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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Países-exemplo de Serra lideram produção mundial de drogas

Colômbia e Peru aparecem no topo da lista, mesmo sem fazer o “corpo mole” da Bolívia

Os países tidos como exemplo por José Serra no combate às drogas são os líderes mundiais no setor. Relatório a ser divulgado esta semana pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc, na sigla em inglês) irá mostrar a Colômbia no topo do ranking do cultivo de coca, seguida pelo Peru.
Alguns dados da Unodc são sempre alvo de dúvida pelo fato de setores da agência terem uma posição excessivamente pró-EUA, ou seja, de culpar os países nos quais as substâncias são produzidas e determinar que os mesmos tratem de reprimir a tudo e a todos. Mas, considerando que Peru e Colômbia são os países que seguiram à risca a cartilha do Departamento Antidrogas da Casa Branca, não me parece que esse estudo, especificamente, deva ser motivo de dúvida. De acordo com a agência, no geral houve recuo dos cultivos na Colômbia, e o Peru, a manter o ritmo atual, será líder nesta produção em não muito tempo.
São as duas nações que mais tiveram injeção de recursos da ONU e dos Estados Unidos neste setor. Talvez por concordarem com a ingerência externa, talvez por gostarem de repressão, são vistos como modelos pelo candidato do PSDB à Presidência da República. Pensemos em que modelo é este: a Colômbia tem dezenas de milhares de mortos graças aos conflitos entre paramilitares, guerrilhas e Exército. O paraEstado, esse gracioso Estado paralelo, continua existindo, como mostram escutas telefônicas que envolvem desde o mais baixo funcionário do atual governo até o presidente Álvaro Uribe, passando pelo eleito Juan Manuel Santos. Na Colômbia, liberdades de imprensa e de atividade laboral não são respeitadas. Sindicalistas que tentam denunciar abusos de poder e falta de democracia acabam assassinados, o mesmo valendo para indígenas e outras minorias.

Deslocamento sem erradicação

Ao que parece, quando se trata de drogas, José Serra não teve o cuidado de falar com Fernando Henrique Cardoso, de quem foi ministro da Saúde. FHC, lembro-me bem porque vi com estes olhos, afirmou há alguns meses que não adianta reprimir cultivo, pois ocorre o que se vê nas nações-modelo do ex-governador: deslocamento sem erradicação.
Serra, quando elogia a Colômbia falando que o país de Uribe não faz corpo mole contra o tráfico, presta uma triste homenagem a um povo extremamente sofrido. Apenas para não esquecer, estamos no mês dos refugiados. Outra agência da ONU, a Acnur, lembra-nos que a Colômbia tem a maior massa interna de deslocamentos. Se a memória não falha, algo como quatro milhões de colombianos viram-se obrigados a deixar seus lugares de origem por conta dos conflitos internos estimulados pelo paraEstado.
Ao mesmo tempo, o tucano mostra todo seu preconceito contra duas questões diferentes. Uma, a de acreditar que a Bolívia não é capaz de guiar seu próprio destino, devendo aceitar tudo aquilo que dizem os Estados Unidos. Outra, a de não entender que uma boa parte de produção de coca boliviana tem uso local, milenar, que nada tem a ver com tráfico internacional de drogas.
Serra, que segundo a Piauí Herald é especialista em trolologia, lembra-me a âncora da emissora de TV Fox News que ficou espantada ao descobrir que “o ditador” da Bolívia masca folhas de cacau (dá pra lincar o Oliver Stone). Talvez a candidata do PV, Marina Silva, tenha entendido qual o sentido da fala do opositor: "Tenho dúvidas, se talvez o governo da Bolívia fosse outro que não do Evo, um índio, se isso seria dito com tanta naturalidade. É apenas uma dúvida.” Alguém duvida?

PS 1: lamentavelmente, a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, tampouco tem demonstrado estar à altura de um bom debate sobre drogas. Tem partido sempre para o lado da repressão, que rende mais votos entre os setores assustadiços da sociedade, sem levar em conta os aspectos socioculturais que envolvem um tema muito mais complexo que cassetete e internação. Desconheço as propostas de Marina para o setor.

PS 2: estou a tentar entender a aparição de José Serra no SPTV de terça-feira (22). Se o jornal é regional, por que um candidato ao Planalto precisa aparecer falando de suas propostas para a saúde, por que precisa ir a uma inauguração de um projeto do governo do estado ao qual não pertence? Ou se fala de todos os candidatos, ou não se fala. Se o critério obscuro é mostrar candidatos paulistas, posso me lembrar de ao menos outros dois que são deste estado. Se o critério é colocar trololólogos para falar, posso me lembrar de uns duzentos numa área de cinco quilômetros. Lá vem a emissora de Marinho, outra vez com trololices. Se formos trolos, seremos novamente trololados.

João Peres
é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

Terceira Mostra Luta, inscricões abertas

"A Mostra Luta! é uma mostra nacional de vídeos, fotografias, poemas e quadrinhos que exibe e debate as lutas travadas contra a exploração e a opressão capitalista. Organizada pelo Coletivo de Comunicadores Populares de Campinas." Inscrições abertas até 15 de julho pelo site www.mostraluta.org

A Copa, finalmente, começa agora

Desde o dia 11 de junho, os noticiários não falam de outra coisa que não seja Copa do Mundo. Tudo bem, alguns casos policiais envolvendo jogadores, as enchentes no Nordeste e as intermináveis discussões a respeito do programa nuclear iraniano também ganharam algumas manchetes, além, claro, das inúmeras homenagens a Michael Jackson, mas o grande filé da imprensa foi temperado com molhos africanos.
Você, leitor desta coluna, deve ter estranhado o fato de eu não me pronunciar durante o principal evento esportivo do mundo (podem reclamar, mas para mim, a Copa mexe mais com as emoções do que a Olimpíada, que também é fascinante). Não foi por desprezo nem por preguiça. Queria esperar a chegada das quarta-de-final para analisar as equipes. É lógico que muita coisa boa já aconteceu na África do Sul, como o vexame da França e as belas torcedoras holandesas que invadiram os estádios e, injustamente, foram punidas pela Fifa. Vale destacar ainda a evolução do futebol japonês, que hoje colhe os frutos plantados por Zico. Outros episódios, como os erros de arbitragem e a guerra de Dunga com a imprensa brasileira (como se os jornalistas fossem o grande adversário do time), desagradam. Sinceramente, lamentei a eliminação precoce da Itália, mas a Azzurra pagou caro por não promover uma reciclagem no time campeão de 2006, que na época já era apontado como um time velho.
Com a bola rolando, a Alemanha renovada (na idade e no jeito de jogar) mostrou força ao passar pela remendada Inglaterra. A Holanda e a Espanha avançaram, mas ainda estão abaixo das expectativas criadas pelos grandes jogadores que têm. O Brasil continua pragmático e dependente da inspiração de Kaká, que ainda não está 100% fisicamente, de Robinho, que está com vontade de brilhar, e Luís Fabiano, que quando recebe a bola define. Contra o Chile, sem Felipe Mello no time, a seleção se apresentou melhor, com mais movimentação e até o futebol de Gilberto Silva cresceu. Pena que Ramires está suspenso e o brucutu do Dunga voltará entre os titulares.
Pois bem, agora, já sem aqueles times chatos, retrancados e desconhecidos, finalmente, a Copa começa. Como disse nosso editor Thiago Domenici recentemente, eu também prefiro pegar os tubarões. E a partir de sexta-feira o Brasil vai ser realmente testado. A Holanda é um adversário tradicional em Copas. Em 1947, tomamos um baile, mas nos dois últimos confrontos levamos a melhor. Acho que o vencedor deste confronto vai fazer a final contra quem passar de Argentina e Alemanha, que é mais equilibrada em todos os setores do que os sul-americanos.
Aliás, eu ainda não falei da Argentina, que tem Maradona como principal estrela na África. Mesmo com terno e sapato, El Pibe ainda desfila talento e mostra habilidade ao matar a bola na lateral do gramado. Dieguito também tem sido polêmico, provocativo e, às vezes, simpático e bem humorado nas coletivas. O time dele é muito bom a partir da linha de volantes, com Mascherano e Verón, mas a defesa é frágil, o que pode comprometer o tri dos hermanos. Messi ainda não brilhou, mas também não se omitiu, como fez C. Ronaldo (Ronaldo só tem um...), e tem contribuído com o time.
Para não ser injusto, o Uruguai volta a figurar entre os melhores do mundo após muitos anos, mas acho que o time comandado por Forlán e Lugano morre nas semifinais. É isso, preparem as bandeiras, o amendoim e a cerveja!

Thiago Barbieri
é jornalista; autor do livro sobre o Corinthians "23 anos em 7 segundos", editor do jornal Primeira Hora da Rádio Bandeirandes e colunista do Nota de Rodapé.

terça-feira, 29 de junho de 2010

O dossiê e o livro (Fábula brasileira contemporânea)

Um livro, quase acabado de escrever, e um dossiê, de páginas ainda em branco, conviviam numa mesma mesa de escritório. O livro recebia com carinho a revisão de suas páginas, enquanto o dossiê, invejoso, deixava-se ficar no fundo de uma gaveta, à espera que alguém rabiscasse nele qualquer coisa que valesse a pena ser lido. Iam assim convivendo em relativa harmonia.
Certo dia o livro foi batizado. Deram-lhe nome: “Os Porões da Privataria”. Ficou todo orgulhoso, não só com o nome escolhido, mas com o que ia aprendendo em cada folha escrita, sobretudo com a apresentação que faziam de seu caráter e conteúdo. Não havia se familiarizado ainda com os nomes que lhe imprimiam por frases e parágrafos. Aos poucos, contudo, foi formando um quadro sobre os personagens que abrigava. Por exemplo: “Quem recebeu e quem pagou propina. Quem enriqueceu na função pública. Quem usou o poder para jogar dinheiro público na ciranda da privataria. Quem obteve perdões escandalosos de bancos públicos. Quem assistiu os parentes movimentarem milhões em paraísos fiscais. Um livro do jornalista Amaury Ribeiro Jr., que trabalhou nas mais importantes redações do país, tornando-se um especialista na investigação de crimes de lavagem do dinheiro, vai descrever os porões da privatização da era FHC. Seus personagens pensaram ou pilotaram o processo de venda das empresas estatais. Ou se aproveitaram do processo. Ribeiro Jr. promete mostrar, além disso, como ter parentes ou amigos no alto tucanato ajudou a construir fortunas. Entre as figuras de destaque da narrativa estão o ex-tesoureiro de campanhas de José Serra e Fernando Henrique Cardoso, Ricardo Sérgio de Oliveira, o próprio Serra e três dos seus parentes: a filha Verônica Serra, o genro Alexandre Bourgeois e o primo Gregório Marin Preciado. Todos eles, afirma, têm o que explicar ao Brasil.
Lá de cima da mesa, o livro gritou para o compadre dossiê, que dormia em plena tarde de sexta-feira no fundo da gaveta de baixo, sempre à espera que escrevessem alguma coisa nele. O dossiê abriu os olhos, botou uma das folhas vazias para fora da gaveta e perguntou: “O que foi livro? Qual é a novidade?” O livro respondeu: “Escuta só o que está escrito aqui na minha apresentação aos leitores”... “Diga”, retrucou o dossiê já com a inveja a transbordar.
A voz do livro vibrou orgulhosa mais uma vez: “Ribeiro Jr. vai detalhar, por exemplo, as ligações perigosas de José Serra com seu clã. A começar por seu primo Gregório Marín Preciado, casado com a prima do ex-governador Vicência Talan Marín. Além de primos, os dois foram sócios. O “Espanhol”, como (Marin) é conhecido, precisa explicar onde obteve 3,2 milhões de dólares para depositar em contas de uma empresa vinculada a Ricardo Sérgio de Oliveira, homem-forte do Banco do Brasil durante as privatizações dos anos 1990. E continuará relatando como funcionam as empresas offshores semeadas em paraísos fiscais do Caribe pela filha – e sócia — do ex-governador, Verônica Serra e por seu genro, Alexandre Bourgeois. Como os dois tiram vantagem das suas operações, como seu dinheiro ingressa no Brasil…”
De repente, ouviram-se vozes no escritório. Os dois amigos quedaram-se imóveis, como é da natureza de livros e dossiês. E procuraram ouvir alguma coisa da conversa. Alguém dizia, “Rapaz, esse livro vai cair como uma bomba”. Outra voz replicou: “Quando essa turma souber que está tudo documentado, vai ser um Deus nos acuda!”. E uma terceira voz: “Precisamos encontrar um jeito de minimizar as repercussões... temos que fazer alguma coisa... detonar alguém...” Sem saber muito bem por que, o dossiê sentiu um arrepio percorrer suas folhas em branco. Vinte minutos depois tudo voltou à calma...

Dizem que isso é crime
O livro, seguro de que não havia ninguém na sala, gritou para o dossiê: “Olha só isso aqui, cara, é incrível. Ouve só: 'Percorrendo os caminhos e descaminhos dos milhões extraídos do país para passear nos paraísos fiscais, Ribeiro Jr. constatou a prodigalidade com que o círculo mais íntimo dos cardeais tucanos abre empresas nestes edens financeiros sob as palmeiras e o sol do Caribe. Foi assim com Verônica Serra. Sócia do pai na ACP Análise da Conjuntura, firma que funcionava em São Paulo em imóvel de Gregório Preciado, Verônica começou instalando, na Flórida, a empresa Decidir.com.br,  em sociedade com Verônica Dantas, irmã e sócia  do banqueiro Daniel Dantas, que arrematou várias empresas nos leilões de privatização realizados na era FHC.'"
“Ouviu bem isso, dossiê? Heim? Outros livros, colegas meus, dizem que isso é crime, isto é, vendem o patrimônio público por uma merreca e ainda botam dinheiro no próprio bolso. No andar de baixo da mesa, dossiê ouvia tudo aquilo e pensava se não podia dar uma colaboração para a turma da privataria, só para contrariar.
Indiferente ao que pensava o colega, o livro continuou: “Ribeiro Jr. promete outras revelações. Uma delas diz respeito a um dos maiores empresários brasileiros, suspeito de pagar propina durante o leilão das estatais, o que sempre desmentiu. Agora, porém, existe evidência, também obtida na conta Beacon Hill, do pagamento da 410 mil dólares por parte da empresa offshore Infinity Trading, pertencente ao empresário, à Franton Interprises, ligada a Ricardo Sérgio.
“A coisa é séria, dossiê, não sei não... É muita informação comprovada por investigações sérias... Sabe o que mais, dossiê? Aqui do meu lado, tem uma carta dizendo que eu vou ser clonado em milhares de outros livros e espalhados pelo Brasil e pelo mundo... Fico feliz, pois o meu destino é informar e dar conhecimento às pessoas sobre muita coisa que se tenta esconder, escamotear... Mas a verdade sempre aparece, você não concorda?
O livro não ouviu qualquer resposta. Insistiu: “Dossiê, você não diz nada? Perdeu a fala? Aposto que já está aí pensando besteira”. Chateado, o livro gritou numa última tentativa de diálogo: “Dossiêêêê... Aparece, cara, mostra que você existe e pensa... como aquele filósofo francês...”
Silêncio.
E aí, caro leitor, você tem alguma notícia por onde anda o dossiê?

Izaías Almada é escritor e dramaturgo, colunista do Nota de Rodapé

Extra elimina Brasil da Copa do Mundo

Uma confusão na publicação de um anúncio publicitário do supermercado Extra apresenta a seleção brasileira como eliminada da Copa. "A seleção sai do Mundial. Não do coração da gente. Valeu Brasil", como diz o supermercado. O anúncio saiu no caderno de Esportes da Folha de S. Paulo de hoje.
Na tentativa de ganhar tempo e deixar anúncios prontos, o Extra, e sua agência publicitária, agora terão que correr para corrigir.

Diogo Ruic é jornalista e editor assistente do NR

segunda-feira, 28 de junho de 2010

AUTOMATIQUE

Cité Universitaire, Paris. FR - 2009.




Veruscka Girio é publicitária, designer, diretora de arte, produtora multimídia, videocenarista, vj e curiosa no processo do uso do computador como ferramenta de criação e produção artística para elaboração de novos mundos. Mantém a coluna interativa Astronauta Mecanico neste Nota de Rodapé.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Gabo recebeu pedido para mudar o final do livro

reportagem especial

(Parte 4)

Ao finalizar “Do Amor e de Otros Demônios”, Gabo entregou o manuscrito do livro ao irmão Jaime e a cunhada Margarita. Eles já sabiam da história do livro, mas não conheciam o final. Margarita passou a noite lendo o manuscrito e, no dia seguinte, quando encontrou Gabo, lhe fez um comentário e um pedido: havia gostado muito da novela e nem um pouco do final. Tentou convencê-lo de que Sierva Maria não podia morrer. “Argumentou que em todos os seus livros, exceto ‘O Amor nos Tempos do Cólera’ (1985) tinham finais tristes e de que os personagens, desta vez, mereciam ser felizes”, conta Jaime.
Solidário à dor da cunhada, García Márquez tentou convencê-la de que, no contexto da obra, Cayetano Delaura não tinha outro destino do que aquele, permanecer só. Fez Margarita entender que ele, apenas um escritor, não podia mudar o final daquela história, que já estava escrita havia séculos antes de publicada. Só pôde, ao lado da cunhada, lamentar a má sorte que tiveram Sierva Maria e Cayetano Delaura, reféns, não de um escritor e seus desejos, mas de um destino que sabe quem governa com uma força imutável há séculos.
E Margatina aceitou os argumentos de Gabo?
“Não. De modo algum”, responde, risonho, Jaime García.

Título do livro foi presente
O título do livro escrito por García Márquez em 1994 foi dado de presente a ele pelo cineasta brasileiro Ruy Guerra. Quem conta a história é Eric Nepomuceno. "Em 1991, o Ruy me chamou para escrever um roteiro de um filme com ele, que se chamaria 'Lua Negra'. No meio do trabalho, ele mudou o nome para 'Do Amor e de Outros Demônios', título que para mim não dizia nada. Então veio o Collor, o filme nunca foi rodado, e um dia o Ruy contou essa história para o Gabo. Ele ficou encantado com o título e disse que seria perfeito para uma novela que estava escrevendo. O Ruy, então, deu pra ele de presente esse título."

“Dou de presente para você os direitos. Faça”.
Em 2005, em uma oficina de cinema em Cuba, Gabriel García Márquez conheceu a cineasta costarriquense Hilda Hidalgo. Durante o curso, em uma conversa, ela comentou com o escritor que achava que de todas as suas novelas a que melhor poderia ser adaptada ao cinema era “Do Amor e de Outros Demônios”. Lamentou que ninguém nunca tivesse feito. Gabo então lhe disse: “Dou de presente para você os direitos. Faça”.
Hilda Hidalgo precisou de dois anos para escrever o roteiro e encontrar os atores. A colombiana Elisa Triana, de 13 anos, foi a escolhida para fazer Sierva Maria de Todos Los Ángeles. Cayetano Delaura será o espanhol Pablo Derqui, de 28 anos. O filme estreou na Colômbia e Costa Rica no mês de abril. Não há previsão da estreia no Brasil.

- (leia a parte 1: Dizem que uma mulher de vermelho anda pelos corredores)
- (leia a parte 2: É preciso pinçar o que ele escreve)
- (leia a parte 3: Verdades do coração)
- (leia a parte 4 (final): Escritor recebeu pedido para mudar o final do livro)




Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

Quero mais é ver a seleça pegar os tubarões

Os mais copeiros podem me dizer com precisão se em épocas passadas a seleção brasileira jogava pensando na tabela e nos confrontos com um certo “medinho”. Não concordo com manchetes e análises como fez hoje o jornal O Globo (ao lado, na imagem): “Brasil vai precisar fugir da chave da morte”. Tudo por que se o Brasil ganhar ou empatar com Portugal só enfrentaria seleções como Argentina, Alemanha e Inglaterra numa eventual final.
Eu quero mais é ver a seleça pegar os tubarões. Que ganhe de Portugal, ok, mas que não jogue com esse receio em mente. Pensar assim é antiesportivo. É estratégia de burocrata que vê o esporte como um negócio, uma meta, sem pensar na glória do futebol jogado, que vence por ser o melhor. Ganhar jogando como o time de Parreira, em 1994, não me apetece. Prefiro, e me perdoem os contrários, perder a copa jogando como em 1982 (ou enfrentando grandes seleções) do que ganhar jogando com o regulamento por temer times que, como Argentina e Holanda, merecem mais o caneco pelo bom futebol.
O Tostão, numa coluna de pouco tempo, escreveu: “Com a globalização, o futebol brasileiro incorporou a forma de jogar dos europeus. Querem transformar o futebol em um jogo essencialmente pragmático e programado. Diminuíram muito os dribles e as trocas de passes. Diminuiu a fantasia, mas o futebol arte não morreu. Quem tem talento joga bonito. É lindo ver um drible desconcertante de Robinho. O contra-ataque, como tem feito o Brasil, iniciando com as arrancadas de Kaká, também é bonito.”
Concordo. Sem frescura e receio, imagine um Brasil campeão do mundo derrotando grandes seleções desde as oitavas de final? O Paulo Cesar Caju, ex-jogador, deu uma declaração ótima: "Minha torcida é para que os times robotizados sejam eliminados logo. Copa é lugar para mostrar talento." Taí, ser o melhor sem ser o melhor não combina nem na frase.

Thiago Domenici
é jornalista e queria ver Neymar e Ganso na Copa com Hernanes de volante.

Folha e as imagens que contradizem

A Folha trouxe nesta semana uma matéria sobre como o ataque da seleção canarinho é violento, o 2º que mais tem feito faltas nessa Copa.
Mas as imagens que ilustram a teoria não atestam a notícia. A legenda diz: "Luis Fabiano, Kaká, Robinho e Elano perseguem rivais no jogo com a Costa do Marfim".
As fotos selecionadas a dedo mostram o Luis Fabiano sendo surpreendido pela marcação que aparece em sua frente; Kaká, no momento em que é puxado pela nuca; e Elano, tocando na bola enquanto recebe uma "solada" na canela – jogada que provavelmente irá tirar o jogador da partida contra Portugal.
Para quem não viu o jogo (se é que alguém não viu) a Folha passou informações que não remetem a realidade, por puro descuido. Pode parecer bobo, mas as imagens são uma importante ferramenta para o texto e, neste caso, elas mentem. “Concordo com sua avaliação”, disse a ombudsman, Suzana Singer. A editoria de Esportes, para variar, não respondeu.

Diogo Ruic é jornalista e editor assistente do NR

Verdades do coração

reportagem especial

(Parte 3)

A anedota contada pelo irmão Jaime faz crer que de certa forma nem o próprio escritor consegue delimitar exatamente onde termina a realidade e onde começa sua criação. “Não há em minhas novelas uma linha que não esteja baseada na realidade”, costuma repetir Gabo. “Acho que ele aplicou em seu trabalho como escritor um pouco da ideia de um de seus mestres, William Faulkner, que fala sobre as verdades do coração. A história pode não ser completamente fiel aos fatos, mas, mesmo quando se inventam detalhes, há um respeito profundo pelas verdades do coração”, analisa Gustavo Arango.
A fronteira nebulosa entre o real e o fantástico existente na obra do Nobel colombiano às vezes chega ao cúmulo de ser o limite entre a história pré e pós-García Márquez. Em alguns momentos, mais do que moldar-la, o escritor consegue, alterar a história. O chamado “massacre dos bananeiros” - quando os funcionários da United Fruit Company resolveram protestar pelas péssimas condições de trabalho e foram violentamente reprimidos pelas forças armadas colombianas, em 1928 é exemplar. Revisto após a publicação de “Cem Anos de Solidão (1967)”, o episódio tem hoje uma importância histórica muito maior do que há algumas décadas. Inclusive o número de mortos na matança que costuma ser o mencionado – os 3.000 que Gabo cita no livro é muito maior do que o estimado por historiadores. Ou seja, depois de 1967 o que foi uma violenta repressão virou um massacre com milhares de mortos.
Jaime Garcia conta que nos anos sessenta recebeu uma bonita carta do irmão que falava do futuro deles e do país e terminando com uma incumbência: levantar dados sobre o massacre, em especial o número de mortos. Depois de meses de pesquisa, mandou a resposta ao irmão: comprovadas, haviam oito mortes 2.992 menos do que as citadas pelo escritor em sua obra.
A história de Sierva Maria de Todos los Ángeles é outro exemplo dessa capacidade de Gabo de transformar a realidade. A cripta é visitada diariamente, e a reportagem que nunca existiu não raramente é citada como uma das melhores do escritor, não só por seus leitores, mas no meio acadêmico.
“O que ele faz ao mencionar a reportagem que não existiu é usar um expediente para dar verossimilhança à obra, uma coisa comum entre os escritores. Todos sabiamos que não era verdade aquilo, mas hoje há peregrinação para visitar o túmulo”, diverte-se Eric Nepomuceno, escritor e amigo pessoal de Garcia Márquez.

- (leia a parte 1: Dizem que uma mulher de vermelho anda pelos corredores)
- (leia a parte 2: É preciso pinçar o que ele escreve)
 
Tradutor de alguns livros de Gabo, entre eles “Viver para Contar”, Nepomuceno minimiza a importância de se separar o real da criação na obra de García Márquez: “Quem conhece a América Latina sabe que tudo o que está na obra dele pode ou poderia ter acontecido”.
Em 1982, em seu discurso de recepção do Prêmio Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez fez questão de falar sobre o tal realismo fantástico. Segundo ele, a realidade desse universo latino-americano é tão rica, que é preciso pedir “muito pouco” à imaginação. "O desafio maior para nós [latino-americanos] tem sido a insuficiência de recursos convencionais para fazer críveis nossa vida. Este é, amigos, o nó da nossa solidão."

Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé. Amanhã, sexta-feira, a parte 4, final, da reportagem especial "Escritor recebeu pedido para mudar o final do livro". 

quarta-feira, 23 de junho de 2010

"É preciso pinçar o que ele escreve"

reportagem especial

(Parte 2)

 

A poucos metros do convento, um muro alto alaranjado esconde um sobrado de esquina, com um jardim amplo e bem cuidado. O morador do número 38-205 da rua Del Curato, que quase nunca está, é Gabriel Garcia Márquez. A construção da casa do escritor - que desde os anos 60 mora no México -, explica muito da história de Sierva Maria de Todos los Ángeles.
“Na época em que escreveu o livro, Gabito passou muitos meses em Cartagena, porque acompanhava as obras em sua casa. Seguramente a restauração do convento o influenciou a escrever a história”, conta Jaime García Márquez, um dos 14 irmãos do escritor e diretor da fundação criada em 1995 por Gabo para fomentar o jornalismo na América Latina, a FNPI.
Quanto à reportagem citada no início do livro, Jaime García faz uma observação enigmática: “É preciso pinçar o que ele escreve”.
A explicação para o comentário surge quando as peças do quebra-cabeça são aproximadas. Elas não se encaixam. O convento de Santa Clara foi o hospital local universitário de Cartagena até a metade dos anos 70. Abandonado e em ruínas, o prédio foi comprado pela cadeia de hotéis Sofitel em 1987. Gabriel Garcia Márquez pode até ter visitado o local em 1949, mas não acompanhou nenhuma remoção, pelo simples fato de que elas, se de fato existiram, aconteceram quarenta anos depois, na época da restauração.
Os textos de García Márquez em sua época de repórter em Cartagena e Barranquilla foram recompilados, mas não há nenhuma reportagem sobre o convento de Santa Clara. O jornalista colombiano Gustavo Arango, autor do livro “Un ramo de no me olvides: Gabriel García Márquez en El Universal” (inédito no Brasil), buscou e jamais encontrou a reportagem de Gabo no convento.
“O que ele fez no prólogo do livro foi sobrepor eventos. Detrás das imprecisões dos fatos por ele narrados, há verdades muito certeiras. Acredito que a mais importante é apontar essa época como muito importante em sua vida. Suas primeiras experiências como repórter e a influência de Clemente Manuel Zabala no seu início [o nome de Zabala, primeiro chefe e mentor de Gabo, é citado na introdução do livro]”, explica Arango. Segundo o pesquisador, tampouco é de toda verdadeira a afirmação de Gabo de que dia 26 de outubro de 1949 não foi um “dia de grandes notícias” em Cartagena.
“Me dediquei a procurar o que havia acontecido nesse dia, e de fato, na Assembléia Municipal, houve uma violenta briga entre os políticos. Aqueles dias foram intensos em matéria política”, acrescenta.
Arango também teoriza sobre a data citada pelo novelista no prólogo do livro. “Fiz várias conjecturas, talvez descabeladas. Gabo gosta muito do mês de outubro. Em 'Ninguém escreve ao coronel' (1961) ele fala de outubro, das chuvas de outubro. Em muitos outros livros aparecem 'outubros chuvosos'. O 'Outono do Patriarca' (1975) está cheio de outubros. Quanto à data exata, há um dado curioso: em alguns livros antigos fala-se que o momento em que Deus diz: 'faça-se a luz' foi em 26 de outubro. Aproximadamente às nove da manhã.”
Jaime García Márquez também lê o prólogo de "Do Amor e de Outros Demônios" como uma homenagem a Clemente Manuel Zabala. Uma forma que o escritor encontrou de "reconhecer a importância do chefe em seu começo de carreira como jornalista". Para ele, a chave para entender toda a obra do irmão está na autobiografia “Viver para Contar” (2002), mas precisamente na frase fundamental do livro: “A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda e como recorda para contá-la”. Para Jaime, a mensagem é endereçada aos amigos e familiares e tem como objetivo dizer-lhes: não busquem incoerências ou equívocos em minha biografia, essa foi minha vida porque assim são minhas lembranças. “Com essa frase ele nos venceu”, sorri, resignado, o irmão do Nobel de Literatura 1982.

- (leia a parte 1: Dizem que uma mulher de vermelho anda pelos corredores)


Mas o próprio irmão, que largou o trabalho como engenheiro para assumir a fundação criada por Gabo, certa vez o indagou sobre uma passagem do livro em que é citado. “Ele diz que eu dividia quarto com dois irmãos mais novos e passava noites pregando aos menores sobre filosofia e matemática. Eu nunca dormi no terceiro andar daquela casa, nunca dividi quarto com os irmãos que ele cita... Eu tinha três anos, como podia falar sobre matemática com alguém?”. A resposta foi simples e irrefutável: “Você não entende nada. Se você tivesse, naquela época, divido quarto com eles e fosse mais velho, com certeza passaria todo o tempo falando de filosofia e matemática”.

Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé. Amanhã, quinta-feira, a parte 3 da reportagem especial "Verdades do coração".

terça-feira, 22 de junho de 2010

Garantia do direito ao território e mudanças climáticas: o caminho da mitigação

Apesar de serem uma das principais vítimas dos efeitos das mudanças climáticas, os povos indígenas e comunidades tradicionais são pouco lembrados na hora de debater o tema. Foi justamente pensando nisso, que o programa Direito a Terra, Água e Território (DTAT) – constituído pela a agência de cooperação holandesa ICCO e um grupo de 14 organizações no Brasil – realizou a oficina “Mudanças Climáticas e o Direito a Terra, Água e Território”, em São Paulo, entre os dias 7 e 9 de junho. Participaram dos debates cerca de 30 pessoas, entre líderes Guarani, integrantes de comunidades quilombolas, pescadores e pequenos agricultores vindos das regiões Norte, Nordeste, Sul e Sudeste do Brasil.
“A oficina teve como foco o fortalecimento do grupo para que possam influenciar na proposição de políticas públicas relacionadas à garantia do acesso ao território”, disse Augusto Marcos Santiago, assessor de Projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), uma das entidades que compõem o programa.
O modo de vida das comunidades tradicionais é referência no debate de mudanças climáticas porque elas já protegem o meio ambiente e não utilizam os recursos naturais de forma predatória. “Mudanças no clima é um tema que chama a atenção da sociedade para o papel das comunidades tradicionais na conservação dos recursos naturais, o que tem influência direta sobre o equilíbrio do clima. Sua forma de manejo, associado ao conhecimento da biodiversidade garante utilizar os recursos naturais com baixa intensidade e alta diversidade. Conhecimento que nos habilita a participar da discussão”, contou Augusto.
Por isso a luta pelo território é comum a luta pela conservação. A mitigação dos efeitos das mudanças está totalmente ligada ao modo de vida tradicional, gera ativo, enquanto que modelos ditos modernos geram passivos e precisam converter a natureza para conseguir cultivar uma única cultura. “Embora nós não sejamos os responsáveis pelas mudanças na natureza, é graças as comunidades tradicionais é que ainda existe um restinho de mata, porque foi protegido por nós e não pelo governo, já que não existe uma política que consiga frear o problema”, opinou Vandir dos Santos, do Quilombo Porto Velho, no Vale do Ribeira (SP).
Maurício Paixão, do Centro de Cultura Negra do Maranhão, define o tema como novo, contudo as comunidades já agem em favor da preservação há muito tempo. “O nosso trabalho lá no Maranhão para garantir o direito ao território das comunidades de quilombo é para garantir o equilíbrio do clima, qualidade de vida para o país todo“, concluiu.
Segundo Vandir, a sua comunidade já tem seu planejamento e tem consciência que está fazendo a sua parte. “Nós plantamos árvore quando podemos, replantamos em áreas degradadas pelos fazendeiros quando conseguimos recursos. Não temos conhecimento científico, mas o nosso modo de vida, a experiência dos nossos antepassados nos ajuda a traçar nossa meta de preservação, que a curto prazo é recuperar as áreas prejudicadas”, relatou.
Os participantes puderam discutir as causas das mudanças climáticas, já que as consequências muitos deles já sentem no cotidiano em suas regiões. “Na minha comunidade e em todas as outras que eu conheço, já sentimos as diferenças no clima. Por exemplo, a chuva que você espera que viria em agosto não vem mais, às vezes vem em junho ou dezembro. Os rios não têm mais nem 50% da água que tinham e isso nos entendemos que é consequência direta das mudanças”, exemplificou Vandir.
José Alberto de Lima Ribeiro, do Movimento Nacional de Pescadores (CE), relatou o fato de a comunidade onde mora, em Beberibe (CE) ter perdido cerca de 20% do território por causa do avanço do mar. “No litoral brasileiro o avanço do mar é um problema concreto. Nossa área diminuiu 149 hectares em dez anos. O mar avançou”, relatou.
Para Beto Pescador, como é conhecido, é a hora de a sociedade civil tomar decisões, levando em conta que as causas para o problema não está relacionado ao modo de vida das comunidades. “Se todos emitissem gases como os povos tradicionais, o contexto seria diferente. Não dá para colocar todos no mesmo nível. Nós dizemos há muitos anos que esse modelo de desenvolvimento é insustentável. E apesar de tudo seremos nós os que mais sofrerão, as grandes empresas não estão sofrendo nada. Mas nós na beira dos rios e dos mares estamos sofrendo diretamente”, disse.
O aumento da temperatura está relacionado com a emissão de gases por meio da queima de combustíveis, resposnáveis por 80% das emissões no mundo e 23% no Brasil, e também por causa do desmatamento, que somam 75% das emissões brasileiras e 20% mundiais, explicou Márcio Santilli, um dos coordenadores do ISA, uma das entidades do programa DTAT, durante o painel “Mudanças climáticas: causas e consequências”. “Reverter esta tendência implica em mudar a forma de produzir, substituir o uso do combustível, fazer uma revolução desde as grandes indústrias até os consumidores ou comunidades. Os povos que não causaram o problema, mas atualmente também estão implicados nisso”, explica.
Para Maurício Paixão, do Centro de Cultura Negra do Maranhão, esse é o principal desafio: fazer com que as comunidades percebam que o que acontece em outros estados, no meio urbano acaba afetando direta ou indiretamente a vida deles. “Na região do Baixo Parnaíba (MA) os antigos contam que o volume do rio diminuiu, as pessoas reclamam de doenças de pele por causa do calor, até as arvores frutíferas tem um sabor diferente”, relatou.
“O impacto será para todos, mas sem dúvidas os pobres sofrerão mais”, alertou Irmã Delci Franzen, assessora da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, uma das convidadas do mesmo painel. Várias áreas serão impactadas e precisarão de investimentos para as populações conseguirem se adaptar. São os chamados “refugiados do clima”, populações que migram de seus locais de origem por conta de mudanças no clima, como severas secas. “Estima-se que haverá até o fim do século 150 milhões de refugiados climáticos. Precisamos de mudanças concretas o modelo econômico atual, que está ligado à degradação do meio ambiente. É necessária uma resposta coordenada, a sociedade civil e as religiões tem um papel fundamental nisso”, contou Delci. Os povos tradicionais tem uma responsabilidade grande no sentido de trazer saberes milenares para este contexto de crise e isso implica em uma postura política, na opinião de Delci. “A luta social e a climática é uma só”.
A preocupação com os outros biomas também este presente na Oficina. José Ribamar, agricultor e membro do Centro de Defesa e Promoção da Cidadania de Santa Quitéria (Maranhão) lembrou que “enquanto todos só olham para a Amazônia, as empresas estão migrando para outros biomas e desmatando e estes biomas nem tem espaços nas discussões de mudanças climáticas”.

Políticas climáticas
O Brasil estipulou na Conferência do Clima em Copenhague que iria diminuir entre 36 a 38% das emissões de gás carbono até 2020. Contudo, a sociedade civil não sabe como o governo chegou a esse número. “Não houve transparência no processo de elaboração do Plano Nacional de Mudanças Climáticas”, disse Guarany Osório um dos participantes do debate “Políticas Climáticas no Brasil”.
A Legislação Nacional de Mudanças Climáticas tem um vínculo com o debate internacional. O Brasil desenvolveu o Plano Nacional de Mudanças Climáticas em 2008 antes mesmo de implementar a Política Nacional de Mudanças Climáticas e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (elaborados em 2009). “Para se traçar uma meta é preciso ter um inventário de emissões, mas ainda não temos. É necessário esclarecer muita coisa. O governo restringiu a participação da sociedade à consulta de planilhas em sites oficiais. O processo precisa ser participativo e não consultivo”, cobrou Guarany.

Adaptação e compensações
O foco deve ser as ações de adaptação com base em percepções do cotidiano. “E nisso os maiores especialistas são as comunidades tradicionais, que convivem com a natureza de forma intensa. É urgente a necessidade de trabalhar com adaptação e evitar a tendência de subestimar os problemas atuais e superestimar os problemas futuros”, apontou Glauco Kimura de Freitas, especialista em Recursos Hídricos da Organização Não-Governamental (ONG) WWF-Brasil, participante do painel “Impactos das mudanças climáticas para as comunidades locais e os desafios de adaptação”.
Para Marcelo Calazans, coordenador da FASE (ES), a política de compensações, como o Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), é uma falsa solução para o problema. “Pode encher os biomas de REDD que não irá solucionar os problemas do clima. Se por um lado a empresa banca REDD aqui na Amazônia por outro continua a emitir na Europa. Vai se manter o mesmo padrão de consumo e desenvolvimento. As soluções para o clima não podem manter a mesma lógica de consumo. O problema é que o acesso ao debate é muito difícil, as siglas, os contratos são em inglês, o linguajar técnico”.
Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), pondera que a questão está posta e que as comunidades precisam se capacitar para participar e influenciar o debate. “Essa pode ser uma oportunidade de garantir territórios, a regularização fundiária, o acesso a assistência técnica e crédito.” O GTA criou o Observatório do REDD para que as comunidades tenham mais controle em relação aos processos.
Daniel Souza, um dos coordenadores da Malungu Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (PA) outra organização do DTAT, disse que há muita desconfiança por parte das comunidades em relação ao REDD. “Nós precisamos conversar muito ainda, saber direitinho para não sermos passados para trás. Temos que deixar bem claro o que queremos e usar nosso conhecimento”, relatou.
Luís Moura, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma das organizações do DTAT, se mostrou preocupado com o tom econômico do debate em torno do REDD. “Até que ponto o debate catastrófico não vem para legitimar um atropelamento da construção de uma política de compensações de fato soberana das comunidades. É o que eu acho que acontece com o REDD, que veio forte atropelando, como algo imposto de fora para as comunidades”, ponderou
Um dos principais problemas dos mecanismos de compensações, na opinião de Marcelo Calazans, é justamente o fato de ao bancar um projeto de REDD, as empresas ganham a permissão para continuar a emitir carbono em seu país. “A solução é reduzir as emissões já que os efeitos são globais, não adianta se a multinacional continua emitindo lá na Europa”.
“A opinião da via-campesina é que não existe compensação, não há como compensar, os países que poluem tem que diminuir suas emissões, há uma divida ecológica muito grande desses países e eles devem se responsabilizar por isso”, opinou Luís.

Avaliações
“Não me sinto mais sozinho na luta, agora entendo o processo e a luta é mais ampla do que eu pensava”, disse José Carlos Nascimento, do município de Acará (PA), Comunidade Quilombo Guajará, coordenador da Malungu (PA). De acordo com José Carlos foi possível perceber que cada setor trata da questão de uma forma, voltada para seus interesses. “As comunidades que agora já vivem as consequência a visão é de proteger ainda mais os territórios. Por isso vamos levar o que foi discutido para as comunidades com exemplos práticos”.
“Esta oficina nos proporcionou conhecimento para dialogar com os políticos da nossa região, foram dois dias que nos trouxeram muitos elementos para podermos debater nas comunidades e fora delas”, avaliou Maurício Paixão, do Centro de Cultura Negra do Maranhão. Para Nilo Rodrigues, líder Guarani do Paraná, as mudanças já são percebidas no dia-a-dia das populações indígenas, “agora é colocar o que foi aprendido em prática e repassar aos demais companheiros de luta”, disse Nilo.
Para Kátia Santos Penha, do Quilombo Divino Espírito Santo (ES) a oficina organizou as informações em relação ao tema. “Agora ficou mais claro para falar com meus companheiros na base, o tema em si não é novo, mas as siglas e linguagem sim. Mas nós vamos aprender e nos organizar para lutar por nossos territórios”, contou.
Para os participantes se aprimorarem ainda mais em relação ao tema, o programa Direito a Terra, Água e Território (DTAT) realizará, em agosto, o seminário “Defesa do Território das populações tradicionais como estratégia de enfrentamento das mudanças climáticas”, na Comunidade da Prainha do Canto Verde (CE). O pescador Beto enfatizou o objetivo do programa : “ou garantimos o nosso território, com terra, água, recursos naturais ou teremos muitas dificuldades, esse deve ser a nosso direção”.

Bianca Pyl é jornalista

O perigo de uma única história

A escritora Chimamanda Adichie conta a história de como ela encontrou sua autêntica voz cultural - e adverte-nos que se ouvimos somente uma única história sobre uma outra pessoa ou país, corremos o risco de gerar grandes mal-entendidos. O vídeo já está com a legenda em português e a indicação da palestra é do amigo e colunista de NR, Izaías Almada.

segunda-feira, 21 de junho de 2010

De como Gabo transforma mentiras em verdades

reportagem especial

As muralhas que protegem a cidade. O calor inclemente. As sacadas (balcones) das típicas casas do centro antigo. É difícil dizer qual a lembrança mais marcante que tenho de Cartagena de Índias. No um mês que estive na “cidade mais bela do mundo”, como Gabriel Garcia Márquez a chama, caminhei por lugares e conheci pessoas que fazem parte da obra do escritor colombiano. De lá trouxe uma semente de amêndoa, árvore presente nos relatos de Gabo, e a história que a partir de agora conto em quatro partes, até sexta-feira, dia 25. 

(Parte 1)

Dizem que uma mulher de vermelho 

anda pelos corredores

Um senhor de estatura mediana, óculos exageradamente grandes, pele morena e cabelos e bigodes grisalhos, caminha pelo pátio do convento de Santa Clara, em Cartagena de Índias, no Caribe colombiano. Misturado aos engenheiros, arquitetos e operários que trabalham na restauração do prédio, o homem vestido de branco e com um chapéu panamá enterrado na cabeça transita pelo mosteiro em busca de inspiração para sua nova novela. Na visita a uma tumba, o escritor, um colombiano conhecido mundialmente como Gabo, se recorda de uma visita que fez ao convento, quarenta anos antes, por conta de uma reportagem. Lembrança tão viva como se tivesse voltado ao meio dia daquele outubro de 1949 e vivesse aquilo pela primeira vez.
Gabriel Garcia Márquez venceu com dificuldade as poucas quadras que separavam a redação do “El Universal” do convento de Santa Clara. Buscou refúgio na sombra das varandas coloridas do centro da histórica cidade, mas chegou ao mosteiro empapado de suor e descrente de que a tarefa de acompanhar a desocupação das tumbas poderia render muito mais do que alguns centímetros no jornal do dia seguinte. O prédio do século 17 estava prestes a mudar de função: sairiam as freiras e entrariam os hóspedes de um hotel de luxo - motivo da retirada dos restos mortais. Nos fundos da capela, o processo da desocupação das tumbas onde, há séculos, repousavam religiosos e nobres da cidade, já estava em marcha. De um buraco no chão, imersos em uma nuvem de poeira, três operários, em um ritual silencioso e coordenado, retiravam os ossos, faziam com eles pequenos montes e os identificavam. Quando da abertura da terceira cripta, que trazia escrito o nome sem sobrenome de Sierva Maria de Todos los Ángeles, o repórter se deu conta de que aquele 26 de outubro de 1949 ficaria marcado para sempre em sua vida. Quarenta e cinco anos depois, Gabo dedicaria o prólogo de seu livro “Do Amor e de Outros Demônios” a contar essa história.
Na terceira urna, ao lado do evangelho, ali estava a notícia. A lápide se espedaçou com o primeiro golpe de picareta, e uma cabeleira viva, de uma cor de cobre intenso, se derramou para fora da cripta [...] Estendida no chão, a cabeleira esplendida media vinte e dois metros e onze centímetros.
A novela é inspirada na lenda, contada por sua avó, de uma marquesa, dona de uma cabeleira ruiva, tão grande "que se arrastava como véu de noiva", que após morrer de raiva aos 12 anos de idade passou a ser venerada no Caribe por seus milagres. "A ideia de que essa tumba pudesse ser a sua, foi minha notícia daquele dia e a origem deste livro."

Uma catacumba é o atrativo
O antigo convento de Santa Clara é hoje um hotel cinco estrelas, o mais luxuoso da cidade. Em 1987, a rede Sofitel comprou o prédio com a condição de restaurá-lo e preservar suas características. A capela, os quartos das freiras clarissas (transformados em habitações para os hóspedes) e as criptas funerárias,  foi recuperado em um processo que durou quase uma década. E são justamente as catacumbas do prédio, em especial uma delas, o maior atrativo do lugar. No centro de um bar estilo “lounge”, entre um sofá e outro, escondida pela pouca luz do ambiente, há uma escada. Três metros abaixo do nível do chão, em uma salinha pequena, sufocante, e decorada com um candelabro, está a tumba aberta e vazia de Sierva Maria de Todos los Ángeles.
“Não gosto muito de ficar aqui. Não sei, me dá um pouco de medo”, cochicha Yanelis Sepúlveda enquanto desce os seis degraus que levam à cripta. A mulata de 28 anos, bela e elegante, é consierge do hotel Santa Clara desde 2002. Está acostumada a mostrar a "hóspedes especiais" (leia-se autoridades e afins) o amplo jardim do antigo convento onde as clarissas cultivavam rosas, os túneis que ligavam clandestinamente as freiras ao mundo exterior e as antigas habitações do mosteiro.
Com um sorriso no rosto, apresenta aos visitantes a capela barroca, o antigo refeitório (hoje um luxuoso restaurante) e lhes pousa Clara, um simpático tucano, nos braços para fotos. Mas se não for solicitado, Yanelis desvia das lápides e das celas onde as freiras de mau-comportamento (como Sierva Maria de Todos los Ángeles no livro de García Márquez) eram enclausuradas. Para ela, o lugar é assombrado.
“Dizem que há uma mulher, vestida de vermelho, que costuma andar pelos corredores. Eu nunca vi. Mas também nunca ando sozinha aqui de noite. Nunca vi nada, mas já escutei uma gargalhada muito alta vinda de um quarto que estava desocupado. Também já senti uma respiração no meu pescoço quando eu entrava na capela”, mostra o braço com os pêlos levantados.
Leitora atenta de Garcia Márquez, Yanelis consegue identificar no convento os cenários descritos pelo escritor na novela, mas traz consigo uma dúvida: “Gostaria de perguntar a ele, saber o que é sua criação e o que é verdade nessa história toda. Se ele realmente entrou na cripta, se a Sierva Maria estava lá. O que ele viu, de verdade, quando entrou lá”.
A pergunta poderia ter sido feita pessoalmente ao escritor em duas oportunidades, mas faltou coragem à mulata. “Em uma delas, era para um encontro muito confidencial. Estava cheio de seguranças, ele ia se encontrar com alguém para mediar um processo de paz. Alguma coisa a ver com a ONU. Não me atrevi. Da outra, era uma festa. Eu vi aquele velhinho tão divino e fiquei com vergonha de atrapalhar a festa dele”, lamenta.
O hotel, cuja hospedagem mais econômica custa 350 dólares, permanece algumas horas do dia aberto à visitação. Diariamente, curiosos acudem à sala das criptas. Em um livro de presença aberto sobre à lápide os amantes da prosa de García Márquez deixam suas mensagens; em geral, registros de passagem como este: “No dia 11 de agosto de 2009, Vinicius e Carolina estiveram em Cartagena e visitaram a tumba de Sierva Maria de Todos los Ángeles.” Há quinze anos, a história dos metros de cabelos encanta e comove leitores do mundo todo.

Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé. Amanhã, quarta-feira, a parte 2 da reportagem especial "É preciso pinçar o que ele escreve". 

Promoção Musical NR e S de Samba exclusiva via Twitter

Os leitores que derem RT em @notaderodape Promoção Sambazz Jair Oliveira http://migre.me/R5lU via Twitter concorrem no sorteio desta sexta-feira, 25, a um par de ingressos + camiseta exclusiva para o show Sambazz do cantor Jair Oliveira, no Tom Jazz, na Av. Angélica, Higienópolis, São Paulo, SP. O show acontece neste próximo sábado, 26, às 22h. O prêmio é válido apenas aos que puderem estar em São Paulo. A promoção é uma parceria Nota de Rodapé e S de Samba.

O show
A mistura de dois gêneros - o samba e o jazz – é também o título de dois produtos: um disco e um livro, lançados pelo selo S de Samba e pela editora Leya por Jair Oliveira. O álbum reúne canções que mesclam diferentes vertentes do samba ao jazz e suas variáveis, com pitadas de soul e funk setentista. Já o livro, que traz o CD encartado, possui fotos, partituras e registra todo o processo de produção do álbum, da composição à mixagem, permitindo que o leitor/ouvinte penetre no universo da música e na carpintaria da produção de um disco. No show Jair Oliveira apresentará ao público suas novas músicas e também hits de disco álbuns anteriores como “Tiro Onda”, “Bom dia Anjo”, “Falso amor”, entre outros. A banda que o acompanhará é composta por Dudinha (baixo), Jota Erre (Percuteria) e Marcelo Maita (teclado).

O cantor
Jair Oliveira é cantor, compositor, arranjador e produtor musical. Empresário, comanda o selo e produtora ‘S de samba’; como ator, participou de dois longas-metragens. O multi-instrumentista é formado em Produção Musical e “Music Business” pelo Berklee College of Music. Lançou nove discos e produziu inúmeros artistas, entre eles Luciana Mello, Jair Rodrigues, Wilson Simoninha, MPB-4 e Tom Zé. Como compositor tem suas canções gravadas por nomes como Pedro Mariano, Ed Motta, Ney Matogrosso, Wilson Simoninha, Patrícia Coelho e Vanessa Jackson, entre outros.

Dose dupla: promoção literária Nota de Rodapé e Tomás Chiaverini

Em agosto os leitores concorrem a dois exemplares autografados dos dois livros do jornalista Tomás Chiaverini: Cama de cimento – uma reportagem sobre o povo das ruas e Festa Infinita – o entorpecente mundo das raves, ambos publicados pela Ediouro

Os leitores cadastrados no “Boletim Rodapé” ou os que deixarem nome, cidade e e-mail nos comentários desta promoção concorrem no dia 15 de agosto a dois livros (dois exemplares de cada título) do jornalista Tomás Chiaverini, que mandou aos nossos leitores a seguinte mensagem:

“Jornalismo que flerta com a literatura. Esse, pra mim, é o grande charme dos livros-reportagem. Estatísticas, pesquisas científicas, ou furos de reportagem pouco me interessam. O que eu quero, com meus livros, é que o leitor, ao menos em certos momentos, vivencie a experiência relatada. Quero que ele se sinta na pele de meus personagens assim como quem lê um romance vivencia as aventuras do protagonista.
Por isso também acho importante colocar a figura do repórter no texto, narrar em primeira pessoa. Porque assim, eu espero que meu leitor entre na minha cabeça e me acompanhe através das páginas. Eu quero que ele venha comigo. Quero que ele vista minha pele de repórter e experimente o pavor de passar uma noite embaixo de um viaduto, esperando ser esfaqueado por um traficante de crack. Quero que perambule pela Praça da Sé vestido de mendigo, que embarque disfarçado numa perua para ser recolhido a um albergue municipal. Quero que ele viaje com 40 malucos até o interior de Goiás, para passar uma semana dentro de uma festa que parece realmente infinita. Quero que ele sinta o cheiro de haxixe numa pista de dança perdida nos confins da Bahia. E quero, por que não, que ele engula comigo um comprimido de extasy e mergulhe em horas ininterruptas de transe sob o som hipnótico da música eletrônica.”

OS LIVROS

Cama de cimento – uma reportagem sobre o povo das ruas

Publicado em 2007 o livro é um retrato forte, objetivo e comovente da vida das pessoas que foram obrigadas ou escolheram, por conta própria, viver nas calçadas de uma das maiores cidades do mundo.
Para elaborar o trabalho, o repórter colheu dezenas de depoimentos, ouviu especialistas e, durante um ano, perambulou pelas regiões mais inóspitas e degradadas da cidade. A fim de tornar a narrativa mais próxima possível do leitor, o autor viveu na pele a realidade dos moradores de rua. Disfarçou-se de mendigo, foi recolhido a um albergue municipal pela prefeitura, e dormiu noites embaixo de viadutos, misturado a desabrigados, traficantes de crack e alcoólatras crônicos.
Às experiências vividas pelo repórter, somam-se perfis dos desabrigados e de pessoas que se dedicam a tentar mudar esta realidade. Histórias de vida que criam um panorama amplo e humano do cotidiano dos moradores de rua, com todos os seus dramas, dificuldades e aspirações.
O resultado é um relato instigante, livre de juízos de valor, narrado num texto fluído e coeso, porém dotado de elementos sutilmente literários.

Festa Infinita – O entorpecente mundo das raves

Longas festas, em lugares afastados, com muita música eletrônica e drogas sintéticas. Para muitos, essa pode ser a definição das festas raves, tão comuns hoje em dia, mas o repórter mostra que o universo raver vai muito além.
Enquanto acompanha a história de pessoas que frequentam as raves, Tomás mostra como são essas festas. O uso de ecstasy, LSD e outras drogas, o transe através da música, a filosofia P.L.U.R. (Peace, Love, Union, Respect).
DJ famosos, organizadores de festas, bomba trancers, neo-hippies, pessoas que se penduram por piercings, e também jovens comuns, que estudam ou trabalham a semana toda para passar o final de semana pulando ao som do psytrance, todos são personagens desta história onde as mais diversas tribos se reúnem com o mesmo objetivo: deixar-se hipnotizar pelo tummm, tumm, tumm que vem de gigantescas caixas de som.
Chiaverini fequentou raves e passou mais de 30 horas dentro de um ônibus, com cerca de 40 ravers para ir ao festival Trancendence, acompanhou, durante 20 dias, o Universo Paralello – um dos maiores festivais do país - e até mesmo experimentou um ecstasy para compreender o efeito da droga associado a música eletrônica, tão apreciado por inúmeros jovens.
Depois de cerca de 1 ano de muita pesquisa o livro-reportagem ficou pronto e repleto de informações e fotos que demonstram como a realidade dessas festas vai muito além do consumo de drogas descrito nas matérias de jornais.

O AUTOR

Formado em jornalismo, Tomás Chiaverini foi repórter da Folha de S. Paulo e teve matérias publicadas em importantes revistas e sites. Seguindo a linha de jornalismo imersivo, seus dois livros retrataram dois mundos muito particulares, os dos moradores de rua e das festas rave. Blogue do Autor: http://antesdaestante.wordpress.com/

No limite da irresponsabilidade

Há qualquer coisa de sinistro na figura do candidato José Serra. Não digo isso com qualquer intenção de atacar gratuitamente um candidato à presidência da República, nem para fazer coro com os que, com ou sem razão, tentam desprestigiá-lo. Devo confessar que nunca prestei muita atenção ao homem público José Serra, mas desde que ficou evidente a sua obstinação em ser um dia presidente do Brasil, obstinação cada vez mais acentuada nos últimos anos, tornou-se impossível não acompanhar algumas das suas falas, das suas atitudes ou mesmo de seus atos como administrador. É o mínimo que um eleitor pode e deve fazer.
O fato de um dia ter sido considerado um homem de esquerda e hoje construir o seu discurso mais ao gosto do conservadorismo de vários matizes não é o que mais impressiona. A História está cheia de exemplos de pessoas que passaram de um extremo ao outro no arco da ideologia e de sua representação em termos de política partidária. Temos no Brasil dois exemplos emblemáticos dessa migração de ideias ou de ideais, para ser mais preciso: Carlos Lacerda e Dom Helder Câmara.
Não. O que verdadeiramente impressiona e chama a atenção no atual candidato do PSDB à presidência, nesses últimos oito anos, pelo menos, é a dissintonia existente entre o que fala, como age e o que faz com os cargos políticos que ocupa ou aspira. Inventa dados (algumas entrevistas sobre economia), distorce fatos (entrevistas sobre enchentes em São Paulo), acusa sem provas (diz que o governo da Bolívia facilita o envio de cocaína para o Brasil), mente (sobre completar o mandato na prefeitura de São Paulo), age às escondidas (os blogs de baixaria contra a candidatura de ministra Dilma Roussef) e – o que me parece bem grave – quando confrontado com um dado concreto da realidade, como a epidemia da gripe suína, por exemplo, faz categóricas afirmações destituídas de um mínimo de conhecimento sobre o qual foi questionado, beirando ao ridículo. (Serra afirmou em entrevista que para se evitar a gripe suína bastaria a pessoa não ter contato muito próximo com os porquinhos)
A tal ponto José Serra vai se enveredando por um caminho político tortuoso, que já é possível identificar aqui e ali alguns sintomas do seu destempero. Um jornalista equilibrado como Luiz Nassif assim se expressou recentemente em seu blog: “Serra tem um monte de defeitos, mas o que anda dizendo não bate com seu histórico. Sempre foi um sujeito cartesiano, dono da boa opinião. Por tal, entenda-se a capacidade de assimilar conceitos inovadores divulgados pela mídia. Nunca foi de se aprofundar em nenhum tema, de assimilar nenhum conceito mais complexo – não por falta de capacidade, mas de gosto. Fora os temas das contas públicas – para os quais tem dois excelentes professores, o José Roberto Afonso e o Mauro Ricardo e de comércio exterior – não se conhece uma área em que tenha aprofundado os estudos. Mas o que anda dizendo, o linguajar chulo, as bobagens diplomáticas não batem com seu histórico de sujeito racional.”

Mais prudência
Nassif é um homem educado, vê-se logo. Deve saber muito bem o que está falando nas linhas e nas entrelinhas. O assessor presidencial Marco Aurélio Garcia afirmou ainda que Serra "deveria ser mais prudente" em suas declarações, que não são compatíveis com as suas "aspirações" ao cargo de presidente.
Colocado no palco da disputa eleitoral mais importante da sua vida, o que não é segredo para ninguém, a impressão que fica é a de que José Serra tem mais ambição do que competência. Tem mais vontade do que discernimento. Não é um homem preparado para a função que almeja, ao contrário do que prega. E aqui volto à abertura do artigo, o lado sinistro de Serra. Por quê toda essa obsessão em fazer uma coisa para a qual não está preparado. O que Serra pensa? Qual sua visão do mundo atual? Qual seu programa de governo? Perguntas simples, mas que cada vez mais se tornam difíceis de serem respondidas pelo candidato da oposição.
José Serra parou no tempo. Vive, para dizer o menos, nos anos 80 e não percebeu que o mundo mudou de século. Que o Brasil mudou de norte. Que a vida se faz com alegria e entrega, com solidariedade, e não com acusações e cara amarrada. Com respeito e não com inveja. Serra representa um retrocesso perigoso para um país que, a duras penas, vai tentando organizar sua economia e aplicar melhor seus recursos em programas sociais. Quem insiste em não enxergar esse quadro, como Serra, está no limite do suicídio político, pois não distingue a realidade dos seus desejos interiores.

Izaías Almada é escritor, dramaturgo e colunista do Nota de Rodapé

sábado, 19 de junho de 2010

E agora, José?

Para José Saramago, o poema José, de Carlos Drummond de Andrade, era como um mantra. O escritor contou que o repetia cada vez que a vida lhe trazia uma dúvida. Saramago morreu ontem (dia 18 de junho), em sua casa, em Lanzarote, na Espanha, aos 87 anos. Feito o anúncio, surgiu na internet farto material sobre o escritor português – muita coisa já na gaveta, preparado em 2008 quando ele quase foi embora.
Eu, simples leitor (atento, é bem verdade) de Saramago, me atrevo a escrever sobre. Espero acrescentar algo.
Antes de ateu, pró-Cuba, comunista, expulso de Portugal, “inimigo” da Igreja e dono de uma escrita única, José Saramago foi um grande escritor e um grande homem.
Homem de origem simples, de família de camponeses, o escritor tinha o avô, que era analfabeto, como maior exemplo. Fez questão de falar disso quando recebeu o Nobel, em 1998. “O homem mais sábio que conheci não sabia ler nem escrever.” Jorénomi Melrinho, que se despediu da figueira que tinha no quintal quando, sabendo que ia morrer, foi levado ao hospital, jamais soube que o neto seria escritor e usaria muito do que com ele aprendeu para criar seus personagens. Figuras humildes e encantadoras, como a camareira Lídia em O Ano da Morte de Ricardo Reis:
Se não quiser perfilha o menino, não faz mal, fica sendo filho de pai incógnito, como eu. Os olhos de Ricardo Reis encheram-se de lágrimas, umas de vergonha, outras de piedade, distingua-se quem puder.
Ou o revisor Raimundo Silva, em a História do Cerco de Lisboa:
Raimundo Silva olhou e tornou a olhar o universo, murmurou sob a chuva, Meu Deus, que doce e suave tristeza, e que não nos falte nunca, nem mesmo nas horas de alegria.
Saramago também foi capaz de criar diálogos simples e profundos, como este entre Fernando Pessoa e Ricardo Reis:
Sempre vivi só, Também eu, Mas a solidão não é viver só, a solidão é não sermos capazes de fazer companhia para alguém ou alguma coisa que está dentro de nós.
E o que dizer das reflexões de seus narradores, como em A Janguada de Pedra?
A barca de pedra está lá, alta e aguda como na primeira noite, Pedro Orce não estranha, cada um de nós vê o mundo com os olhos que tem, e os olhos vêem o que querem, os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas, ainda que sejam de pedras, e as altas proas, ainda que sejam de ilusão.
Em uma época em que livros de auto-ajuda são best-sellers, ler Saramago serve como antídoto: nunca fechei um livro seu como respostas prontas; sempre, cheio de perguntas e inquietações.
Uma vez perdi um livro de Saramago no ônibus. Faltavam menos de 20 páginas para terminar. O ódio por minha burrice deu lugar à resignação quando pensei que a pessoa que o encontrasse poderia conhece-lo e tirar proveito da obra. Fui a uma livraria e, de pé, devorei as páginas que faltavam.
Que sua morte sirva para que seus livros sejam lidos ainda mais. Em O Ano da Morte de Ricardo Reis, Saramago desenvolve a tese de que, assim como demoramos nove meses para nascer, demoramos nove meses para morrer. Sua obra o tornará imortal.

Olhos precisos
Antes de tudo, esse português foi um homem capaz de ver o mundo como poucos. Por trás de lentes enormes para corrigir a miopia, estavam olhos precisos; de um homem sábio, dono de um senso de justiça e amor ao próximo que nada tinha que ver com religião, mas humanidade. Homem que nunca perdeu os ideais e a utopia de mudar o mundo, e que usava a literatura como arma. “Antes escrevia porque não queria morrer. Mas agora mudei. Hoje escrevo para compreender o que é um ser humano.” Acrescentaria: e para ajudar-nos a tentar compreender essa incógnita.
Em uma entrevista, pediram a Saramago um conselho aos jovens. O escritor demorou uns instantes e respondeu: “Não percam tempo, mas também não tenham pressa”.
Pressa foi o que o português não teve na vida. Escreveu seu primeiro livro aos 25 anos e descobriu, segundo ele mesmo, que nada tinha a dizer. Calou-se por mais 20 anos. Costumava dizer que tudo na sua vida aconteceu tarde: virar escritor, conhecer o grande amor da vida...
E a morte, veio na hora certa? Saramago morreu aos 87 anos, lúcido e produtivo. Há duas semanas disse a Pilar, sua mulher, que tinha vontade de escrever um novo livro. Foi aconselhado a esperar, porque tinha a saúde debilitada.
Saramago se foi. Azar dos que ficam, que agora se perguntam: e agora, José? A luz se apagou.
Pilar colocou sobre o corpo de Saramago, velado na biblioteca de sua casa, um lenço com os seguintes dizeres: estaremos extremamente conectados à bondade do mundo. A frase fora mandada por um leitor argentino.
Recomendo a leitura de dois excelentes textos sobre Saramago publicados por conta de sua morte. De Luiz Schwarcz, Saudade não tem remédio. E de Juan Cruz, La felicidad era uma isla para Saramago.

Ricardo Viel é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Saramago partiu sereno e tranquilo

O mundo hoje está mais triste, a humanidade mais desinteressante, o mundo das ideias e dos ideais, mais pobre. Morreu nesta sexta-feira, 18 de junho, o escritor José Saramago, aos 87 anos, “em consequência de uma múltipla falha orgânica, após uma prolongada doença. O escritor morreu acompanhado da família, despedindo-se de uma forma serena e tranquila”, informou em nota a Fundação que leva seu nome.
Saramago tinha a saúde debilitada há algum tempo. Em 2007, uma doença respiratória conseguiu o impossível: fazer o ateu convicto quase acreditar num milagre, o da sua recuperação. Pelo menos foi o que ouviu dos médicos. E também impediu o escritor de escrever. À época, Saramago se viu obrigado a interromper a produção da obra “A Viagem do Elefante” por seis meses. Apenas dois dias após a alta médica, retomou o que considerava o livro mais jovial e mais divertido que já escreveu. Saramago contou essa história com o bom humor típico de suas sempre brilhantes palavras durante o lançamento do livro no Brasil, em novembro de 2008.
“Foi escrito em estado de pura felicidade por ter escapado. E mais: saí dessa doença com uma serenidade interior que nunca tinha experimentado. Pilar diz que é um livro cheio de sabedoria... e talvez seja”, disse, emocionado, a uma plateia privilegiada, de pouco mais de 700 pessoas, que ouviu naquele dia, durante quase duas horas, o escritor pensador falar de sua vida, suas histórias, do amor pela mulher, Pilar del Rio.
Eu estava lá e tive certeza de que aquele era um momento da minha vida do qual me orgulharia sempre, sentiria saudades e sobre o qual lembraria com muita dor quando Saramago se fosse. E foi exatamente como me senti hoje.
Saramago é um gênio, um escritor criativo, um contador de histórias como poucos. Mais que tudo isso, José Saramago era um homem muito especial. Escrevia sobre as injustiças do mundo e, sem alarde, trabalhava para ajudar a corrigi-las. O mais recente lance foi a reedição de seu livro “Jangada de Pedra”, cuja venda foi totalmente revertida para o fundo da Cruz Vermelha no Haiti. O que segundo ele só foi possível graças “à pronta generosidade das entidades envolvidas na edição do livro”.
Saramago era assim. E faz cada vez mais falta ao mundo seres da espécie humana que sejam assim: verdadeiros, poéticos, generosos, simples.
Seus dias de sobrevivente, como se autodefinia, acabaram. Faz lembrar daquela noite em que falava para o auditório lotado sobre o fim da viagem do elefante “que fez longa viagem num rigoroso inverno, para ter um triste fim. Uma metáfora que trata da inutilidade da vida, de não conseguirmos fazer da vida mais do que ela é”.
Mas Saramago conseguiu. Fez da vida mais do que ela é.

Claudia Motta é jornalista e escreveu especialmente ao Nota de Rodapé

quinta-feira, 17 de junho de 2010

A mofa é da política e não do CQC

A notícia de que o presidente interino da Câmara, Marco Maia, do PT do Rio Grande do Sul pediu à assessoria jurídica da Casa proteção para evitar “constrangimento” de parlamentares por jornalistas não me surpreendeu. Por mais que eu não concorde com o pedido de querer inibir o bom trabalho do CQC (Custe o Que Custar) não me parece adequado tergiversar sobre o fato real de que parlamentares assinam sem ler as Propostas de Emenda a Constituição (PEC).
Na edição de segunda-feira, 14, o programa da TV Bandeirantes foi à Câmara com uma atriz contratada para colher assinaturas para que uma suposta PEC pudesse tramitar. O documento trazia a inclusão de um litro de cachaça na cesta básica entregue pelo Programa Bolsa Família. Assisti ao quadro (veja no vídeo abaixo) e, se não me engano, apenas um parlamentar não assinou. Um deles, no entanto, perdeu a linha e agrediu a equipe do programa. Estava na pauta a repórter Monica Iozzi que foi empurrada pelo parlmentar Nelson Trad do PMDB do Mato Grosso do Sul. Advogado e professor, Trad foi um dos que subscrevera o tal abaixo-assinado sem ler. Além de um palavrão o político emendou um “tapa-soco” no cinegrafista da equipe.

Mediocridade exposta incomoda
Não é de hoje que o CQC expõe com bom humor a mediocridade e falta de preparo de muitos parlamentares brasileiros. Não estou generalizando, mas em linhas gerais o saldo do programa nas abordagens é de deixar boquiaberto o telespectador. Perguntas sem resposta ou com afirmações erradas e estapafúrdias são frenquentes. “Qual Coreia é a comunista?”, “O que é DNA?”, “O que significa PSDB?”, “O que é Reffis?” revelam nas respostas desinformação entre os políticos que “comandam” o país. Muitos deputados fogem e outros entram na brincadeira rindo de si mesmo. O CQC é um programa que faz um trabalho relevante e deveria continuar assim. Quanto aos outros humorísticos como Pânico e afins não opino porque não assisto.
Segundo Maia, as ações devem preservar a liberdade de imprensa, mas assegurar o direito dos deputados de não autorizarem o uso de imagens pelos programas de humor.
Digo, então, Marcos Maia, que quem fica constrangido sou eu ao saber que além de desinformação por parte dos seus colegas com questões óbvias, vocês consideram “ato comum” assinar uma PEC sem ler. Isso é irresponsabilidade e os jornalistas que cobrem Brasília deveriam, sim, como fez o CQC, denunciar essa excrescência cotidiana.
Nelson Trad aparece como vítima do episódio e não é! Falou ontem em pronunciamento na Câmara dos Deputados e recebeu apoio de vários deputados, entre eles, José Genoino (PT-SP). O deputado sul-mato-grossense disse esperar que essa possível medida de inibir o trabalho dos jornalistas-humoristas “sirva de lição e não faça novas vítimas de um programa inconsequente que coloca em dúvida a seriedade da TV brasileira”. E a seriedade dos deputados? E de que tevê brasileira estamos falando? Não se esqueça, caro deputado, que um colega de partido, Antônio Carlos Martins de Bulhões (PMDB-SP), é o político que detêm o maior número de veículos de comunicação em seu nome (sete), contrariando a Constituição Federal. Seria ele, portanto, um inconsequente?

Verborragia não resolve
Segundo o site Donos da Mídia, 271 políticos são sócios ou diretores de 324 veículos de comunicação no Brasil. No Mato Grosso do Sul, seu Estado, três políticos controlam 6 canais de comunicação. Antonio João Hugo, senador pelo PTB (3 veículos); Ilda Salgado Machado, prefeita pelo PL (1 veículo) e Londres Machado, deputado estadual pelo PL (2 veículos).
O senhor atribui uma agressão a “legitima defesa” e que, portanto, “não precisa pedir desculpas” já que defendeu sua “dignidade” e a “instituição” a que pertence há mais de 30 anos. Quer dizer que faz tempo que o senhor anda pelos corredores assinando documentos sem ler? Em vez de verborragia em plenário vamos discutir, de fato, a atuação da tevê como educadora e formadora e rever as concessões públicas, muitas delas, nas mãos de seus colegas?



Thiago Domenici é jornalista

Ato 5 Al Primo Canto

Texto do meu mestre Sérgio de Souza, criador de Caros Amigos e editor de texto da fantástica revista Realidade. Publicado em maio de 2008 no especial Caros Amigos. Para relembrar o que é bom e faz falta. Serjão passou por quase todos grandes veículos de mídia impressa e eletrônica do país, como Folha de S. Paulo, repórter da sucursal da Bloch, revistas Manchete e Fatos e Fotos; Notícias Populares; Quatro Rodas; Realidade; O Bondinho, Grilo, Revista de Fotografia, Jornalivro, Ex. Editou com José Hamilton Ribeiro o jornal O Diário, de Ribeirão Preto; semanário Domingão; Aqui São Paulo, de Samuel Wainer; Foi diretor de jornalismo das rádios Globo, Excelsior e da TV Tupi; editor- chefe do Jornal da Bahia, em Salvador; editor de texto da revista TenisEsporte; editor-chefe do programa Fantástico; diretor da Divisão de Realidade da TV Bandeirantes; editor dos programas Nossa Copa, O Limite do Homem (apresentado por Célia Pardi) e Barra Pesada (apresentado por Octavio Ribeiro, o Pena Branca), para a TV Record; revista Placar; revista Globo Rural; criador e editor de Caros Amigos, a mais duradoura e última criação.

Na pizzaria, todos sorriam logo à entrada. Pudera, o forno bem ali à vista, a lenha queimando, o homem de branco alisando a massa com o desvelo de um pediatra, a bacia enorme vermelha até à boca de molho de tomate, o orégano perfumando o ar – aquela promessa toda, se já é irresistível para o paulistano comum, que dirá para um que foi criado no Bom Retiro, lá ora baixo, à beira da várzea, no miolo do quarteirão compreendido pelas ruas Sólon, Anhaia, Barra do Tibagi e dos Italianos? Lá onde até um crioulo retinto e jovem como o Ribim jogava morra no “bar do vinheiro” fazendo-se ouvido a meia quadra de distância com sua cantada frenética acompanhando o movimento da mão direita que batia na mesa e voltava no abre-e-fecha cadenciado do Cinque! Otto! Sei! Ter! Morra! Ter! Due!...?
Pizza com bastante tomate e um jornal no forno, prestes a ser lançado, o boneco pronto, as matérias do número zero até tituladas já, quem podia querer mais do que isso? E que matérias! Lembro ainda de algumas das principais chamadas de capa: a escalada da violência, uma reportagem que partia do emergente Esquadrão da Morte para projetar um quadro futuro sombrio quanto ao armamento não só das mãos, mas pior e principalmente dos espíritos; o começo do fim de Pelé, que passava a alimentar com sofreguidão seu lado argentário através de seguidos contratos de publicidade, transformando em artigo de consumo a reverenciada imagem de maior ídolo do País; havia colunistas também, por exemplo dois Chicos: um Buarque, o outro Anísio. Ia ser um grande semanário o “Idéia Nova”, tablóide cujo projeto de execução nos fora confiado por um dos maiores jornalistas e editores que o Brasil já conheceu – Samuel Wainer.
Aliás, acabávamos de chegar da “redação” que Samuel mandara improvisar na suíte de um hotel da Boca do Lixo. Máquina de escrever, papel canetas Bic, tudo de que se precisava para fazer um bom jornal. Além de homens, uma equipe de jornalistas como raras vezes se consegue reunir em torno de um projeto de publicação, quase todos recém-saídos da revista “Realidade”.
Samuel estava no Rio, e nós terminávamos de estraçalhar a primeira de mozzarella quando o rádio divulgou a notícia, que nos arrastou a todos, num lance, da mesa para junto do rádio, no balcão: o Presidente Costa e Silva acabava de decretar o Ato Institucional n°5, diziam todas as estações, em cadeia. Era a noite de 13 de dezembro de 1968. O ar azedou, a cor viva da pizzaria desbotou-se, nós, a equipe eufórica de um minuto atrás, nos entreolhamos em silêncio de luto. Inaugurava-se uma era de censura, e uma publicação aberta e combativa, e ainda por cima pertencente a um editor cassado – Samuel – perdia a razão de ser. “Idéia Nova” morria no útero.
Talvez esse viesse a ter sido o melhor jornal da minha vida.

quarta-feira, 16 de junho de 2010

Raridade: Tom Jobim e Milton Nascimento "Eu sei que vou te amar"

A música Eu sei que vou te amar, de 1958, um samba-canção de autoria de Tom Jobim e Vinicius de Moraes é das letras mais características do que vou chamar de brasilidade. Aquilo que se ouve e se identifica o Brasil, sua poesia, qualidade musical e afins. Deve ser das canções mais executadas de todos os tempos, gravada em diversas vozes. Ivete Sangalo, Caetano Veloso, Gal Costa, Roberto Carlos, Maria Bethania, Adriana Calcanhoto etc.
No entanto, achei essa raridade da década de 90, num Especial Tom Jobim e Milton Nascimento, gravado no palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, nos estúdios da TV Bandeirantes. Raridade até no Youtube com pouco mais de 400 visitas. A qualidade não é das melhores, mas ver Milton e Tom juntos, banquinho e piano, é espetacular.

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