é um road movie com Gretchen por muitos Brasis. Um filme sobre a alegria - e sobre o absurdo. Gretchen, uma mulher que há 30 anos ganha a vida rebolando - três músicas e um playback -, tem muito a nos contar sobre o Brasil.". O Filme passará na rede Cinemark - dias 5 e 7 de abril, conforme o convite ao lado. E depois de cada sessão, ocorrerá debate com os diretores. A entrada é franca.

quarta-feira, 30 de março de 2011

Uma mulher em pernas de pau

E eis que eu, uma vez, me apaixonei por uma argentina. Faz muito tempo e eu já nem me lembro seu nome. Daquelas poucas horas em que passamos juntos, tenho claros apenas dois momentos. O primeiro deles foi quando lhe entreguei meu passaporte – ela havia duvidado da minha idade ou da minha nacionalidade. Estava escuro, e ela precisou se contorcer um pouco em busca de luz para ver o que estava escrito. Em seguida, me entregou de volta o documento e, resignada, me deu um beijo (só posso imaginar que se tratava de uma aposta e ela perdeu). A segunda lembrança é de quando ela me disse que andava em pernas de pau e perguntou se eu sabia do que se tratava. Eu disse que sim, mas não acreditava que fosse verdade. Ela então sumiu e voltou alguns minutos depois caminhando por sobre as pessoas. De lá de cima, me olhou e sorriu com deboche, e a mim só me restou admirá-la desde minha limitação terrena, e me apaixonar.
Antes de ir embora, ela me disse que nos encontraríamos outra vez, em algum lugar, porque “o mundo é pequeno como um lenço” – um ditado espanhol. Já faz muito tempo e nós nunca mais nos vimos. Eu guardo essa história dentro de mim, adormecida, e às vezes essa lembrança vem à tona. É sempre o mesmo sonho. Ela flutua por entre a multidão até chegar a mim e me entregar uma rosa. Eu tento segui-la, mas minhas pernas são demasiado pequenas e ela some sem sequer olhar para trás. Na minha mão esquerda, diante dos meus olhos, a flor se transforma em um vaga-lume, que sai voando e brilhando.
É sempre assim. Então eu acordo um pouco assustado, apaixonado, e decidido a comprar um par de pernas de pau.

Henrique de Melo Sabines, mineiro, 30 anos, trabalha na ECT e se dedica à astronomia nos fins de semana. Fã de Drummond, começou a escrever por recomendações médicas. É um dos autores do espaço Cronetas no NR.

Teatro: o drama dos desaparecidos

O amigo Izaías Almada, colunista deste NR e também do Escrevinhador, terá mais um texto seu encenado no teatro. Como explicou ao NR, "É difícil dimensionar os efeitos psicológicos sobre os que tiveram seus entes queridos presos, sequestrados, mortos e desaparecidos durante a ditadura civil/militar de 64/68 no Brasil."  Ele conta que o mote da peça é  a descoberta de uma ossada no cemitério de Perus em 1991 que provoca um grande conflito entre mãe e filha ao receberem a notícia de que uma das ossadas era do marido e pai, respectivamente. "Os efeitos dessa tragédia, ainda perversamente ignorada pela sociedade brasileira, são visíveis em algumas mazelas que persistem no Brasil do século XXI", diz.



Izaías Almada e o drama dos desaparecidos


Nesta quarta-feira, tem início a 20ª edição do Festival de Teatro de Curitiba, um dos mais importantes eventos de artes cênicas do Brasil. Com duração até dez de abril, o Festival reúne mais de quatrocentas atrações, entre teatro, música, circo, stand-up comedy, dança e cinema. O dramaturgo e escritor Izaías Almada, colunista deste Escrevinhador, terá sua peça “Pai” encenada pela Cia Nuvem da Noite.
O texto inédito de Almada, adaptado e dirigido por Gilson Filho, conta a história de uma família que encontra o corpo de seu pai, um desaparecido da ditadura militar brasileira. A ossada é encontrada junto a outras centenas durante uma busca no Cemitério de Perus, em São Paulo. O enredo foca na chegada da informação à família, e como isso transforma a delicada relação entre mãe e filha, reavivando lembranças e revelando sentimentos abafados.
A peça será encenada nos dias 4, 5, 6 e 7 de abril, na Casa Hoffman, no centro de Curitiba. Mais informações podem ser encontradas no site do Festival.
Izaías Almada conversou com o Escrevinhador e nos contou mais sobre a sua peça.

A peça foi escrita baseada em alguma história em particular, algum episódio real?
Não foi propriamente uma história em particular, mas foi a partir da notícia da descoberta de ossadas em um cemitério da periferia de São Paulo, ainda no governo da prefeita Luiza Erundina. Havia suspeitas de que algumas dessas ossadas pudessem ser de prisioneiros políticos da ditadura que desapareceram. Como tive amigos nessa situação, em especial o Eduardo Leite, o Bacuri, e o ex-marinheiro Raimundo Costa, quis fazer uma homenagem a eles e a outros companheiros desaparecidos.

O objetivo do texto é sensibilizar o público frente a questão dos desaparecidos políticos? Ele tem como finalidade provocar um debate entre o público?
Sim, o objetivo da peça é sensibilizar o público para esse problema, mostrando que aqueles “terroristas” eram pessoas como qualquer um de nós, cujas as circunstâncias da luta política na época os transformou em opositores clandestinos, já que não havia alternativas para um pensamento oposicionista no país depois do golpe de 64. Mas a sensibilização ultrapassa esse primeiro patamar, pois também – nos dias de hoje – deve chamar a atenção para a efetivação e os trabalhos da Comissão da Verdade. E se isso provocar debates com o público após as apresentações, melhor ainda.

Qual a relevância do teatro abrir espaço para esse debate político?
No meu entender, o teatro, o cinema, a literatura, as artes de um modo geral, mas principalmente aquelas que mantém contato com um número maior de pessoas, devem estar sempre sintonizada com o que se passa à sua volta.

E qual é, na sua opinião, a importância de se debater esses temas?
Debater a questão dos direitos humanos será sempre importante, em qualquer época. Como o homem ainda não aprendeu a viver numa sociedade mais justa e efetivamente pacífica, nunca será demais tentar, através da arte, sensibilizar as pessoas para determinadas questões: a melhor distribuição da riqueza é uma delas. A luta contra a tortura e a violência policial é outra. A questão da soberania nacional será uma terceira. E por aí eu poderia nomear várias questões relevantes para se debater. Hoje e, pelo visto, sempre…

terça-feira, 29 de março de 2011

É melhor contar a verdade, Clarín

O diário argentino resolve reescrever a verdade ao narrar o bloqueio feito por sindicalistas a sua gráfica, e os jornais brasileiros embarcam na onda, cometendo uma falsificação indesculpável

O jornal argentino Clarín queixa-se que o governo da presidenta Cristina Kirchner incentiva ataques à imprensa ao não debelar o bloqueio feito na gráfica do diário. O piquete foi realizado entre sábado e domingo últimos pela Central Geral dos Trabalhadores (CGT) e teve a intenção, segundo a empresa, de impedir a circulação de matéria desfavorável ao presidente da CGT, Hugo Moyano.
O maior diário do país vizinho reclama que o governo não cumpriu a tempo ordem judicial que determinava que se garantisse a distribuição da edição dominical. A ministra de Segurança, Nilda Garré, afirma que deu conta do que foi solicitado pelo Judiciário e que a liberdade de expressão não foi afetada.
Capa do Clarín mencionada no texto
Até aí, difícil dar fé à versão de qualquer uma das partes, dado que a política da Argentina é das mais complexas de que se tem notícia. Independentemente do que tenha ocorrido, infeliz a declaração do editor de Clarín, Ricardo Roa, de que o jornal nunca passou por esse problema, “nem mesmo nos tempos de ditadura” - a versão de Roa é apoiada por editorial do jornal O Estado de S. Paulo desta terça-feira, 29.
Oras, Clarín, oras, Estadão, vamos falar a verdade: o jornal nunca deixou de circular nos tempos de ditaduras porque sempre as apoiou. Qualquer argentino se recorda ou viu na escola a fantástica capa de 4 de maio de 1982, que estampava “Já estamos ganhando”, numa alusão a um suposto triunfo na Guerra das Malvinas. “Porque lutamos por uma ideia grande, porque nossos soldados a estão defendendo, porque agora todos sabemos apertar os dentes”, estampava a edição daquele dia, um clássico do “jornalismo”, rapidamente desmentido pelas mortes de soldados que sequer tinham o que comer no gélido sul do país.
Antes disso, no dia do último golpe, em 24 de março de 1976, o Clarín contava em letras garrafais: “Novo governo”. Na sequência, informava que “a prolongada crise política que aflige o país começou a ter seu desenlace nesta madrugada com o afastamento de Maria Martínez de Perón como presidente da nação.” O país ficou menos aflito nos próximos sete anos: 30 mil mortes e centenas de milhares de torturados, centenas de crianças raptadas e adotadas ilegalmente. Entre essas crianças, investigam os argentinos, figuram os filhos da dona do Grupo Clarín, a Rede Globo vizinha. Então, Clarín, convém não falsear a realidade dos fatos.

Indignação seletiva
A indignação seletiva é um fenômeno interessante. A Associação Nacional de Jornais (ANJ), que deveria representar as publicações impressas brasileiras, está em polvorosa com os ataques a seu fraterno Clarín. Afirmou que a atitude dos sindicalistas é “intolerante e antidemocrática” e acusa cumplicidade de Cristina Kirchner.Em outubro passado, quando a Revista do Brasil foi impedida de circular por decisão do Judiciário a favor do PSDB, a ANJ não deu um pio a respeito de intolerância ou ataque à democracia. Não entendi.

João Peres é jornalista e colunista do NR

João Antônio não é pauta

Corte 1 / O café

Repetindo movimentos cotidianos, desço na estação da Sé, centrão de São Paulo. Avisto a catedral, a praça e a multidão. Porém, faço pequena alteração na rota diária. Decido tomar um café fora do ambiente de trabalho. O objetivo é me manter razoavelmente desperto. Olho o visor do celular. Sexta-feira, 25 de março de 2011. São 10h08 quando sinto um toque. Estou na porta da lanchonete para tomar minha dose cavalar de estimulante.

Corte 2 / Apresentação

Com a mão no meu braço, alguém diz: “o senhor poderia me pagar um salgado?”. Automaticamente, me viro e encontro o homem de pele morena, cabelos grisalhos, alto e muito magro. Automaticamente, minha resposta é sim. João Antônio de Melo, 52 anos. Nome de grande escritor, penso. Saiu da Paraíba aos 27, com o tio. Pedreiro, jardineiro, o sonho, idem ao de tantos que vêm do Nordeste, era “fazer a vida” em São Paulo. Chegou em 1984. O tio, Anacleto, morreu sete anos depois, em 1991. “Era meu pai de verdade, meu parceiro, dava incentivo sempre. Sem ele, fiquei perdido”.
Trabalhando na construção civil e limpando piscinas “nas horas vagas”, João se casou, em 1995, com Dolores, pernambucana, dez anos mais nova. Morando em Guarulhos, tiveram quatro filhos: Joana, Miriam, Francisco e Clara. A separação veio em 2001. Dolores se casou novamente, com um primo de segundo grau. “Não fui bom marido, nem mesmo fui tão bom como pai. Ganhava pouco, passei a beber muito. Ela me deixou e meus filhos mal falam comigo. Não tenho mais ninguém aqui”.

Corte 3 / É pauta?

Por que o homem não volta para a terra natal? “Até tentei, fui uma vez, tenho parente vivo lá, mas é tudo diferente de antes, ninguém se dá mais comigo e eu não me dou com ninguém”. Mora no bairro do Belenzinho, na zona leste, num quarto alugado. Trabalha por conta. “Tá difícil pegar serviço fixo. Vim aqui pro centro, num desses postos da prefeitura, tentar trabalho certo”. E? “Disseram que não tem ocupação pra mim porque sou analfabeto. A moça que atende perguntou como eu faria pra escrever um bilhete, usar o computador ou celular pra mandar mensagem pro patrão. Nem sei direito o que é computador e não tenho celular”. Sabia o nome da atendente? “Ela falou, não lembro, mas reconheço”.
Ele procurou o Centro de Apoio ao Trabalho – CAT – e lá teve o tratamento nada cordial. João Antônio estava prestes a virar pauta, podia mesmo se tornar notícia. Era pedir que me levasse até o posto em que foi atendido e reconhecesse a funcionária. Dali seria possível desdobrar algo maior sobre como são recebidos pelo poder público tantos trabalhadores em busca de vagas. “Só quero serviço, moço. É só o que me resta na vida. Mudo pra qualquer lugar da cidade, pra outro quartinho, se conseguir emprego”.

Corte 4 / Não é pauta

Encostado no balcão, peço dois cafés fortes e me dou conta de que nem me importei com a preferência do homem. Ele confirma o café forte. “É bom pra acordar, né?”. Para comer, pede um salgado. “Não quer um lanche?”, indago. “Não senhor, tá bom assim”. Falo para ficar à vontade, pedir o que quiser. Timidamente, ele sorri. Ainda no automático, tomo meu primeiro gole de café amargo. Noto a enorme mochila em suas costas e tento, pretensiosa e preguiçosamente, adivinhar de onde vem. Esforço-me para travar o diálogo que, sabia, seria doloroso. Não poderia a cafeína dissolver minha letargia mental? Não. Só o interesse e a alteridade poderiam. “É de onde, João?”. “Sou de Alagoa Grande”. A pauta se desfazia. Vi apenas um homem que lutava para sobreviver e que não se identificava em lugar nenhum. Em São Paulo ou na Paraíba, entre estranhos ou com os filhos, João Antônio parecia invisível, separado do todo. Aquele café foi minha desburocratização e meu despertar. Pedi um contato a João, que deu o telefone de um vizinho. O homem não é pauta. Somente quer trabalhar.

Moriti Neto é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

O que é bonito para você?

União entre Saulo Duarte e Bonita Produções lança evento em homenagem à beleza e à diversidade artística brasileira

"Tudo começou de uma pergunta: “o que é bonito para você?” E a resposta veio de imediato: “viver e enxergar a vida em cores e movimento”. Então decidimos festejar. Dai nasce a concepção do evento Que bonito é, um encontro de estilos artísticos que promove a brasilidade como fonte de inspiração e celebra a beleza de sermos diferentes. A festa acontecerá no Centro Cultural Rio Verde, dia 02 de abril, em comemoração ao nascimento de duas criações: a produtora Bonita Produções e o mais novo trabalho da banda Saulo Duarte e a Unidade. O objetivo é transformar o espaço num aglomerado multimídia, explorando aquilo que representa o nosso universo de convivência e criação: a mais pura diversidade de estilos. Pluralidade traduzida em vídeo, dança, exposição iconográfica, artesanato e música. Venha fazer parte desse momento de alegria, inspiração e beleza. Esperamos você." Além do show da Banda Saulo Duarte e a Unidade, o evento terá a curadoria musical de Dante Rui, que agitará com uma seleção de músicas brasileiras; com o olhar seletivo das fotos de Ricardo Ferreira e Camille Laurent unidos aos traços do ilustrador Geraldo Yang numa exposição sobre o Brasil; com o artesanato peculiar e brasileiríssimo do Ateliê Siricutico; e a performance artística de Fafá Salles.  

Evento: Que bonito é
Local: Centro Cultural Rio Verde
Endereço: Rua Belmiro Braga, 181 - Vila Madalena - São Paulo - SP - CEP 05432-020
Data: 02 de Abril de 2011 (Sábado)
Horário: 18h - 00h
Show Saulo Duarte e a Unidade - streaming: 22h -23h30
Se você estiver longe e não puder aparecer, basta no dia acessar www.bonitaproducoes.com.br/quebonitoeaovivo e poderá assistir ao show em tempo real.
Valor: R$10,00 com nome na lista e R$15,00 entrada integral.

segunda-feira, 28 de março de 2011

Festa que não resolve o problema

 As novas estações do metrô ainda não sairam da fase de testes porque têm um problema: as portas antissuicídio

O clima era de festa na novíssima estação do metrô Butantã. Muitos fotógrafos subiam e desciam as escadas rolantes, buscando o melhor ângulo para clicar e botar no jornal. Equipes de televisão filmavam nas plataformas de embarque e dentro dos trens, enquadrando o balanço sanfonado dos vagões contínuos e entrevistando os usuários felizes por, finalmente, poderem escapar do trânsito infernal que toda manhã atravanca a vida que quer fluir pela ponte Eusébio Matoso. “É impressionante como o governo de São Paulo foi incompetente ao demorar tanto para inaugurar a linha Amarela”, disse eu a um microfone imaginário. “E o pior é que o problema no fechamento das portas continua.”
Na estação Sacomã, na Linha-2 Verde, que também tem as
portas antissuicídio. (Adriano Vizoni/Folha Imagem)
Pois é. Quando as estações Paulista e Faria Lima começaram a operar entre às 9 e às 15 horas, numa fase de testes que dura até hoje, eu me perguntei muitas vezes: Por que não liberam pra gente, de uma vez por todas, essa esmola subterrânea? Por que não colocam esses trens circulando das 5 à meia-noite, como todos os outros?
A resposta veio da namorada, que frequenta a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. Uma de suas professoras trabalha para a Via Amarela (consórcio privado que construiu e, agora, administra a linha 4 do metrô paulistano) e disse numa aula que o problema era bem simples: as portas. Para entendê-lo, é necessário ter conhecimento de duas informações básicas.
Primeira: as novas estações do metrô contam com a inovadora tecnologia antissuicídio, que nada mais são do que barreiras de vidro que separam os trilhos das plataformas. Quando o trem chega, suas portas devem alinhar-se às portas da barreira antissuicídio. Ambas se abrem e, assim, os passageiros podem entrar e sair livremente. Deveriam, mas não é o que acontece.
Aqui entra a segunda informação: os trens da Linha 4 contam ainda com outra tecnologia inovadora, chamada pela Via Amarela como driverless – que, num anglicismo desnecessário, significa “sem condutor”. Os vagões são pilotados à distância por uma moderna central de operações cheia de telas e mapas digitais. Pura inovação.
Porém, mesmo com tanta tecnologia, os engenheiros da Via Amarela não estão conseguindo fazer com que seus programas de computador alinhem as portas do trem às portas da barreira antissuicídio. E eu pude comprovar o defeito nesta manhã de segunda-feira, 28, numa das primeiras viagens que partiram da estação Butantã. Aliás, alguns funcionários da Via Amarela que estavam no vagão comigo também constataram o mesmo problema: e se entreolharam, resmungando alguma coisa antes de sorrir uns aos outros.
É por causa das portas que a fase de testes está durando muito mais do que deveria, e continuará em vigor até que a empresa resolva a imprecisão acarretada por suas ânsias de modernidade. Por trás de tanta tecnologia, está a disposição de mecanizar os trens para reduzir o número de empregados e o pagamento de direitos e salários.
Se o sistema eletrônico funcionasse a contento, tudo bem. Mas não é o que acontece. O problema das portas poderia ser facilmente solucionado com uma peça de carne, osso e intelecto chamada condutor, que está há muito tempo no mercado e trabalha com sucesso garantido em quase todas as demais linhas do metrô do Brasil e do mundo.
Enquanto a Via Amarela insiste em seu capricho de oferecer trens computadorizados, milhões de paulistanos comem o pão que o diabo amassou no trânsito, presos em ônibus lotados que mal conseguem se locomover nos horários de pico, mesmo dentro dos corredores.
Nesta segunda-feira haverá festa, risadas, apertos de mão e discursos ufanistas na estação Butantã. Políticos darão as caras para provar que o governo está trabalhando para o povo. Mas o problema da Linha Amarela (e, nem se fala, do transporte público de São Paulo) permanece sem o menor rastro de solução para além das bicicletas.

Tadeu Breda, jornalista, colunista do NR, também em Latitude Sul

Tudo tem seu tempo (programado)

Segundo o Wikipédia, "Obsolescência programada é o nome dado à vida curta de um bem ou produto projetado de forma que sua durabilidade ou funcionamento se dê apenas por um período reduzido." Este documentário espanhol analisa esse fenômeno que, ainda segundo o Wikipédia, "Faz parte de uma estratégia de mercado que visa garantir um consumo constante através da insatisfação, de forma que os produtos que satisfazem as necessidades daqueles que os compram parem de funcionar, tendo que ser obrigatoriamente substituídos de tempos em tempos por mais modernos."

quinta-feira, 24 de março de 2011

Sim, nós podemos

Fernando Carvall, ilustrador e caricaturista para o Nota de Rodapé. Conheça também seu blog: ONG PI.

terça-feira, 22 de março de 2011

“Não sou o cover do meu pai”

Daniel Gonzaga é filho de Gonzaguinha e neto de Gonzagão. Isso não é pouco, mas também não é tudo. Embora seja recorrentemente chamado pela “grande mídia” para cantar canções de seu pai, Daniel tenta há 15 anos mostrar que tem uma carreira própria. Perto de lançar seu sexto disco e de completar 36 anos, o carioca conversou com o Nota de Rodapé sobre música, herança genética, indústria musical e sobre a vida. Parte desse papo será publicado na revista Retrato do Brasil na edição de abril (quando completa-se 20 anos da morte de Gonzaguinha). Outro pedaço da entrevista o NR publica, com exclusividade, neste espaço. Desfrutem.

Nota de Rodapé – Quando seu pai morreu você tinha 16 anos. Já sabia que ia ser músico? Falavam sobre isso com ele?
Daniel Gonzaga - Desde moleque eu participei de coro infantil, cantei com Erasmo Carlos, ChicoAnísio, com meu próprio pai. Tive banda em colégio e coisa e tal. E quando vi, já era. Meu pai era um cara chato. Falava que seu eu queria viver de música tinha que estudar. Ele me colocou na aula de piano. No final, quando ele estava gravando o último disco, conversamos sobre produção, sobre como montar um LP.

NR – Ser filho do Gonzaguinha e neto do Gonzagão abriu muita porta para você?
Cara, nunca tive ninguém pra me ajudar. Alguém pra falar: “aí Daniel, vou te botar pra tocar num lugar bacana.” Não fez, e quem fez foi em benefício próprio, por ibope. Estou tranquilo, estou fazendo meu trabalho. Vou lançar meu sexto disco, tenho mais dois de trilha sonoras, estou fazendo mais trilha pra circo. Já viajei bastante pelo mundo, já andei de perna de pau, construí minha história...

NR – Você era bem novo quando seu pai morreu. Como foi entrar em contato com as músicas dele depois?
Sou fã do meu pai. Descobri a obra ele depois que morreu. Ouvi os discos quando ele lançou, acompanhei, coisa e tal, mas quando virei músico comecei a estudar meu pai, meu avô. Comecei a ouvir forró e me amarrei, passei a entender melhor. Eu me amarro no som do meu pai, meu disco preferido é Plano de Vôo, bonitão. Pô, mas tem fase que eu acho um saco, não consigo ouvir meu pai. Passei dois anos cantando esse disco Comportamento Geral [lançado em 2008 pela gravadora Biscoito Fino]. Já não estou aguentando ouvir. Falei pra minha irmã isso e ela falou: para com isso, credo! Mas daqui a pouco volta. Agora eu tenho ouvido muito mais o meu avô. Gosto muito de rock também. Tenho ouvido bastante. É assim, depois volto a ouvir eles de novo. Ouço, choro...

NR – Acho que a maioria das pessoas que conhecem você é por causa dos especiais sobre seu pai, de você cantando músicas dele na TV. É impossível desassociar essa imagem? Deixarem de comparar?
Rolou e rola direto [as comparações]. Só que é o seguinte, a mídia rotula. E não tem jeito, a gente tem uma mídia só no país. E se você não cai no jogo, você não trabalha. E eu tenho que trabalhar, e é a mídia quem dita. Eu vou lançar mais um trabalho em abril ou maio, mas vocês vão ter que procurar pra saber se saiu, porque eles não estão interessados nisso. Estão interessados em recriar uma emoção que já não é mais aquela emoção, é outra. Eu, hoje em dia, se me chamar pra fazer tributo, não vou fazer não. E por ter recusado muito isso no início eu não ganhei espaço de mídia que poderia ter ganho. E isso foi assim até eu não desistir. Ai pensaram: “pô, o cara ta aí há muito tempo.” Já vou fazer 15 anos que sou músico e eu não sou o cover do meu pai.
"A gente tem uma mídia só no país. E se você não cai no jogo, você não trabalha. E eu tenho que trabalhar, e é a mídia quem dita.

NR – E para ajudar (ou atrapalhar) a sua voz é muito parecida com a dele...
Pois é, isso pode ser bom ou não. Depende. O que acontece é que se eu cantar em falsete nego vai rir pra caramba de mim.

NR – Quando seu pai morreu, como você encarou. Não rolou uma revolta? Se perguntou muito por que aconteceu?
Meu pai morreu em abril, minha mãe em outubro. Aí escutei aquela celebre frase: “você agora é o homem da casa.” Vou fazer o quê? Ir na TV e falar: “como eu sinto saudade”. Claro que sinto saudade. Todo mundo já perdeu alguém e sente saudades. Às vezes passo em lugar onde vi ele tocar e depois eu toquei. Isso é vida, vida que vai para frente. Tenho duas filhas, não dá tempo para revolta. Tem coisa para fazer. Colégio para pagar, sol para pegar... Não dá para ficar lamentando.

Com o pai, ainda menino.
NR – Existe uma mudança clara na carreira do seu pai. Até um ponto as letras são mais ácidas, críticas, depois ele começa a falar mais de amor, amizade. Por que você acha que aconteceu isso?
Já em 1979 ele era gravado por cantores tipo Maria Bethânia, Elis Regina, que gravavam músicas mais românticas. Acho que ele descobriu também um filão. Nessa época a coisa já estava mais tranquila em termos de repressão. Ao mesmo tempo, ele se separou da minha mãe, foi morar com outra mulher. Depois, em 1983, ele teve outra filha, a Mariana, e acho que as coisas para ele foram se acalmando. Ele já não era mais o moleque do Morro São Carlos, já era o Gonzaguinha. Estava bem, vivendo uma vida que gostava em Belo Horizonte. Acho que isso foi tornando ele mais doce e, consequentemente, as músicas dele foram ficando mais doces. Queria falar de outras coisas, aprendeu a falar de coisas que ele talvez não soubesse ou não conseguisse.

NR – Logo no começo da carreira, seu pai ganhou o apelido, bem pejorativo, de cantor-rancor. Isso incomodava ele?
Isso de cantor-rancor é furada. Meu pai era um doce, cara. Ele falava que isso não incomodava não, mas dava para sentir que isso incomodava um pouco. Imagina, era tempo de Bossa Nova, alegria, amor, sorriso e a flor. E aí aparece um cara falando da Página 13, do Comportamento Geral, um cara sisudo. E a mídia já coloca um rótulo para vender aquele cara também. Acho que ele levou isso para frente sem ligar muito.

NR – E essa fama de cara mau-humorado, fechado. Ele era assim com a família também?
Ele tinha uma postura meio sacana com as coisas. Era o jeito dele mesmo, às vezes ele estava feliz e mal-humorado. Não era uma pessoa agressiva, mas o jeito de falar às vezes muda a pessoa. Tem gente que é assim, até você aprender o jeito dele e entender. E nem sempre você pode ter o convívio com a pessoa pra tirar essa imagem.

NR – E esse papo dele de não dar autógrafo?
Imagina, tu gosta do show, se amarra na letra, chora, ai vai lá no cara e pede um autógrafo e o cara fala não. Porra, cara babaca, nunca mais volto no show! [risos] Eu vi ele levando um monte de esporro do povo, dos amigos, por causa disso. Era coisa dele, cada um tem suas idiossincrasias.

NR – Seu pai, na metade dos anos 70, fez uma coisa que, para aquela época, parecia uma loucura: lançou um selo próprio. Como ele conseguiu isso?
Era uma loucura, mas ele gravou muito pela EMI, usando os estúdios e, como hoje em dia é mais fácil o acesso, mas fácil gravar em casa, tem muita gente, muita escolha, muita opção. Liberdade criativa que a gente está vivendo. E para você flutuar nesse meio, tem que saber se vai usar os moldes antigos ou novos. Como você se posiciona sobre a pirataria, distribuição pela internet gratuita. Se antes era difícil ou fácil, hoje é difícil e fácil.

NR – Qual sua visão sobre isso?
Não tenho resposta não. Provavelmente o que vou fazer nesse próximo disco é disponibilizar as músicas no site em baixa qualidade, de graça, utilizar donativos, tipo: se você baixou e quiser deixar uma grana, deixa. Se não quiser também, beleza. E vou vender o disco físico caro, porque prensar um disco é caro. Distribuir o disco em show, ou tentar alguém que auxilie nessa distribuição. Mas não existe sair das máfias para distribuir. Não tem jeito. É complicado lançar independente, mas acho que vai dar pé.

NR – Quando o Gonzaguinha morreu, ele deixou coisas inéditas e um tal caderno amarelo. O que vai ser feito com isso?
A gente tem uma fita com 14, 15 músicas inéditas dele que estamos para lançar. E como encarte vai vir o caderno amarelo, está guardado esse caderno. Tem as letras mais antigas e a gente está vendo o que faz com as mais recentes. Estamos estudando como vai ser lançado esse material.

NR – A última música dele, Cavaleiro Solitário, tem uma mensagem que, para muita gente, é de despedida. Ele deixou bilhetes para a família também antes do acidente de carro?
Sempre que alguém vai embora a gente procura sinais de que aquela pessoa sabia, ou que era uma coisa esperada, premonizada. Ele sempre deixava bilhetes, mandava postais de onde estava, escrevia dizendo pra gente escovar os dentes, estudar música. Vamos parar com isso de sinal, a gente não sabe o que tem do lado de lá. Cavaleiro Solitário, por exemplo... Meu pai se amarrava em filme de bang-bang, de capa e espada. Na música, ele fala: ‘um cavaleiro solitário lutando pelo vaticínio das missões’. Era muito ele, o papo que ele estava levando nos últimos dias com ele. Só que infelizmente ele morreu, sacou? Junto com Cavaleiro Solitário ele fez um monte de outras músicas. Tem música que fala nome de fruta. Hoje em dia, para mim, Cavaleiro Solitário tem uma conotação triste, e só.

Ricardo Viel é jornalista e colunista do NR

segunda-feira, 21 de março de 2011

Não tens epitáfio, pois és bandeira

O Memorial da Resistência de São Paulo (Lgo. General Osório, 66 – 11 3335-4990) abriga a partir do sábado a exposição Não tens epitáfio, pois és bandeira sobre Rubens Paiva, desaparecido na Ditadura Militar. Cerca de 200 fotografias e documentos, além de objetos pessoais, vão revelar momentos da vida de Rubens Paiva com a família, em atividade política, a prisão e a luta de sua esposa, Eunice Paiva, pelo restabelecimento da verdade. Na oportunidade será lançado também o livro "Segredo de Estado – o desaparecimento de Rubens Paiva", do jornalista e escritor Jason Tércio. Esta exposição foi concebida no final de 2010 dentro do Programa Direito à Memória e à Verdade da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da Republica. Com curadoria de Vladimir Sacchetta, jornalista e pesquisador. Saiba mais no site.

domingo, 20 de março de 2011

Intervenção nossa de cada dia

 Os Estados têm suas razões para intervir na Líbia. Mas, e nós, cidadãos comuns? Que podemos pensar sobre a intervenção?

Agora é oficial: o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprovou na madrugada desta sexta-feira, 18 de março, o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia. A medida foi justificada pela necessidade de proteger a vida de milhares de civis que têm sido massacrados pelo aparato militar do ditador Muamar Gadafi.
Após o avanço dos rebeldes para regiões perigosamente próximas à capital, Trípoli, Gadafi ordenou a reconquista do território perdido e não teve pudores em utilizar caças para bombardear as posições rebeldes. Assim, recuperou o controle do oeste líbio, onde algumas cidades já haviam caído nas mãos dos opositores, e avançou rumo ao leste para atacar –exitosamente– as milícias em Bin Jawad, Ras Lanuf e Ajdabiya.
Enquanto os rebeldes perdiam terreno, o Conselho de Segurança da ONU deliberava sobre a pertinência de intervir no conflito líbio. Há semanas os inimigos internos de Gadafi vinham requisitando a imposição de uma zona de exclusão aérea. Desde o começo, porém, vêm se manifestando contra uma incursão terrestre de forças estrangeiras: queriam apenas que a comunidade internacional impedisse que os caças do ditador executassem bombardeios sobre a população civil e sobre as posições da resistência. Assim, teriam melhores condições de disputar o poder com o ditador e, eventualmente, vencê-lo.
Os primeiros mísseis dos EUA foram
disparados neste sábado

Por pouco a decisão da ONU não chega tarde demais. A resolução foi aprovada quando as tropas de Gadafi já estavam nos arredores de Bengasi –uma espécie de capital da sublevação– preparando a incursão definitiva sobre o bastião rebelde. A notícia de que o Conselho de Segurança irá impor, nos próximos dias ou horas, uma zona de exclusão aérea sobre a Líbia fez Gadafi recuar em sua sede de sangue. Pouco tempo depois de divulgada a decisão, em Nova York, e enquanto os opositores do regime comemoravam a chegada de ajuda estrangeira num dos momentos mais críticos de toda a rebelião, em Trípoli o governo líbio decretou um cessar-fogo.
Então, Barack Obama subiu no palanque da Casa Branca para dizer que esta é a última chance de Gadafi encerrar de uma vez por todas a ofensiva militar contra os rebeldes — que, vale lembrar, começaram manifestando-se pacificamente mas, diante da violência que sofreram, acabaram pegando em armas contra o governo. O presidente dos Estados Unidos afirmou ainda que, caso não cumpra com as determinações da ONU, os termos da resolução serão impostos à força.

Intervenção respaldada
A decisão das Nações Unidas conta com o apoio da Liga Árabe, da União Africana e da União Europeia. Porém, não recebeu votação favorável de todos os países que compõem o Conselho de Segurança. Há um mês, todos concordaram que os crimes de guerra cometidos por Gadafi deveriam ser julgados pelo Tribunal Penal Internacional, em Haia. Mas, nesta sexta-feira, Brasil, Índia, China, Rússia e Alemanha preferiram ficar em cima do muro, relativizando os insistentes chamados de França, Estados Unidos e Inglaterra para agir na Líbia o mais rápido possível e com consentimento da ONU.
 2009, Obama e Kadafi em reunião
de chefes de Estado (Reuters)
Escolher entre intervir ou não intervir não é uma decisão fácil para quem acredita defender a liberdade, a soberania dos povos e os direitos humanos. Todos estamos carecas de saber que existem milhões de interesses particulares por trás de cada decisão de Estado. Um país pode tranquilamente disfarçar intenções econômicas com discursos refinados em defesa da democracia e da liberdade de expressão. Pode também camuflar escusas preferências geopolíticas sob a necessidade de lutar contra o terrorismo islâmico e garantir a o bem-estar do universo.
Enfim, existem “n” maneiras de enganar a opinião pública sobre a relevância de intervir militarmente num terceiro país. Para quem está de fora e não tem acesso aos bastidores da política internacional, é quase impossível saber quais as reais motivações que levam os países a apoiar (ou não) uma intervenção. Às vezes é –ou parece– mais fácil. Por exemplo, achamos que o Brasil está no Haiti porque quer um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU, e também porque vê com bons olhos a ideia de expandir sua influência sobre o a América Central e o Caribe, região que tradicionalmente tem sido tratada como o quintal dos Estados Unidos. Tem muita gente que jura com os pés juntos que Washington decidiu invadir o Iraque e o Afeganistão neste começo de século não porque queria livrar os iraquianos de Saddam Hussein ou porque precisa desesperadamente capturar Osama Bin Laden: ali, a sede por petróleo e a constante ameaça de recessão econômica teriam falado mais alto. Será?

Ser ou não ser?
Deixando de lado as inescrutáveis razões de Estado, vem a pergunta: como um cidadão comum (eu e, talvez, você) deve se posicionar sobre a possibilidade concreta de intervenção militar em terras longínquas?
Minha primeira reação é sempre contrária. Exatamente porque não dá pra saber ao certo que tipo de interesses concretos existem por trás de quem defende o uso da força para resolver o problema dos outros. A história está cheia de episódios condenáveis, nos quais as forças armadas de alguma potência foram enviadas para determinados países por discordâncias econômicas e políticas que jamais justificariam o emprego da violência. Contudo, bastou dizer que se está defendendo os valores universais da liberdade que tudo se ajeita: a invasão é levada a cabo e a liberdade nunca chega ao povo que se queria libertar. Haiti, Iraque e Afeganistão são ótimos exemplos, no presente e no passado. A Iugoslávia e a Somália dos anos 90 também.
Apesar da desconfiança que devemos nutrir em relação aos que se dizem paladinos da felicidade, é extremamente complicado permanecer imóvel ao sofrimento alheio. Os genocídios no Sudão, Ruanda e Camboja, o apartheid na África do Sul, o holocausto nazista e os expurgos de Stálin merecem ou mereceram a repulsa internacional. Em alguns casos, e com razão, houve intervenções. O problema é que as operações militares quase nunca alcançam os resultados esperados. E, mesmo quando são alcançados e as injustiças são corrigidas, o invasor fatalmente pratica uma série de novas injustiças na consecução de seu nobre objetivo. Os civis sempre sofrem mais – e alguém sempre sai ganhando, pois os benefícios da nova ordem dificilmente são compartilhados entre todos.
No que se refere à Líbia, o observador interessado apenas no respeito aos direitos humanos –como eu e, provavelmente, você– poderá comemorar a imposição de uma zona de exclusão aérea. Pode ser uma garantia de que Gadafi deixará de bombardear covardemente seus opositores. Todavia, não há nenhum dispositivo que impeça massacres terrestres nas cidades reconquistadas. É óbvio que o ditador não terá piedade de quem se aliou aos rebeldes. Certamente, os democratas líbios estão vivendo agora seus piores dias, talvez os últimos, em Ras Lanuf e outras cidades perdidas para as tropas de Gadafi.
O que podemos esperar caso o ditador recupere o controle total do país? Caso percam a guerra, os rebeldes não mais encontrarão refúgio seguro em Bengasi, que ainda resiste, e estarão diante do dilema: exilar-se ou morrer — o mesmo com que se depararam os republicanos espanhóis quando foram derrotados por Franco em 1939. Muitos tentaram, mas não conseguiram escapar. Se por ventura Gadafi vencer a peleja, outros tantos ficaram presos à Líbia e poderão esperar o pior.

Eu, interventor
Isso justifica a intervenção? Parece extremamente complicado responder a esta questão sem se molhar. Ao responder “sim”, estamos de alguma maneira compactuando com todos os podres que nascem de uma operação militar do tipo. Ainda se existissem versões ideais de intervenção, se as missões de paz, de estabilização e de ajuda humanitária se limitassem a cumprir exclusivamente o propósito que trazem no nome… Mas a gente sabe que não é assim. Porém, se nos colocamos contra qualquer intervenção, é como se estivéssemos lavando as mãos para uma injustiça (massacres, opressões, vinganças etc.) que não nos afeta diretamente. Fica fácil dizer: “eles que se virem sozinhos”, assim, de longe, quando nem sequer há igualdade de condições na luta.
População comemora coalizão
entre EUA, França, Reino Unido,
Canadá e Itália (EFE)
Se eu, no Brasil, quisesse exercer o legítimo direito de escolher meus governantes, meus direitos civis, minhas prerrogativas constitucionais e meus direitos humanos, e fosse massacrado nas ruas por causa disso, por aviões de guerra e fuzis, enquanto manifesto pacificamente minhas ânsias por liberdade – será que eu concordaria com uma intervenção militar estrangeira contra o tirano que dia-a-dia me massacra?
Não é a toda que os rebeldes líbios entocados em Bengasi ficaram felizes da vida após o anúncio do Conselho de Segurança da ONU. Se eu fosse um deles, também ficaria: por mais que tenha consciência de que esse tipo de ajuda nunca vem de graça e que, dali algum tempo, possa me arrepender de tê-la recebido. Imediatamente, porém, a zona de exclusão aérea é um sinal de que não mais receberei mísseis na cabeça. Como um rebelde líbio, por mais íntegro e anti-imperialista que seja, pode não comemorar uma coisa dessas?
Apesar de condenar o governo de Muamar Gadafi pela maneira como vem lidando com a oposição, o Brasil se absteve de votar a resolução do Conselho de Segurança porque enxerga que o termo “uso da força”, constante do texto, extrapola a obrigação da ONU em assegurar a observância dos direitos humanos e do direito internacional. “Do nosso ponto de vista, o texto da resolução (…) contempla medidas que vão muito além desse chamado. Não estamos convencidos de que o uso da força (…) levará à realização do nosso objetivo comum – o fim imediato da violência e a proteção de civis”, escreveu a embaixadora brasileira nas Nações Unidas, Maria Luiza Viotti. “Estamos também preocupados com a possibilidade de que tais medidas tenham os efeitos involuntários de exacerbar tensões no terreno e de fazer mais mal do que bem aos próprios civis com cuja proteção estamos comprometidos.”
Ou seja, por mais que o governo brasileiro repudie as atitudes de Gadafi, um detalhe textual, com claras implicações legais, o impediu de apoiar e dar suporte ao fim das hostilidades contra civis na Líbia. É compreensível que ninguém, muito menos um governo, deva assinar algo com o qual não concorda, mas chama atenção o fato de que em nenhum momento a embaixadora diz que o Brasil é contrário a intervenções militares de qualquer natureza. Muito pelo contrário, a carta de Maria Luiza Viotti afirma: “Levamos em conta também o chamado da Liga Árabe por medidas enérgicas que deem fim à violência, por meio de uma zona de exclusão aérea. Somos sensíveis a esse chamado, entendemos e compartilhamos suas preocupações.”
O medo do Brasil parece ser que a zona de exclusão aérea descambe para uma ocupação terrestre, com todos os riscos que contém para a geopolítica do mundo árabe, para a suposta coerência da diplomacia brasileira e, obviamente, para os civis líbios. É um receio razoável, que todos nutrimos.
Abster-se, porém, é estar do lado de quem? Abster-se é lavar as mãos para um problema que nos é alheio e para um sofrimento que não nos diz respeito? Ou é confessar que compactuamos com todas as desconfianças possíveis e imagináveis em relação às intervenções militares?
Eis uma questão que, por enquanto, me abstenho de responder.

Tadeu Breda é jornalista, colunista do NR e vive em Latitude Sul (siga no Twitter @tadeubreda)

sábado, 19 de março de 2011

Ode a poesia

Thiago Domenici, o comandante deste blog, levantou uma questão que julgo extremamente oportuna: a importância da poesia.
Recentemente li um livro que reúne os discursos mais importantes ditos por Gabriel García Márquez durante sua vida - logo ele, que dizia odiar falar em público. Em “No vengo a decir un discurso” (inédito ainda em português), talvez o tema mais recorrente das falas de Gabo é seu amor pela poesia.
Capa do novo livro de Gabo
“Em cada linha que escrevo trato sempre, com maior ou menor fortuna, de invocar os espíritos inequívocos da poesia, e trato de deixar em cada palavra o testemunho de minha devoção pelas suas virtudes de adivinhação e por sua permanente vitória contra os surdos poderes da morte”, disse o escritor colombiano em 1982, durante o banquete de recebimento do Nobel, na Suécia. Gabo termina sua fala citando o poeta Luis Cardoza y Aragon, que definiu a poesia como a “única prova concreta da existência do homem”.
Estou totalmente de acordo com Domenici. Não me sinto capaz (e não tenho a menor vergonha de dizer isso) de avaliar o projeto da Bethânia em termos de custos, mas não tenho a menor dúvida de quão importante é que a poesia volte a ser lida, dita, escutada. Enfim, que faça parte das nossas vidas.
Ainda no livro dos discursos, Gabo nos presenteia com uma frase que merece ser escrita nas portas de banheiros de bares e colégios, pichada nos muros das capitais pelo mundo afora e pronunciada em alta voz durante os engarrafamentos que enfrentamos diariamente: “Creio que as vidas de todos nós seriam melhores se cada um de vocês levasse, em suas mochilas, um livro”.
O pedido era dirigido a militares colombianos, mas poderia, muito bem, se estender a qualquer um de nós – ou a todos nós. Se o livro for de poesia, então, dá para sonhar com um mundo bem menos amargo.

Ricardo Viel, jornalista e colunista do NR

sexta-feira, 18 de março de 2011

Poesia é voar fora da asa

A discussão em torno do projeto do blog da Maria Bethânia sobre poesia traz a tona a discussão da própria poesia, penso eu. Com relação ao projeto mesmo, há muita desinformação na rede. Mas isso é outra história. Aproveito solamente o gancho para falar de poesia mesmo. Ou melhor. Indicar poesia. Aproveitemos o tempo livre do final de semana para ver o ótimo documentário "Só dez por cento é mentira - a desbiografia oficial e Manoel de Barros". O meu poeta preferido nasceu em Corumbá, no Mato Grosso do Sul, em 1916, onde passou a infância. Rodou e em 1949 voltou ao Pantanal para tomar conta de uma fazenda que herdou do pai. Viveu em Nova York, Paris, Itália e Portugal. Aos 93 anos tem mais de 20 livros publicados e é considerado um dos poetas da língua portuguesa mais originais de todos os tempos. E o mais lido do Brasil. Eu, sinceramente, com ou sem Lei Rouanet, gostaria de ver a Maria Bethânia recitando suas poesias. Tipo essa, ó:
A maior riqueza do homem
é a sua incompletude.
Nesse ponto sou abastado.
Palavras que me aceitam como
sou - eu não aceito.
Não agüento ser apenas um
sujeito que abre
portas, que puxa válvulas,
que olha o relógio, que
compra pão às 6 horas da tarde,
que vai lá fora,
que aponta lápis,
que vê a uva etc. etc.
Perdoai
Mas eu preciso ser Outros.
Eu penso renovar o homem
usando borboletas.

Meu amigo Renato Pompeu, quando escreveu do lançamento da poesia completa de Manoel de Barros, disse: "“Rosas de maio”, nome de canção gravada nos anos 1940 pelo grande Carlos Galhardo, é a frase que me ocorre para saudar o grande lançamento do mês: a “Poesia completa”, de mais de 490 páginas, do grande Manoel de Barros, volume lançado pela Leya, com capa dura e magníficas ilustrações coloridas." Taí, além do filme, esse livro merece estar em todas as bibliotecas - pessoais, particulares e públicas - do país. Afinal, como diz o próprio, "Quando as aves falam com as pedras e as rãs com as águas - é de poesia que estão falando."

quinta-feira, 17 de março de 2011

Mãe em Surto na Revista do Brasil

Nossa Andrea Dip, que mantém aqui a coluna Mãe em Surto, fez parte de uma matéria da Revista do Brasil sobre mulheres e blogueiras. O texto é de Letícia Cruz e Virgínia Toledo, "Ativistas na vida e na rede".
Trecho que fala de Dip. "Quando  Para Andrea Dip, a vida de blogueira-comunicadora tem de se encaixar em outra realidade não menos importante, a de ser mãe. Desde a época da faculdade, ela escrevia muito sobre direitos humanos, direito da mulher, da igualdade, da liberdade e principalmente sobre os costumes da sociedade. Foi quando a vida antecipou-lhe uma nova vocação: a gravidez ainda no último ano de Jornalismo, e o desafio de conciliar os ofícios de “recém-mãe” e recém-formada. “Quando a gente engravida, a sociedade vem com aquela história da mulher em estado de graça, de perfeição, mas eu vivi aquilo e sabia que não era bem assim. Não é fácil administrar carreira, filho e casa. Tudo isso é adaptação, e não uma condição”, afirma.
Com o filho crescendo e a rotina se intensificando, um amigo sugeriu que ela dividisse os sabores e dissabores de seu dia a dia com outras pessoas. Foi aí que surgiram as histórias inusitadas de Mães em Surto, uma coluna criada dentro do blog Nota de Rodapé.
As crônicas de Andrea seguem à risca as desventuras que as mães vivem e também passeiam por temas sugeridos por amigas que passam pela mesma empreitada. Com o trabalho fixo num grande portal, os “frilas” para completar o orçamento, o cuidar da casa e da “agenda” em torno do filhote, é difícil manter a regularidade dos posts. Mas pelo menos a página está lá, sempre pronta para o momento em que a inspiração, disposição e disponibilidade se encontrem no mesmo lapso de tempo." 

Leia a íntegra AQUI. E para ler as colunas do Mãe em Surto, AQUI.

Do grego antigo, aimorrois

Faz tempo que não passo por aqui. Quase oito meses desde minha última consulta. E esse negócio de Quick Terapy realmente pegou no país. Até o Lula fez quando deixou a presidência e parece que a Dilma vai na mesma profissional que ele. Dizem que é uma húngara que mora no país há 50 anos, que perdeu a clínica que mantinha na época do plano Collor e que nunca mais atendeu. Agora ela oferece a Quick Terapy para celebridades, políticos e gente graúda. Fez uma franquia que lhe rende bons trocados mensais. Se ela tiver o Eike Bastista de cliente vai se dar bem. Apesar que ele reclamaria de que? Que ganhou mais um bilhão? Enfim...
Tô aqui pra falar de mim, né? Para um homem esse assunto, viu doutor, é tabu. Mas vamos lá, a autoestima está baixa. Estou, sem delongas, com hemorróidas. Pois é, tendo de passar pomada e usar supositório faz uns dois meses. Minhas veias do reto e ânus se voltaram contra mim. O momento de cagar sempre foi dos meus preferidos do dia. O ócio criativo que prega o Domenico de Massi eu exercia nessa hora, quase no mesmo tempo dessa nossa consulta; 15 minutos de pura reflexão.
E agora tenho que sentar com todo cuidado. Usar almofadinha e carregar minhas pomadas na mochila. Sabe, constragedor esse tipo de problema. E ainda não contei pra ninguém. Só o médico e você é que sabem. O outro dr. falou que logo, logo estarei curado. Espero mesmo. Não vejo a hora de poder ler Mafalda sem passar mal e ficar horas sentado vendo televisão ou lendo um bom livro. Nesses dois meses me readaptei: 1) fico mais em pé do que sentado 2) ando na rua desconfiado 3) cortei a pimenta e o picante da comida 4) estou ficando sem dinheiro por conta dos remédios que preciso comprar 5) não flertei com mais ninguém desde então e por aí vai... 6) por conta do tema 5 não transei mais.
E colocar o supositório, então? Porra, sensação horrível. Não dói nada, claro, mas o ato de introduzir aquilo é algo que me amargura, me deprime. Já passou por isso? Ahhh, ainda bem que não, viu dr. E tem mais: estou gastando mais água, a conta subiu 100 reais. Toda vez que uso o banheiro tomo banho. É que estou proibido de usar papel higiênico para não piorar a situação. E sempre usei papel bom, desses macios... E daí que me recuso a usar o famoso bidê. Até porque, no meu caso, o meu bidê é só uma mangueira. E acredite, a água sai com uma potência tão grande que apagaria qualquer pequeno incêndio no meu apartamento. Daí usar em mim tem uma distância muuuuito grande. Já testei de curioso e fechei a janela do banheiro com a força da água. Aquilo é uma arma.
Como lidar com essa situação, hem, dr.? O que? Hã-hã, tá, em cinco minutos a gente podia tomar aquele prometido cafezinho e fazer a fézinha na mega-sena dessa semana. Aliás, te devo dez contos do último jogo que você pagou pra mim.

Fredo Sidarta, poeta, escreve sobre suas sessões de quick therapy (consultas de 15 minutos com o psicólogo) no espaço Cronetas do NR.

quarta-feira, 16 de março de 2011



Veruscka Girio é publicitária, designer, diretora de arte, produtora multimídia, videocenarista, vj e curiosa no processo do uso do computador como ferramenta de criação e produção artística para elaboração de novos mundos. Mantém a coluna de arte multimídia e interativa Astronauta Mecanico neste Nota de Rodapé.

Crônica do mundo ao revês

Lançamento nesta quinta-feira, dia 17 de março.

A Arte no Cotidiano – Um olhar sobre as cidades

Nossa leitora de NR, Maíra Sampaio, avisa aos navegantes que tá com uma exposição dela na área.
"Heráclito há tempos nos alertava, que o mundo não é estático, que ele se encontra em constante transformação, que ele flui. Dessa forma, creio, podemos compreender as várias nuances de Maíra Sampaio, de seus poemas densos, carregados de angústia existencial, de sua busca pela compreensão da essência da fome, em suas diversas matizes, ao momento presente, com sua expressão através de imagens. A captura do movimento, da vida que pulsa na cidade, nos mostra uma artista capaz de vislumbrar os detalhes escondidos nos recônditos urbanos. Olhar um detalhe das paredes, dos muros, de construções foge à nossa vista cotidiana, mas Maíra tem a sagacidade para capturá-la. E, mesmo a imagem estando estática (contrariando o filósofo grego), Maíra tem a capacidade de perceber que cada novo olhar nosso sobre a fotografia irá transformá-la e irá transformar-nos.(Márcio José)".

A Arte no Cotidiano
Um olhar sobre as cidades
De 21/03 a 01/04
Local: Casa do Lago
Unicamp, Campinas. São Paulo.
Abertura: 21/03 as 18 horas
Grátis

Drummond, "O Fazendeiro do Ar"

Ao ler o texto do Henrique de Melo no espaço Cronetas me lembrei de um documentário sobre Carlos Drummond em que ele fala sobre o amor que sentia, desde muito pequeno, pela palavra. Fui atrás e achei o filme no Youtube: “O Fazendeiro do Ar”, de 1972. É curtinho – nove minutos – e vale a pena para ouvir o poeta falar do encanto que as letrinhas desenhadas no papel exerciam sobre Carlos criança. “Gostava muito das letras, mesmo sem saber ler. O aspecto visual das palavras, o papel com desenhos, riscos, letras, me causavam uma impressão muito forte”, conta.Em seguida, o poeta completa: “De modo que eu acho que tudo o que eu fiz em termos de literatura vem desse primeiro contato com a palavra impressa”. Drummond morreu faz quase 15 anos. Faz tempo e faz muita falta. Amava a palavra e sabia, como poucos, como trata-la. (Ricardo Viel é jornalista)

Monte Fuji em Vermelho

O realizador japonês Akira Kurosawa é, com certeza, um dos maiores cineastas da história do cinema. Seu trabalho é recheado de 'obras primas' como Os sete samurais, Homem Mau Dorme Bem, Trono Manchado de Sangue (adaptação do Macbeth shakespereano), RAN e muitos outros filmes que influenciaram toda uma geração de cinéfilos.
Em seu filme Sonhos (1990) conta - entre outras - uma história premonitória da atual tragédia japonesa em "Mount Fuji in Red", onde se assiste a explosão de usinas atômicas por trás do Monte Fuji, um dos cartões postais do Japão. Kurosawa morreu em setembro de 1998 não sem antes advertir o seu próprio povo para os perigos da energia nuclear, como se pode ver no vídeo abaixo. (Izaías Almada, escritor e dramaturgo)

terça-feira, 15 de março de 2011

Promoção NR sorteia o livro Avesso

Em abril os leitores concorrem a dois exemplares autografados do livro Avesso, editora Global, primeiro romance do jornalista Tomás Chiaverini: autor de Cama de cimento – uma reportagem sobre o povo das ruas e Festa Infinita – o entorpecente mundo das raves

Os leitores que deixarem nome, cidade e e-mail nos comentários desta promoção concorrem no dia 20 de abril a um exemplar do livro; o outro exemplar será sorteado via Twitter, no mesmo dia. Basta retuitar:
#Promoção. Siga @notaderodape e concorra a exemplar autografado do livro Avesso: http://kingo.to/vIw

O sorteio é realizado pelo sistema sortei.me. Ao ganhador, o prazo para envio dos dados e confirmação é de 48h do resultado da promoção, divulgado no blog e twitter. Caso o ganhador não entre em contato no prazo de 48h, novo sorteio será realizado. Boa sorte!

VENCEDORES
Blog: Gislaine Catrinque da Paixão, Cacoal, Rondônia
Twitter: @IzaSouzza



DEPOIMENTO
“Avesso, minha estreia na ficção, chega às livrarias após dois livros-reportagem. Por isso, quem olha de fora, naturalmente vê um jornalista se arriscando no universo da ficção. Meu notebook e eu, contudo, sabemos que as coisas são ligeiramente diferentes. Antes mesmo de pôr os pés na faculdade de jornalismo, eu já me arriscava a rascunhar uns continhos, e comecei a escrever Avesso em 2004, um ano antes de iniciar as pesquisas para o Cama de Cimento. A literatura e o gosto pela palavra escrita, portanto, vieram antes da reportagem. O jornalismo foi apenas o caminho mais natural e direto para escrever, ser publicado e até, surpreendentemente, lido. A meta final, sempre foi a ficção. Acontece que, na vida, as linhas costumam ser tortas, e os caminhos acabaram por se embolar. Nos meus livros de não-ficção está cheio de literatura, e há capítulos que têm mais cara de conto do que de reportagem. Agora, no romance, o personagem principal é, vejam só, um jornalista. Como tal, ele vê o mundo com olhos de repórter, e isso faz com que a literatura acabe tendo momentos de reportagem. Poderíamos dizer que, em lugar de jornalismo literário, temos ficção jornalística. Recomendo uma espiadela.”
Formado em jornalismo, Tomás Chiaverini foi repórter da Folha de S. Paulo e teve matérias publicadas em importantes revistas e sites. Seguindo a linha de jornalismo imersivo, seus dois primeiros livros retrataram dois mundos muito particulares, os dos moradores de rua e das festas rave. Saiba mais.
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O LIVRO
Um repórter recém-formado parte para a Amazônia em busca de boas histórias. Não há trajeto específico a ser seguido, nem data marcada para o retorno. Como um rito de passagem para a vida adulta a viagem é também uma forma de buscar o extraordinário, de fugir da mediocridade, de evitar estágios e primeiros empregos. É uma arriscada tentativa de controlar o curso da própria vida. Após alguns meses, num barco entre Belém e Manaus, ele conhece Jaque, uma viajante canadense, legítima new age traveler. Os dois se apaixonam e, ironicamente, a fuga torna-se um encontro. O relacionamento começa denso e incendiário, mas, aos olhos do jovem repórter, a segurança e o conforto trazidos por Jaque se opõem à busca pela liberdade incondicional. Ao se dar conta disso, o personagem passa a viver num dilema crescente, que o leva a tomar atitudes de conseqüências desastrosas.

Lançamento:
Dia 26 de março, sábado, na Livraria da Vila. Rua Fradique Coutinho, 915
Das 15h às 18h.

Por fim, o amor ideal

Já faz algum tempo. Acordei com uma sensação estranha, um bem-estar aparentemente sem motivos, e fiquei o dia todo com aquela imagem e som dando voltas na minha cabeça. Passados três dias, a obsessão continuava - eu a procurava nos lugares mais improváveis, precisava revê-la, nada mais importava. Então tive que admitir: eu estava amando.
Não sei explicar como foi que me apaixonei. Nem mesmo me lembro quando a vi pela primeira vez. Fato é que não havia chamado minha atenção até aquele dia em que a descobri esplendida, destacada entre as demais, em um monótono artigo de revista. A partir dali, aquelas três silabadas, seis letras (duas vogais e quatro consoantes), mudaram minha vida. A palavra Candura me havia enfeitiçado e dado início a uma nova fase na minha vida. Por fim, o amor ideal.
Fomos felizes e nos amamos de verdade, sem cobranças, sem fazer planos, só aproveitando cada momento juntos. Com o tempo a nossa relação acabou se desgastando. Por sorte, não sofri. Um novo amor apareceu na minha vida nem bem eu havia me despedido da Candura. A palavra Sofisticado era a nova dona do meu coração. Entrei novamente de cabeça e vivi, com igual intensidade, como se fosse a primeira vez, uma paixão literária. Foi uma relação totalmente carnal. Amei a Candura por seu significado, sua representação, sua simbologia. Com Sofisticado a atração era puramente estética. Visual e sonora. Foi extremamente prazeroso.
E vieram muitas outras. Cada uma com sua particularidade, seu jeito único. Um circunflexo, a perninha da cedilha, a ondulação do til, a graça do s com som de z...
Aos poucos fui percebendo as vantagens de se encantar por uma palavra e não por uma pessoa. Não existe nenhuma chance de rejeição e há a liberdade plena para que você reparta seu amor com outras. Pode acontecer de amar duas, três ao mesmo tempo, e elas não se incomodam. Agora mesmo estou namorando Recordo e flertando com Elegia. Miudinha, tímida, quase passa despercebida. Mas tem um charme e um ar de mistério que me encantam. Além disso, seu sotaque em castelhano é irresistível. Aliás, essa é a única modificação que permito. Não aceito inclinações ou variações. Sofisticação, por exemplo, me parece de um mal-gosto tremendo. Cândido me dá até enjôo. Não as quero com retoques ou adereços. As amo virgens, nuas e sem retoques.
Fica, então, a minha dica. Se você só se apaixona por pessoas, sugiro que reveja seu modo de pensar o amor. Já tive casos com músicas, livros, lugares e, agora, palavras. Vale muito a pena.
É importante, no entanto, fazer uma advertência. Assim como acontece na relação entre seres humanos, não se sai por aí buscando uma palavra para querer. Não adianta abrir agora o dicionário e tentar se apaixonar por Medíocre ou Burocracia. Os acasos da vida se encarregam de coloca-las no seu caminho. Faça sua parte. Esteja aberto e receptivo para ser seduzido por uma. O resto vai acontecer naturalmente.
Olha aí, Naturalmente. Na-tu-ral-men-te. Bem interessante, não acha? Não é assim uma Candura, uma Elegia, mas tem lá a sua graça.

Henrique de Melo Sabines, mineiro, 30 anos, trabalha na ECT e se dedica à astronomia nos fins de semana. Fã de Drummond, começou a escrever por recomendações médicas. É um dos autores do espaço Cronetas no NR. Ilustração de Caco Bressane.

domingo, 13 de março de 2011

Retrato do Brasil de março, vencedores

Os 10 ganhadores que levaram um exemplar da Revista Retrato do Brasil de março. Saiba mais da promoção AQUI que ocontecerá todos os meses. Por favor, enviem seus endereços completos para contato@notaderodape.com.br Os vencedores têm até sexta-feira para enviar os endereços, caso contrário, novo sorteio será realizado.

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sexta-feira, 11 de março de 2011

O crack na porta de casa

Era sábado de carnaval. Esperava alguns amigos para uma visita na minha casa, na Lapa de Baixo, zona oeste de São Paulo.

O bairro, cenário de Malagueta, Perus e Bacanaço do escritor João Antônio continua com jeitão de subúrbio mesmo depois de tantas transformações.

A gente percebe que o bairro muda ao longo da vida, principalmente quem acompanha seu dia a dia durante décadas. E ali já vi de tudo um pouco. A novidade foi encontrar com a drogra da vez, o crack, na porta da minha casa.

Um jovem, cara de garoto, talvez tenha seus 16 anos e um homem mais velho, aparentando seus quarenta e poucos fumavam a pedra. Não era cola como supôs a amiga que estacionava o carro, afinal, estava lá o cachimbo que tem destruído a vida de muita gente.

Será que vocês podem fumar em outro lugar?, pedi aos dois que nada disseram. Estavam noiados, principalmente o mais velho. Sem reação buscaram a mesma calçada alguns metros adiante.

Recebi os amigos, a maioria jornalistas como eu, um tanto acostumados em reportar as precárias condições de vida no país. Ao voltar, olhei pela janela, curioso, e os dois já estavam largados no chão, moles, numa cena lamentável que imaginei se repetir em vários cenários diferentes do país.

O crack é feito de cocaína da pior qualidade e seu uso está disseminado por todas as regiões do Brasil, segundo levantamento da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), do ano passado.

O estudo realizado pela entidade em 3.950 cidades brasileiras, apontava que 98% delas (3.871) teve registrada a presença da droga - “O problema alcançou uma dimensão nacional. Não está mais nas grandes cidades, mas nas áreas rurais”, disse Paulo Ziulkoski, presidente da CNM.

Algumas informações:
1 - Em fevereiro último a presidenta Dilma - que ainda no início de sua campanha eleitoral afirmou que uma das prioridades de seu governo seria conter o avanço do crack - prometeu uma “luta sem quartel” para combater a droga ao lançar 49 Centros Regionais de Referência em Crack e Outras Drogas em universidades federais. A ver os resultados daqui em diante.

2 - Segundo a Agência Brasil noticiou recentemente o país está desenvolvendo o maior estudo sobre consumo de crack do mundo. De acordo com a secretária Nacional de Políticas sobre Drogas, Paulina Duarte, o objetivo é ter dados estatísticos reais do consumo de crack no país, das grandes cidades à zona rural. A pesquisa está sendo feita pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a universidade americana de Princeton e os primeiros resultados serão divulgados em abril.

3 - A mesma pesquisa da CNM, citada acima, estima que nos próximos seis anos, 300 mil pessoas devem morrer no País por conta do uso da droga.

4- Numa matéria do Estadão, de 14 de dezembro de 2010, uma análise de Ana Raquel Santiago de Lima, psiquiatra especialista em saúde mental, ela argumentava que “o crack é hoje a droga disponível para atender a uma sociedade imediatista, sem valores, que tem pressa e quer uma substância que vá direto ao ponto”. Acrescento: é barata e atinge as camadas mais baixas da população além de seu alto poder de viciar.

5 - A revista Fórum de fevereiro traz em sua capa o tema Crack. Vale dar uma espiada nas matérias que estão com boas informações, entre elas, que o número de dependentes pode chegar a 1,2 milhão. E a revista Retrato do Brasil tem uma reportagem de Tomás Chiaverini sobre o trabalho dos Redutores de Danos na Cracolândia de São Paulo.

Thiago Domenici, jornalista

quarta-feira, 9 de março de 2011

Escambo e telegramas do Wikileaks

A julgar pelo conteúdo de telegramas do Departamento de Estado dos EUA, o Brasil poderia ter enorme campo de manobra para barganhar bastante a compra bilionária dos novos jatos para a Força Aérea brasileira. Acontece que a agência noticiosa Reuters se deu ao trabalho de garimpar na montanha de telegramas do wikileaks coisas que pareciam insólitas. Eles toparam com misteriosas negociações entre exportadores militares americanos e governos estrangeiros, intermediados pelo departamento de Estado.
Por exemplo, a Lockheed Martin queria vender aviões C-130 de transporte militar pesado para o Chad, mas o departamento de Estado observou que o país não tinha como pagar a conta e além disso havia mentido sobre o uso dos aviões, que seriam usados para bombardear revoltosos e não para transporte de cargas. Mesmo assim deu sinal verde para a transação para reforçar alianças regionais.
O acordo que mais interessa ao Brasil foi a tentativa da Lockheed Martin vender caças F-16 para os miltares tailandeses. Como aqui, lá os soviéticos e suecos estavam na concorrência, oferecendo caças parecidos em pacotes com diferentes vantagens. A Lockheed descobriu que os militares, sem muitos dólares disponíveis, estavam dispostos a fazer um inusitado escambo, pagando em mercadorias. O departamento de Estado concordou porque os soviéticos iriam ser derrotados na transação e porque a Lockheed iria ter um lucro tremendo. O pagamento iria ser feito com 80 mil toneladas de frango congelado, com grande valor de mercado. A transação só não deu certo porque outra junta militar derrubou a anterior e preferiu vender os frangos no mercado.
Dai o Brasil poderia tentar incluir alguma forma de escambo nas negociações. Talvez cachaça para os russos, mulatas para os franceses, estatais para os americanos e, para os suecos, eu não sei o que eles gostam.

Flávio de Carvalho Serpa é jornalista, especial para o NR

Aviso aos incautos

Foi com surpresa e alguma alegria, confesso, que na última premiação do Oscar (a estatueta que acrescenta alguns zeros nas contas das mega-estrelas hollywoodianas), que vi o documentário “Trabalho Interno” (Inside Job) ser premiado.
Surpresa, porque é sabido até no reino mineral, que Hollywood e Wall Street mantêm vínculos promíscuos. Alegria por saber que com o prêmio o documentário do diretor Charles Ferguson ganharia maior divulgação internacional.
Trata-se de um filme instigante, em alguns momentos a lembrar as grandes sacadas de Michael Moore, que já andou dando umas boas cacetadas na hipocrisia norte americana, sua cultura de berço.
Que a sociedade norte americana seja enganada por suas grandes corporações econômicas, sua mídia sensacionalista e sua fantasia democrática, isso é lá um problema dela. O duro é agüentar que toda aquela palhaçada seja sustentada por seus milhões de contribuintes e, mais do que isso, pelos bilhões de seres humanos ao redor do mundo que ainda vivem a fantasia do sonho americano.
Bandidos e marginais é o mínimo que se pode dizer daqueles que comandaram ou ajudaram a eclodir a crise econômica de 2008 e que ainda se viram premiados com fantásticos bônus financeiros por suas criminosas ações.
O documentário é serio e até árido em alguns momentos, pois o número de informações que passa ao espectador é de tal ordem que a impressão que se tem é que o Departamento de Estado norte americano mantém uma fábrica de dólares nos fundos da Casa Branca ou do Pentágono. O lobbie dos bancos é monumental e perverso. Há, pelo menos, seis lobistas nessa área para cada congressista norte americano, gerando corrupção e impunidade aos crimes financeiros. E a conivência é tanto de democratas quanto de republicanos.
Ao receber a estátua, ao lado da produtora do documentário, o realizador Ferguson declarou que após uma crise financeira causada por uma fraude criminosa, nenhum dos executivos envolvidos foi para a cadeia. Seu discurso foi curto e grosso: “O setor financeiro se tornou tão poderoso nos EUA, que inibe o funcionamento normal da Justiça e da Lei”. E arrematou: “Muitas das decisões foram tomadas também pelo presidente Obama e membros do alto escalão do governo. Muitos, aliás, não quiseram dar entrevistas para o filme”.
O episódio revela um pouco mais alguns aspectos dessa farsa contemporânea a que se dá o nome de democracia norte americana, essa mesma que querem mostrar ao mundo que funciona. Que o digam, aliás, os milhares de mortos no Afeganistão, no Iraque, no Haiti, em Honduras, para ficarmos em casos mais recentes.
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 O didatismo do documentário “Trabalho Interno”, feito por um cidadão norte americano é uma aula para aqueles que ainda têm ilusões com as vantagens da economia neoliberal e se deixam enganar pelas miragens de uma democracia mantida pela força das armas, negociada por lobbies criminosos e difundida por uma mídia inescrupulosa e igualmente criminosa ao redor do mundo, aqui no Brasil inclusive.
Está chegando aí o presidente Barack Obama e que vem, com toda certeza, vender gato por lebre. Olho no pré sal, minha gente, pois a coisa no Oriente Médio não anda nada boa para os gringos...



Izaías Almada é escritor e dramaturgo, colunista do NR do Escrevinhador

sexta-feira, 4 de março de 2011

MP3, INPS, Justin Bieber e Içami Tiba

Juro que pensei em perguntar para a psicóloga da escola com quantos anos ouviria o primeiro “ai mãe, que saco”. Porque achei que demoraria pelo menos uns 12 anos, mas veio muito antes. Do alto de seus 6 anos de idade, meu filho fala essa frase pré-adolescente várias vezes ao dia.
"Ai, mãe, que saco"
Mas parece que todas as crianças pós anos 2000 são adolescentes mirins! São preocupadas com roupas, querem ter o cabelo do Justin Bieber, andam com fones de ouvido e games de mão… Aliás meu filho ganhou um MP3 player do pai, me fez baixar as músicas preferidas e eu nem pude opinar. “Podemos colocar um Chico Buarque aí? Um Velvet Undergound?” “Ah não, mãe, que saco”.
Mas um dia ele me pediu: “mãe, pega meu INPS”. “Que?” “Meu INPS, mãe, quero ouvir música”.
Enfim. Em minha defesa, devo dizer que não incentivo essa precocidade, mas ela está presente. Na escola, nos amigos, primos, irmãos… Em vez de culpar a internet, a Era, a publicidade, comecei a achar que a culpa é nossa mesmo. Da minha geração de mães em surto. Aliás, esta aqui faz 29 primaveras no próximo dia 15 - mais um colar de macarrão ou um porta lápis de palitos de sorvete para a coleção. Uma amiga (sem filhos, claro) ficou indignada no dia em que revelei que não, as mães não adoram os colares de macarrão. Elas guardam, agradecem, dão beijos e colocam em exposição, mas é para não frustrar o processo criativo dos filhos, ok? Convivam com isso. Desculpem a mudança de tema.
Justin: parte da mulecada quer
ter o mesmo cabelo que ele
Já reparei que as mães em surto de até 35 anos costumam tratar os filhos de igual para igual. A gente não fala “ai, ai, Joãozinho, que feio”. Diz: “Pô cara, que vacilo!” Ou “ Ah, meu não acredito…” e acaba tratando eles como iguais: às vezes eles como adultos, outras, nós como crianças. Não esqueço o dia em que uma amiga recém separada contou toda triste que o filho de 3 anos não queria tomar banho e após o estresse básico que estas situações causam disse: “Quero morar com o meu pai”. Em vez da mãe pensar como adulta, que aquilo era apenas uma defesa da criança, que sabia que isso iria feri-la, ficou triste, chorou, virou a cara para o menino por alguns instantes, chegou a dizer “poxa, mas sou eu que faço tudo sozinha por você, cuido, pago as contas, sabe?" Não, ele não sabe! Tem três anos!
O fato é que não temos como saber no que isso vai dar. Nem saber se é politicamente correto. Provavelmente o Içami Tiba diria que é errado… Mas cadê os educadores que escrevem livros quando a gente tem que dar banho na criança com uma mão, pagar uma conta com a outra, depois de um dia punk de trabalho e ainda lidar com a culpa de estar aqui com a cabeça lá e lá com a cabeça aqui?
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Mas posso dizer com orgulho que todas as mães em surto que acompanho de perto têm feito um bom trabalho. Amam e defendem suas crias como nunca e são sinceras sempre. Nada de mentiras sobre pai que foi viajar e já vem: o papai foi morar na casinha dele porque nosso casamento não deu certo. Mas ele te ama mais do que tudo e a mamãe também. E choram na frente das crianças quando não conseguem segurar, e explicam que às vezes as mamães também ficam tristes e choram e que tudo bem, vai passar.
Para todas as mães em surto, e as que ainda não são mães ou que ainda não surtaram, meu feliz dia internacional da mulher.

PS: Aliás, esta coluna está chique este mês! Vai aparecer em uma matéria especial sobre mulheres guerreiras na Revista do Brasil. Se passar por uma banca, espia lá!

Andrea Dip é jornalista, mãe do David e mantém a coluna Mãe em Surto.
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