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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Vai tarde mas deixa aprendizados e conquistas

Essa é a última postagem do blog em 2008. Retomo na volta das férias, dia 5 de janeiro de 2009. Estarei não muito longe de São Paulo, mas o suficiente pra tentar recuperar a energia. A paulicéia suga em demasia. Alguns amigos supersticiosos me disseram que ano ímpar é sempre melhor. Talvez seja. Até porque, acho complicado ano que vem ser pior que 2008, pessoalmente muito doloroso e complicado. Comparo apenas a 1999, quando perdi meu pai e a vida familiar estava pra lá de tumultuada.
No entanto, 2008 me ofereceu aprendizados relevantes.
Gente querida se foi e isso dói, como citei no postagem anterior. Dói que é absurdo.
E os amigos, ahhh, o que seria de mim sem eles. Gente leal e amada que conheci e que somou demais nesse ano. Gente inesquecível. O verdadeiro valor da amizade a gente saca na hora que a perna bambeia e vem a mão pra te reerguer. Eita "putada" boa e essencial pra mim. Tem muita gente importante mesmo. Difícil até de escrever. Nem vou me alongar. O importante é que a gente siga acreditando que dá pra fazer a diferença, que dá pra mudar, que dá pra ser digno e ético num mundão meio fodido e cheio de problemas - de crises a catastrofes economicas, sociais e ambientais. Que o jornalismo não se perca mais e que eu possa, na medida do possível, porque nem sempre permitem, praticar um jornalismo respeitável. Quanto aos escrotos, e olha que vi e descobri muitos saindo dos esgotos durante o ano, não digo mais que um simples "que se fodam." Um brinde aos novos projetos - coletivos, de preferência - e que venha 2009. Deixo aqui um texto meu, um pouco romântico ou muito, mas verdadeiro. Espero contar com mais visitas e trazer mais textos "com algum sentido" para este blog em 2009.

O beijo do mundo.

Não se faz declaração de amor sem um beijo do mundo.
O beijo do mundo é simples, pacato, de certa maneira volátil, pois o beijo do mundo são as aventuras do nosso pensamento.
Os dias são feitos de cotidianos prontos, embalados e mastigados e aceitamos ou não fugir dele.
O beijo do mundo é acessível.
O bom e o mau humor, antagônicos, paradoxos imutáveis da nossa existência.
Motriz clara do beijo do mundo.
Coração e presságio do porvir.
O acordar e lavar o rosto, escovar os dentes, o vestir da calça, a xícara personalizada, o dia todo de tarefas.
É pouco do que há e do que somos verdadeiramente.
O mundo: é preciso estar abraçado por ele, estar com ele e viver nele, mesmo querendo o oposto.
O travesseiro deixa a mancha do último sonho, a lágrima do último choro, o grito abafado da angústia de viver e sempre querer mais.
Beije o mundo e declare seu amor nas entrelinhas ou escancare para as montanhas ecoarem – poético.
Sofra depois de tentar – é o mínimo.
O beijo do mundo não vem, você o tem.
Basta aventurar os pensamentos (misto de sentimentos) e declarar-se aos que valem a pena mesmo que incorra no rótulo de ridículo.
Isso é pra vocês, um recado confuso, mas presente.
Um recado que diz que estou aqui e que amo vocês.
Sintan-se beijados e abraçados.
Sem palavras, só carinho.
Um beijo do meu mundo.

Thiago Domenici (2008)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Na berlinda em London City

Nosso papudo ex-presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, não imaginava pegar um jornalista da BBC tão bem preparado e sem rabo preso. Mal acostumado com a imprensa brasileira e seus papagaios oficiais, esse vídeo no youtube (em duas partes) é uma boa lição de como fazer uma entrevista séria. Serve também pra relembrar alguns episódios que teimam em ser esquecidos. Por que será?

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ensinamentos do Serjão

Taí um texto sobre o meu mestre e de muitos, Sérgio de Souza, que se foi em 2008 e deixou muitas saudades e ensinamentos. Sempre que eu puder, trarei textos, lembranças, sobre quem foi Serjão e o que significa para o jornalismo. Esse é da minha amiga Natalia Viana, repórter das melhores. Para quem tiver interesse no trabalho dela, fica a dica do seu livro, Plantados no Chão, sobre assassinatos políticos no Brasil e que pode ser baixado na internet.

Quando entrei na Casa Amarela, havia decidido que era a última chance que eu dava ao jornalismo. Havia saído fazia alguns meses da faculdade que conseguiu matar qualquer paixão que eu pudesse ter pela profissão, com aquela velha fixação pelo lead e pelos manuais de redação; havia feito algumas reportagens como free-lancer, as quais haviam sido totalmente deturpadas por editores da indústria; estava trabalhando em um grande site de internet, e o trabalho em si não era tão bonito quanto o nome do cargo: simplesmente rescrevia, o dia inteiro, press releases que chegavam à minha mesa de editora. Saí para ser estagiária da Caros Amigos, sem saber que era ali que começava, pela primeiríssima vez, a única escola de jornalismo de verdade que freqüentei na vida.
Por mais próximo que fosse de nós, os mais novos, Serjão nunca deixou de lado a tarefa de ser um professor. Desempenhava com zelo, mas apenas a quem quisesse ouvir. Jogava, sempre, um ensinamento ou outro pra a gente pescar – alguns deles eu relembro agora, para compartilhar, em texto escrito, e portanto sem data de fim, com novos repórteres que virão depois de mim.
Sérgio de Souza me ensinou a ter uma fidelidade canina ao leitors – fidelidade essa tão marcada nas páginas de Caros Amigos. Assim: “Pense no leitor sempre: antes, durante, e depois de fazer a reportagem. E quando estiver dormindo também”. Um pouco, esse ensinamento resume para mim quem foi o Serjão. Serjão me ensinou a amar o leitor acima de tudo.
Impressionava, no homem, a tranqüilidade com que ele encarava cada problema – e cada problemão! – que nos batia à porta. Quando eu chegava, na pressa dos vinte anos, com uma idéia para uma reportagem, ele sempre incentivava, fazia todas as perguntas para as quais eu não tinha resposta, e me mandava sair à rua: “Leve o tempo que for preciso, não se preocupe com o prazo”. Para ele, caso raríssmo na imprensa brasileira de hoje, valia sempre mais uma reportagem bem feita do que uma feita rapidamente.
Na Caros Amigos levávamos dois, até três meses para construir uma matéria, exagerávamos no tamanho, brincávamos com as palavras. Serjão aceitava todas as tentativas, todos os formatos, sempre com seu olhar clínico e seu bom-senso característico. Transformava cada idéia maluca em reportagem boa! Serjão me ensinou que toda idéia é válida, e toda pauta é um aprendizado.
Fazer uma reportagem com ele era bom, era muito solto. A gente saía na rua e dava alguma satisfação de tempos em tempos. Estilo antigo, acredito, duma época em que o editor confiava no repórter, o repórter confiava no instinto, e o jornalismo era bordado à mão e não produzido a rodo como em máquina de indústria. Cada reportagem tinha sua história, e seu desenvolvimento, e Serjão respeitava o tempo de cada uma. Serjão me ensinou sobre a criatividade imprescindível ao bom jornalismo. Nas suas mãos, cada história era única – quantas vezes fizemos pautas que já haviam sido feitas dezenas, centenas de vezes, com resultados totalmente inovadores.
Outra coisa: Serjão não deixava ninguém mentir, ou enganar, em troca de boa informação, prática comum em boa parte da imprensa. Sempre, ele dizia, se apresente como repórter; sempre tente explicar por que a sua reportagem é importante, por que a pessoa deveria colaborar; nunca interfira nos fatos, apenas os relate.
“Não é responsabilidade do jornalista mudar a realidade”, dizia o Serjão, “O nosso papel é apontar os problemas para que as pessoas mudem”. Esse foi um dos ensinamentos mais valiosos. Todos os que cobrem as misérias do mundo sabem como é difícil voltar para casa e ter deixado para trás destruição e dor, e como é louca a vontade de interferir e transformar tudo. Mas Serjão ensinava que a nossa arma era a caneta (a dele, o lápis com que rabiscava os nossos textos), e com ela fazíamos muito.
Reportagens como as de Caros Amigos mudam as pessoas por dentro, e essa mudança é debatida na mesa do bar, é espalhada na sala de aula, passa para outras pessoas, e por aí vai, numa silenciosa e minúscula revolução. Serjão era, aos 73 anos, um revolucionário.
Quando vim para a Europa, vim para ver como funcionava por aqui a imprensa, tendo dinheiro de sobra e muito talento para inovar. Vi coisas boas, mas também fiquei muito decepcionada. Tudo eu contava a ele por email. Uma das suas últimas respostas foi:
“Quer dizer que a mediocridade não é “privilégio” exclusivo de nossos jornalistas? Sabe o que é, Nat? Esse mundo bem cheiroso das redações ricas e seus bem postos e obedientes empregados não é para o bico de qualquer um como nós. É um mundo que a gente não compreende, mas isso não é novidade. Foi sempre assim, mesmo antes da existência dos manuais de redação. Quem ousa tentar romper esse estado de torpor paralisante é excluído loguinho. Se bem que a gente se diverte neste nosso apartheid, né?”
Serjão me ensinou a dignidade – e a diversão – de buscar ser livre dentro do jornalismo-indústria. Ser livre para contar uma história como ela merece ser contada vale mais que qualquer salário, vale mais que qualquer prêmio, vale uma vida dedicada a isso. Cada novo desafio, cada nova idéia, vale a pena. Se for original, se romper com o que está aí, terá o apoio de Sérgio de Souza.
Ainda na Caros Amigos, uma das últimas coisas que Serjão me ensinou, junto com o repórter João de Barros, foi sobre o “imponderável da silva”, muito útil nas reportagens investigativas. Uma vez, Sérgio me pediu que fizesse plantão na porta da casa de uma figura que não dava entrevista para ninguém. E se ela não falar? “Aí e o Imponderável da Silva”, disse ele, indicando que no jornalismo como na vida, muitas vezes não dá para prever o que pode acontecer. Numa investigação, nunca se sabe de onde vai sair a resposta para a pergunta crucial, a informação mais valiosa; as grandes investigações são terreno do imponderável, e a tarefa do repórter é se manter vigilante, aberto, para ele. Apostar em todas as fichas; seguir todas as pistas, e acreditar nele, o imponderável.
Foi por culpa do imponderável da silva que Serjão morreu no final de março de 2008, de maneira totalmente inesperada. E foi por culpa do mesmo imponderável da silva que eu não estava por perto, acabei me demorando na Europa. Mas por mais triste que seja, Serjão me ensinou a amar e abraçar o imponderável. E a seguir em frente, sempre. Por mais isso, Serjão, minha gratidão eterna.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

O mistério da Gol

Voltei a Brasília, confesso que não queria. Dessa vez, só um dia, menos mal. Não precisei de hotel. Fui de Tam e voltei de Gol. Da Tam só vou dizer que as aeromoças são lindas. Muito lindas e simpáticas. E da Gol, ahhh, da Gol. Eis o mistério da Gol.
[Voltando um pouco, informação importante: eu tenho medo de avião. muito!]
Dito isso, existem dias que o seu cagaço é premiado. Por que? Hoje choveu em São Paulo e em Brasília. Choveu muito! E eu tenho medo de avião, já disse.
[Outra pausa: Brasília foi bem cansativa, novamente não almocei, o que o diga Marina, companheira de trabalho, três "pão de queijo" e dois "café" pra segurar quase 12 horas. Comida de avião não conta. O vôo de volta que era pra ser 19h 10 foi transferido para às 20h 30. Atraso.]
A combinação de chuva forte, tempo escuro mais avião ter que voar comigo dentro não caiu bem. Achei que fosse o estômago, mas não. Era o meu cagaço premiado gritando.
[dentro do avião eu rezei e fingi estar sem medo. A mão gelada me remetia ao mantra que tilintava na minha cabeça 'se essa porra cair, fodeu']
Tentei me distrair pensando no porquê dos aviões terem assentos flutuantes. Alguém acredita que isso funciona? Será que alguém já usou numa piscina? Você usaria na piscina? Porque pra mim é meio claro, se cair fodeu. Se for no mar então... Eu não sou o Tom Hanks, não teria a mesma "sorte" do náufrago.
[em meio a esses pensamentos para evitar o meu cagaço eis que surge o ministério da gol]
"Senhoooooressss passageeeeirrooosss, beeeem-vindooos a bordo da Gol"
[cafajestemente pensei: 'que voz espetacular de tele-sexo'. Risadas gerais entre os passageiros. Era Milene, a aeromoça, sussurrando as instruções]
A cada chamada e explicação sussurrada ficava vidrado naquela voz. Que voz de presença a da Milene. O vôo seguia com chuva e luzes que eu julgava ser relâmpagos. A turbulência aumentava e eis que surge novamente Milene pra eliminar meu cagaço.
"Senhoooooressss passageeeeirrooosss, mantenhaaaamm a callllmaaaaa, estaaaamoooss num treeechooo de turbulênnnciiiiaaa."
[preciso saber quem é Milene, escondida lá na frente do avião, sem rosto ainda, apenas a voz. Marina concordou, temos que vê-la].
A avião chegando. O pouso seria na chuva.
O cagaço volta e se mistura com a fome, com os relâmpagos. Tento dormir e durmo.
Chacoalhão do avião e segundos depois: "beeeemmmm-viiiindooosss a sãooo paaaulo! A gooollll agradeeeeece a prefereeeenciaaa."
[Acordo e penso rapidamente 'uau, consegui dormir e o avião pousou. Enfim, terra firme'].
Vou agradecer Milene, vou ver Milene, eu preciso agradecê-la! Ansiedade.
A porta abre. É agora. Estou no fundo. A porta do fundo abre. Não é possível. Não vou ver Milene, mas Milene triunfou sobre meu cagaço, dessa vez, duplamente premiado. O cagaço premiado por Milene, o mistério da Gol.

lembrança de rodapé: hoje terminou em Brasília a 11 Conferência Nacional dos Direitos Humanos, no ano dos sessentão da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948-2008). Como de praxe, destaco a péssima cobertura da imprensa para um tema tão essencial e urgente. Fica a lembrança e o site para mais informações. Voltarei a falar do tema em breve.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Mulheres, 27 horas x Homens, 10 horas

O Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) divulgou a 3ª edição do "Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça", em parceria com a SPM (Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres) e Unifem (Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher). O estudo, importantíssimo, aponta uma queda nas diferenças nos últimos 14 anos mas permanece grande o abismo em questões como o desemprego – as mulheres sofrem mais com essa questão – e os salários – mulheres ganham menos que os homens. Se as políticas de igualdade de gênero não forem aceleradas, serão necessários 87 anos para igualar salários de homens e mulheres.
Desde 1993 as mulheres superarem os homens em anos de estudo, mas os afazeres domésticos ainda são tidos como obrigações femininas, um cenário que só vai mudar com maior conscientização cultural do "macho" brasileiro de que ele precisa por a mão na massa. O estudo diz que “Entre a população de 16 anos ou mais, as mulheres dedicam 27 horas semanais nessas tarefas; os homens apenas 10 horas.”
No recorte de raça, as mulheres negras ganham menos, ficam mais tempo desempregadas e formam o maior contingente de domésticas. “Ser empregada doméstica ainda é no Brasil do século 21 o emprego mais comum para a mulher negra. A cada cinco negras, uma é doméstica. Para a mulher branca, essa proporção diminui para uma doméstica em cada oito com trabalho remunerado. Também a pobreza é um flagelo maior para os domicílios de famílias negras. Entre os beneficiados do Programa Bolsa Família, 69% dos domicílios têm chefe de família negro e 31%, branco.”
Sites como o Ipea, IBGE e outros são importante mecanimos de consulta, já que oferecem muitas informações sobre as diversas questões do Brasil. Em vez de ficar lendo ou vendo esporadicamente notícias de jornal sem muito foco, pesquise e descubra por si só. Seja você o seu filtro.

dica de rodapé: Woody Allen dirige um filme saboroso e franco, Vick Cristina Barcelona (2008). No elenco, Javier Bardem, Scarlett Johansson e Penelope Cruz. Resumidamente: o filme trata de um rolo entre duas amigas, uma ex-mulher e seu ex-marido artista. Está em quase todos os cinemas, ao contrário do nacional Última Parada 174, que ainda não vi por dificuldade de encontrar um cinema que o exiba.

Um comunista inabalável

Oscar Niemeyer completou 101 anos (15/12/2008). Viu duas guerras mundiais, todas as conquistas da seleção brasileira, todas as transformações do século. Construiu Brasília e obras maravilhosas no seu imbatível concreto armado cheio de curvas. Ele é a história viva. Dono de uma convicção comunista inabalável. “O importante é a vida”, costuma dizer. Em 2006, tive o raro privilégio de conhecê-lo em seu escritório em Copacabana, numa entrevista que virou capa da Caros Amigos. Impossível não se curvar diante de tal figura da história brasileira. Posteriormente, junto com meu mestre saudoso Sérgio de Souza, fizemos uma entrevista com Ciro Pirondi, também arquiteto e dos melhores amigos de Niemeyer. A entrevista foi publicada numa edição especial sobre seus 100 anos. Ele dá de ombros para a idade, não quer festa e nem badalação. Fico imaginando quantas memórias e histórias ele ainda não contou.

sábado, 13 de dezembro de 2008

pitacos de rodapé #1

Hoje é 13 de dezembro, 40 anos do AI-5, o que será que podemos refletir? Eu diria que estamos diante de um impasse histórico, real e urgente que é reconhecer e lutar pelo Direito à Verdade e à Memória. Temos que abrir os arquivos da ditadura militar, escancarar as feridas, fazer justiça contra os torturadores que teimam - com o apoio de algumas "entidades" da justiça - em ficar nas sombras. A lei de anistia de 79 foi um "mal necessário", mas todos sabem que contra tortura e assassinato não pode vigorar o perdão. É lei internacional, crimes contra a humaninade são imprescritíveis.
Por falar em "entidades"da justiça, segunda próxima, no Roda Viva, às 10h 30, teremos a ilustre - ilustre? - presença de Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, acompanhado de entrevistadores nada parcias (Reinaldo Azevedo, Eliane Catanhêde, etc) ou favoráveis a sua causa. Mas que causa? Manter Daniel Dantas livre? Informações privilegiadas? Ou dar sentenças favoráveis aos seus parceiros de negócio? Taí um espetáculo midiático que eu não vou perder.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Pague cinco estrelas e leve três

Terça e quarta-feira estive em Brasília a trabalho. Cai na burrice, por falta de experiência na cidade, de não reservar hotel. Lá pelas nove da noite, após exaustivo dia de trabalho liguei para alguns hotéis. Quase todos lotados. Quase, por que um único na Asa Sul tinha um quarto. Lá fomos eu e minha companheira de trabalho, Marina.

Ao chegar no três estrelas para passar míseras 9 horas de sono, a surpresa:

- senhor, o pernoite é de 180 reais.

"Não fode", pensei e respondi:

- amigo, não tá meio exagerado isso não?

- é preço de balcão, sorriu o grande filho da puta!

- Engole seco, Thiago, ou é isso ou dormir na rua, com roupa social, duas bolsas e cheio de fome, ponderei com minha indignada consciência.

Brasília é deserta, descampada, sem muita gente na rua. Os hotéis são caros, o táxi é caro, o ar é oficialesco, mas o céu é foda, lindo e azul. O calor é pior, tempo seco. Use roupa preta e morra na rua. Há. E Niemeyer é ducaralho, sua arquitetura é genial, simplesmente, genial!

O hotel era uma porcaria. Óbvio. Sem ar condicionado, quarto precário, tv de 21 polegadas com antena de bombril. Pra foder de vez o quarto era no nível da rua - isso mesmo - dormi no subterrâneo de Brasília, sensacional a experiência de acordar e ver os carros passarem no seu nariz. Sem contar a cama ruim, o travesseiro duro e o café da manhã sem pão - é sério, não tinha pão - e sem água gelada também (num calor de 30 graus); nem vou falar do queijo fatiado amarelo manga de extremidades duras, meeeeeu deus!

O cartão de crédito olhou pra mim na hora de pagar e disse: "porra, chefe, tá pagando cinco num de três, trouxa."

Foram as 9 horas de sono mais caras da minha vida.

Pensei no jogo do São Paulo e Goiás. Queriam cobrar 500 paus o ingresso só por ser o último jogo do campeonato e pra foder o torcedor apaixonado e os putos dos cartolas encherem o bolso de grana. Barraram o ingresso de 500, ok, caiu pra 150 reais. Meeeeu deus!

Me fodi porque não reservei o hotel. Explorado e inconformado. Falta fiscalização nos hotéis de Brasília. É fato. Não tem controle. Aprendi a lição. Não faça igual. Em Brasília, reserve a porra do hotel dias antes. Com o que sobrar, bebe umas e brinde "ao Thiagão, o trouxa."

segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Sessentona, AI-5 e a Constituição

Dia 10, quarta-feira, fará a Declaração Universal dos Direitos Humanos 60 anos. Uma sexagenária. A semana será cheia de referências sobre o tema; na internet, rádio, televisão - a TV Cultura, por exemplo, terá uma programação especial.
Coincidentemente, também nessa semana, o Supremo Tribunal Federal vai decidir, em Brasília, sobre a demarcação da terra índigena Raposa Serra do Sol. A decisão, pelo que foi noticiado, deverá ser em favor da manutenção das terras, ou seja, dos índios. Se assim for, ponto para o Brasil, que manterá o direito dos povos indígenas a terra, vivo!
Outra data, os 40 anos do Ato Institucional número 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, no terrível período militar. Foi o mais abrangente e autoritário de todos os atos institucionais, vigorou até dezembro de 1978.
Também nossa constituição cidadã de 1988 completou 20 anos, um passo adiante no liberdade democrática e nos direitos humanos.
Vale saber mais sobre os temas e mais sobre os direitos humanos que, ao contrário do que pensa a maioria, não serve para defender o "direito dos bandidos."


domingo, 7 de dezembro de 2008

6-3-3


Alguns dizem, secam, torcem o nariz contra o tricolor.
Mas cá estamos tricolorada, levantando, com emoção, depois de uma recuperação fantástica, o hexacampeonato e o tri-brasileiro inédito (2006, 2007, 2008).
Em tempos de futebol tão modorrento, o São Paulo mantém o nivel do futebol brasileiro no alto, seja pela boa administração, seja pelo excelente elenco e pelo brilhante, repito, brilhante, Murici Ramanho. Merecedor, técnico de ponta, competende e alheio a canalhada de técnicos do estilo "sou profissional". Murici é tricolor e num gesto de muita dignidade disse "me contento em ser o segundo melhor, porque o Telê, esse é que é o fera". 2009 é ano de libertadores.
Estaremos juntos tricolor. Vamos aumentar essa marca.

Viva o 6-3-3.

Obrigado por me fazer sorrir, por me fazer campeão mais uma vez.

Grita, porque é nosso! É tudo nosso!

Campeão! porra, campeão!

Thiago, apaixonado tricolor

sábado, 6 de dezembro de 2008

Não seja ingênuo

A ideologia e a política são apenas o anestésico na operação. O bisturi é o dinheiro. Não seja ingênuo, Graham! O que move o mundo é o dinheiro e a ambição de poder dos políticos. Sempre foi assim, desde o primeiro líder que surgiu numa caverna. As boas intenções não funcionam. É o lado escuro dos seres humanos: a ambição, a vaidade, o egocentrismo, a ânsia de luxo e poder, isso é o que faz tudo funcionar nesse planeta. Os bons não têm nenhuma interferência, eles vão para o alto de uma montanha e ficam rezando para os deuses que eles mesmos inventam.

Pedro Juan Gutiérrez, pg. 99, Nosso GG em Havana, Editora Alfaguara

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Ajude Santa Catarina

A Defesa Civil Estadual, fonte oficial relacionada às inundações e deslizamentos ocorridos nos últimos dias em Santa Catarina, divulga em seu site ( www.defesacivil.sc.gov.br) as formas de mandar ajuda e doações aos atingidos pela tragédia.

Segue a lista de contas bancárias oficiais da defesa civil:

Banco/SICOOB SC - 756 - Agência 1005, Conta Corrente 2008-7

Caixa Econômica Federal - Agência 1877, operação 006, conta 80.000-8

Banco do Brasil - Agência 3582-3, Conta Corrente 80.000-7

Besc - Agência 068-0, Conta Corrente 80.000-0.

Bradesco S/A - 237 Agência 0348-4, Conta Corrente 160.000-1

Itaú S/A - 341, Agência 0289, Conta Corrente 69971-2

SICREDI - 748, Agência 2603, Conta Corrente 3500-9

SANTANDER - 033, Agência 1227, Conta Corrente 430000052

BANRISUL - 041, Agência 0131, Conta Corrente 06.852725.0-5

Nome da pessoa jurídica é Fundo Estadual de Defesa Civil, CNPJ - 04.426.883/0001-57. Defesa Civil de SC alerta sobre ação de golpistas pela Internet. A Defesa Civil não envia mensagens eletrônicas com pedidos de auxílio.

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Espíritos loucos

GG reviu todas as reflexões que tinha inserido no livro. Um romance é como um edifício. Não se pode botar portas e janelas em qualquer lugar. É preciso saber qual é o ponto exato em que devem ficar. E qual é o tamanho, o estilo, a cor que devem ter. Como acontece com os edifícios, alguns romances são singulares e perduram e são visitados por milhões de pessoas. Outros são anódinos e vulgares e não atraem ninguém, até que desmoronam com o passar do tempo. Só os espíritos loucos, os atrevidos, os provocadores correm o risco de edificar romances perduráveis, comoventes, que transtornam e estremecem seus visitantes. A loucura é decisiva.

Pedro Juan Gutiérrez, pg. 59, Nosso GG em Havana, Editora Alfaguara

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Provocação

"Não seria muito melhor se nunca tentássemos compreender, se aceitássemos o fato de que nenhum ser humano jamais compreenderá um outro, nenhuma mulher o seu marido, nenhum amante o seu amante, nenhum pai o seu filho? Talvez por isso os homens tenham inventado Deus, um ser capaz de compreender. Quem sabe, se eu quisesse ser compreendido ou compreender, iria me atordoar a ponto de ter uma religião; mas sou um repórter, e Deus só existe para os que escrevem editoriais."

Pedro Juan Gutiérrez, pg. 58, Nosso GG em Havana, Editora Alfaguara

domingo, 30 de novembro de 2008

Documentário Escola Base no Youtube

Meus caros e caras, agora vocês podem assistir e divulgar o documentário Caso da Escola Base no Youtube. O documentário é de 2004 (atualizado em 2005), tem 13 minutos. Os realizadores são Paulo Rodrigo Ranieri, Gustavo Brigatto e Eu, todos jornalistas. Está em duas partes no Youtube, coloco a primeira que já dá a sequência pra segunda, quem tiver interesse em saber um pouco mais sobre a história clássica de erro da imprensa, acesse http://escola.base.sites.uol.com.br


sábado, 29 de novembro de 2008

Nada a Declarar


Nada a Declarar é um curta-metragem simples, mas de texto fantástico. Fala da mediocridade, da mídia, das sensações e ranços da sociedade, dos entorpecentes do dia a dia - da novela a intelectualidade. É a opinião de um artista que vive num mundinho de grandes feitos... de merda, sem sentido, criado. Por isso, nada a declarar. Clique na imagem para assistir no Porta Curtas da Petrobrás, tem 9 minutos e o diretor é Gustavo Acioli.

Sujeito pulcro e correto

Sorriu ao lembrar da cara de nojo do jornalista quando lhe disse: "Escrevo por necessidade. Um livro é como um furúnculo que se tem que apertar quando está maduro. Um livro é tão epidérmico como um abscesso." Evidentemente, o jornalista era um sujeito pulcro e correto, como sempre são os críticos de arte e de literatura. Muito limpos, arrumados, insossos. Ficam assustados com a desordem, a sujeira e o imprevisto. Ficam assustados com o que pode escapar-lhes. O incompreensível. O que não conseguem etiquetar e arquivar. (...)

Pedro Juan Gutiérrez, pg. 34, Nosso GG em Havana, Editora Alfaguara

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Adapte-se ou corra

O cão late alto nas impuras horas da madrugada-Brasil.
Durmo e acordo em todo instante de crueldade.

Sinto longe a fome que o recém nascido passa.
No Norte e no Nordeste a vida é um detalhe.

No peito seco não há leite suficiente.
O prato? Suvenir de um sonho raro.

A cada instante um assassinato.
Um homem e uma criança na parada do farol...

Pense?

Brazilis já foi bom.

Da terra de poucos, muitos necessitam.
A necessidade é ter arte.
A arte é o espelho da pátria.

As grades da urbes me ferram a liberdade.
Sou preso-liberto sem crime algum.

A proteção instituída é o extermínio dos inocentes.
Viva o bandido fardado, escarro da humanidade.

Minha alma está marcada, tatuada, empacotada.
Compre a vida; faça em 12 vezes no cartão.

Os contornos imperfeitos requerem saudação.
Adapte-se ou corra.

Thiago Domenici (2003)

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Saramago vem aí

O genial Saramago estará no Brasil para o lançamento mundial do seu novo livro, "A Viagem do Elefante"; concorridíssimo os ingressos já estão esgotados no Sesc Pinheiros, São Paulo, local do lançamento. Mas Saramago vem aí em exposição a partir do dia 28 de novembro. "José Saramago - A Consistência dos Sonhos", sobre vida e obra do autor, no Instituto Tomie Ohtake, em São Paulo. Segundo a Folha de S. Paulo, "A mostra reúne mais de 500 documentos originais, poesias, artigos, alguns na íntegra; primeiras edições, fotografias, e fotos. Além disso, projeções ajudam a contar a biografia do autor, desde seu nascimento, em 1922, no vilarejo de Azinhaga, até os dias de hoje. Há quatro instalações, realizadas pelo artista escocês Charles Sandison, que projetam seus textos nas paredes. A exposição já foi mostrada em Lanzarote, nas Ilhas Canárias, onde Saramago e a mulher vivem, e em Lisboa. Depois do Brasil, deve partir para Madri."


A CONSISTÊNCIA DOS SONHOS
Quando: de sexta, a partir das 20h, a 15/ 2/2009; de terça a domingo, das 11h, às 20h
Onde: Instituto Tomie Ohtake (av. Faria Lima, 201, Pinheiros, SP, tel. 0/xx/ 11/2245-1900)
Quanto: grátis

terça-feira, 25 de novembro de 2008

A olhos vistos: Machado de Assis




Amanhã será o lançamento do livro organizado pelo companheiro Vladimir Sacchetta, quem puder ir, maravilha! O livro está ótimo e é sobre o mestre Machado de Assis.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Teoria da conspiração?

O filme do estadunidense Peter Joseph, Zeitgeist, the movie, lançado em 2007, já teve mais de 10 milhões de acessos online. Isso mesmo, o filme não está no circuito comercial. Trata de uma série de teorias da conspiração, por assim dizer, relacionadas ao Cristianismo, aos ataques de 11 de setembro e a Reserva Federal dos EUA, o Federal Reserve.
Em 2008, veio a continuação, Zeitgeist Addendum, que aprofunda as questões não abordadas do primeiro. Com legendas em português pode ser visto de graça no Google vídeo e no Youtube, mas prefiro indicar o site oficial do filme http://www.zeitgeistmovie.com/ onde se tem tudo mastigado e com boa qualidade, lembrando que lá também dá opção de legenda em português.
Confesso que o texto e edição são surpreendentes. Tem base histórica, boa argumentação e imagens que impactam a narração. É surpreendente.
Segundo o autor, a idéia é inspirar as pessoas a investigarem o mundo de uma perspectiva diferente. Coloco aqui o link de uma análise do filme pelo jornalista Claudio Tognolli para a revista Galileu. Assistam!

segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Velhos e novos

Dirão alguns que o cepticismo é uma doença da velhice, um achaque dos últimos dias, uma esclerose da vontade. Não ousarei dizer que o diagnóstico seja completamente equivocado, mas direi que seria demasiado cómodo querer escapar às dificuldades por essa porta, como se o estado actual do mundo fosse simplesmente consequência de que os velhos sejam velhos… As esperanças dos jovens nunca conseguiram, até hoje, tornar o mundo melhor, e o sempre renovado azedume dos velhos nunca foi tanto que chegasse para torná-lo pior. Claro que o mundo, pobre dele, não tem culpa dos males de que padece. O que chamamos estado do mundo é o estado da desgraçada humanidade que somos, inevitavelmente composta de velhos que foram novos, de novos que hão-de ser velhos, de outros que já não são novos e ainda não são velhos. Culpas? Ouço dizer que todos as temos, que ninguém pode gabar-se de estar inocente, mas parece-me que semelhantes declarações, que aparentemente distribuem justiça por igual, não passam, quando muito, de espúrias recidivas mutantes do chamado pecado original, servem apenas para diluir e ocultar, numa imaginária culpa colectiva, as responsabilidades dos autênticos culpados. Do estado, não do mundo, mas da vida.
Escrevo isto num dia em que chegaram à Espanha e Itália centenas de homens, mulheres e crianças nas frágeis embarcações que costumam utilizar para alcançar os supostos paraísos de uma Europa rica. À ilha de Hierro, em Canárias, por exemplo, chegou um barco desses, dentro do qual havia uma criança morta, e alguns náufragos declararam que durante a viagem tinham morrido e sido lançados ao mar vinte companheiros de martírio… Que não me falem de cepticismo, por favor.

José Saramago

sexta-feira, 14 de novembro de 2008

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Um dia eu estava esgotado

Por isso eu estava tão desiludido com o jornalismo e comecei a escrever uns relatos muito crus. Em tempos tão dilacerados não se pode escrever com suavidade. Sem delicadezas a nossa volta, impossível fabricar textos refinados. Escrevo para cutucar um pouco e obrigar os outros a cheirar a merda. É preciso baixar o focinho até o chão e cheirar a merda. Assim aterrorizo os covardes e fodo com todos os que gostam de amordaçar a nós, que podemos falar.

pg. 82, Pedro Juan Gutiérrez, Trilogia Suja de Havana, Cia. das Letras.

quarta-feira, 5 de novembro de 2008

Dogão Prensado no Youtube

Quatro amigos e corria o ano de 2003, um mês de maio inesquecível na fantástica Buenos Aires.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

Compra documentário Escola Base

Aos interessados em adquirir o vídeo da Escola Base, deixo os contatos corretos de e-mail e telefone.

Lembro que o vídeo custa 25 reais + frete.

É isso, obrigado.

e-mail: domenici@ig.com.br
Tel. (11) 7350-6540


Thiago Domenici

sábado, 20 de setembro de 2008

Privatizado

Privatizado

"Privatizaram sua vida, seu trabalho, sua hora de amar e seu direito de pensar.

É da empresa privada o seu passo em frente,

seu pão e seu salário. E agora não contentes querem

privatizar o conhecimento, a sabedoria,

o pensamento, que só à humanidade pertence."



Bertolt Brecht

sábado, 28 de junho de 2008

Aos funcionários, colaboradores e leitores de Caros Amigos

Aos funcionários, colaboradores e leitores de Caros Amigos,

Nesta quarta-feira, 18 de junho de 2008, comunicamos nossa saída da Caros Amigos.
Desde a morte do editor e fundador de Caros Amigos, Sérgio de Souza, em 25 de março de 2008, procuramos levar adiante seu projeto e visão editoriais. Foram três edições regulares (abril, maio, junho) e duas edições especiais. Nesse período, embora esperássemos mudanças por parte da nova direção, não imaginávamos que estas seriam tão contrárias àquilo que ainda nos mantinha no projeto e ao que sempre norteou o dia-a-dia da redação: liberdade de opinião, transparência nas decisões e, sobretudo, o diálogo.
Nunca houve nenhum tipo de articulação e também nenhuma oposição ou tentativa de interferência ao processo de sucessão do editor. Em nenhum momento qualquer das pessoas que assinam essa carta duvidou que Mylton Severiano estivesse apto para assumir a direção da revista.
Com o fechamento da edição especial de Meio Ambiente, no último dia 12, concluímos que esse número já não condiz com a proposta da revista idealizada por Sérgio de Souza.

Por último, somos solidários a Thiago Domenici, secretário de redação, que foi demitido arbitrariamente por telefone e sem direito a aviso prévio na última sexta-feira, 13 de junho.

São Paulo, 18 de junho de 2008.

Cylene Dworzak Dalbon (repórter)Jackson Viapiana (estagiário)Léo Arcoverde (repórter)Mariana Nóbrega (assistente de arte)Mariana Santos (estagiária)Natália Mendes (estagiária)Rodrigo Aranha (repórter)Rodrigo Mendes (texto)
Vinícius Souto (assistente de redação)

Renato Pompeu (editor especial) também pediu demissão e também assina esse manifesto, mas sua posição é diferenciada, pois reconhece a autoridade da direção da revista, porém julga que a única coisa que o atraía na redação, o bom ambiente de camaradagem no trabalho, deixou de existir.

Em solidariedade a Thiago Domenici, também saem da revista: Mariana Camarotti (correspondente na Argentina), Fernando Evangelista (repórter) e Lilian do Amaral (texto).

Caros Amigos fecha um ciclo

Caros Amigos fecha um ciclo
Por elaine tavares - jornalista

Eu não o conheci pessoalmente, mas sempre soube quem ele era. Um homem doce, sensível, companheiro, amigo, um mestre. Um desses seres que não temem ensinar o que sabem, porque tem consciência de que a única coisa a deixar de herança é o exemplo de vida bonita e digna. E assim foi Sergio de Souza, o cara que comandou a revista Caros Amigos desde o início do seu projeto. Sérgio era a Cara da Caros. Dele emanava uma delicadeza, um cuidado com o texto dos outros, um respeito, que eram coisas raras no mundo vaidoso e superficial do jornalismo.

Como colaboradora da revista meu contato com Serjão sempre foi através de Thiago Domenici, o secretário de redação. Outro ser adorável, igualmente raro no mundo da imprensa. Guri que teve Sérgio como professor. Aprendeu com ele, em quatro anos de trabalho conjunto, como é que se faz jornalismo, como se trata as pessoas e o cuidado que se deve ter com quem escreve, porque nós, os “escrevinhadores”, somos seres borbulhantes, inconstantes, sensíveis. E o Thiago sugeria, palpitava, discutia pautas. E o Thiago elogiava, comentava, ajudava. Uma figura especial. Um exemplo de cuidado e respeito.

Pois dia desses o Serjão resolveu fazer uma coisa muito má, destas que nunca ousara fazer. Foi embora. Encantou. E deixou um buraco na vida do jornalismo. E deixou uma cratera na vida daqueles que caminhavam com ele nesta vereda de ternura e paixão pela palavra. Quem, como eu, participava de longe deste projeto da Caros Amigos, sofreu, mas não desesperou. Sabíamos que aquela gente que tinha construído com Sérgio a proposta de uma revista crítica, bonita e inteligente, não negaria fogo. Era um povo que aprendera a lição do velho companheiro. Então seguimos, sabendo que Sérgio viveria para sempre.

Pois ontem me chegou a carta do Thiago, secretário de redação da Caros, que tantas vezes mediou, com carinho e respeito, a publicação de vários dos meus textos. Despedia-se de todos os que tinham caminhado por estes anos com ele, o Sérgio e a turma da Caros. Fora demitido por telefone e sem direito a aviso prévio. Seu pecado: ser um “seguidor” do Serjão. O menino que entrou na revista como estagiário, que não perseguia grana nem fama. Que só queria fazer jornalismo bom, deste que serve a maioria das gentes. O guri de riso largo que aprendeu com Sérgio que as pessoas precisam de amor, atenção, cuidado, palavras de incentivo, respeito. O guri que não o renega. O guri que sabe com quem aprendeu. O guri que o reverencia. Diz ele: “Escrevo para me despedir e dizer que o modo como saí foi injusto. Impensável em outras épocas. O tratamento dispensado aos ´jovens seguidores do secretário` como foi divulgado é lamentável. Vale registrar, não foram só 'os jovens seguidores do secretário' que deixaram o projeto decepcionados. O projeto só existe porque as pessoas - que devem ser respeitadas antes de tudo - o conduzem de coração, alma, sem nenhum tipo de 'ismo' como diz o editorial número 1. A revista não é patrimônio de um só, é de todos os colaboradores, leitores e envolvidos no seu dia-a-dia. Espero, sinceramente, que isso permaneça de algum modo e que respeitem a minha história interrompida e de todos os que deixam o projeto. Sim, decepcionados com argumentos e tratamentos! Ao contrário do que possam dizer em notas divulgadas e invencionices, é sempre bom ouvir a versão dos dois lados”.

Por conta desta arbitrariedade, vários outros companheiros saíram da Caros Amigos. Não reconhecem mais nela o projeto que suleou a revista nos tempos do Serjão. Sabiam eles que as mudanças seriam naturais, mas não esperavam coisas desse tipo, como a demissão sumária e desrespeitosa do Thiago, os argumentos usados e a descaracterização da revista. Numa outra carta, divulgada pelos trabalhadores que se demitiram em solidariedade ao Thiago, chega-se a conclusão de que o bom ambiente de camaradagem e alegria que havia antes, acabou. Assinam o manifesto: Cylene Dworzak Dalbon (repórter), Jackson Viapiana (estagiário), Léo Arcoverde (repórter), Mariana Nóbrega (assistente de arte), Mariana Santos (estagiária), Natália Mendes (estagiária), Rodrigo Aranha (repórter), Rodrigo Mendes (texto), Vinícius Souto (assistente de redação).

Renato Pompeu (editor especial) também pediu demissão e assina o manifesto, mas sua posição é diferenciada, pois reconhece a autoridade da direção da revista, porém julga que a única coisa que o atraía na redação, o bom ambiente de camaradagem no trabalho, deixou de existir. Em solidariedade a Thiago Domenici, também saem da revista: Mariana Camarotti (correspondente na Argentina), Fernando Evangelista (repórter) e Lilian do Amaral (texto).

E é assim que se esvai um lindo projeto de jornalismo, de pensamento próprio e de crítica. Melancolicamente a Caros Amigos põe um ponto final a um jeito de ser e fazer jornalismo, como o que era levado por Sérgio e sua trupe. Os seguidores, como dizem. Fico pensando em Jesus, em Che, em Gandhi e outros tantos seres que iluminaram caminhos e abriram veredas por onde até hoje andam aqueles que se atrevem a segui-los. Ser seguidor de uma prática bonita, respeitosa, amorosa, delicada, crítica, bonita e tudo o mais que ensinava Sérgio não deve ser defeito. É qualidade. Por isso, Thiago e toda a gente que saiu da Caros em solidariedade a ele, só devem se orgulhar.

O mundo humano é assim mesmo. As coisas nascem, crescem, se reproduzem e morrem. Mas coisas há que não morrem. E certamente não há de morrer no Thiago as lições que aprendeu do grande companheiro que hoje parece ser a causa de sua demissão. Às vezes, Thiago, quando a gente perde, é quando a gente ganha. Pode ser que, na imensidão do cosmos, onde agora está vivendo aquele que te fez um jornalista tal qual tu és, estejam sendo tramados os planos para novas propostas.

Coisa novas podem nascer deste grupo que hoje é chamado de “seguidores do Serjão”. Coisas novas, belas, dignas. Porque ninguém caminha com um mestre em vão. A melhor resposta é ultrapassá-lo. Lá em cima, na beira da nuvem, ele está olhando, orgulhosos e seguro. Sabe que essa galera vai parir o novo. Um novo que terá a cara de vocês e não a dele. Aí sim ele terá sido grande.

Não é hora de chorar o que se perdeu, mas sim, abrir as trilhas para o que virá. Aqui, da periferia da periferia, Santa Catarina, eu me solidarizo e aposto minhas fichas nesta galera de seguidores... Contem comigo para o que vai nascer!...

despedida aos caros amigos

Meus amigos,

Gostaria que esse e-mail fosse uma despedida com emoção, depois de tanto tempo de Caros Amigos, mas não será.

Escrevo para dizer que na última sexta-feira fui demitido por telefone e, portanto, deixo a secretaria de redação da revista.

Foram 4 anos e meio dentro do projeto jornalístico criado por Sérgio de Souza.

Nunca estive na revista por poder, dinheiro ou coisa parecida. Ainda estagiário entusiasmado fui convidado a ser o Secretário de Redação. Sempre me dei com todos e respeitei a todos. Fiz o meu trabalho sempre levando em conta o respeito e o diálogo. Tinha vontade de fazer e aprender com a revista que se destacou por não pertencer ao mainstream do mercado de publicações.

Fiz e aprendi. Foi incrível - repito, incrível!

Conheci vocês, fiz muitos amigos, cresci profissionalmente e, sobretudo, aprendi a valorizar idéias e respeitá-las.

Os ensinamentos do Serjão carregarei sempre. Como disse na edição de abril, sou da Escola Sérgio de Souza. Sempre serei!

Com a morte dele sabia que viria mudança, é inevitável. Pensei que fosse possível continuar meu trabalho somente como secretário. Não foi, infelizmente.

Escrevo para me despedir e dizer que o modo como saí foi triste e injusto. Impensável em outras épocas.

O projeto só existe porque as pessoas - que devem ser respeitadas antes de tudo - o conduzem de coração, alma, sem nenhum tipo de "ismo" como diz o editorial número 1.

A revista não é patrimônio de um só, é de todos os colaboradores, leitores e envolvidos no seu dia-a-dia.

Espero, sinceramente, que isso permaneça de algum modo e que respeitem a minha história interrompida e de todos os que deixam também o projeto decepcionados. Ao contrário do que possam dizer em notas divulgadas e invencionices, é sempre bom ouvir a versão dos dois lados.

Agradeço um por um, colaboradores, redação e todos os solidários comigo nesse momento.

Não vou me alongar muito, afinal, estarei sempre disponível para todos vocês.

Deixo meus contatos e a certeza de que nos veremos em novos projetos.

Forte abraço.

Sempre à disposição.

Thiago Domenici
domenici@ig.com.br
tel. (11) 7350-6540

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Escola Base: Grupo Folha é condenado

Escola Base

Jornal é condenado a indenizar no caso Escola Base

por Fernando Porfírio

O jornal usou uma manchete escandalosa e sensacionalista que extrapolou a liberdade de informar e não resguardou sequer a honra moral de uma criança de quatro anos. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo para condenar, 14 anos depois, o Grupo Folha da Manhã no caso da Escola Base.
A empresa terá de pagar indenização de R$ 200 mil para R.F.N, o garoto, que hoje tem 18 anos. Ele foi apontado pelo jornal como vítima de abuso sexual dos próprios pais. Ele é filho de um dos casais acusados sem provas no caso da Escola Base. A decisão é de uma das câmaras de Direito Privado do TJ paulista. Cabe recurso.
“A conduta do jornal, juntamente com outros órgãos de imprensa, contribuiu para criar uma situação anormal, não experimentada não só para os adultos envolvidos”, afirmou em seu voto o desembargador Oldemar Azevedo.
O jornal Folha da Tarde embarcou no tema que dominava as edições de jornais e emissoras de TV no final de março de 1994. Com informações repassadas pelo delegado que conduzia o inquérito policial, a partir dos depoimentos de duas mães de alunos, o jornal saiu com a chamada de primeira página: “Perua escolar carregava as crianças para a orgia”.
O caso que viria a se transformar em símbolo de julgamento público pela mídia se baseou em laudos preliminares e na acusação de mães que apontavam seis pessoas como envolvidas no abuso sexual de crianças numa escola de educação infantil, localizada no bairro da Aclimação. A linha de investigação da Polícia se mostrou sem fundamento e o inquérito foi arquivado.
No entanto, o estrago estava feito: os acusados já tinham sido julgados sumariamente pelos jornais e programas de rádio e de TV e condenados pela opinião pública. A escola foi pichada, depredada e saqueada. Os acusados foram presos.
Os argumentos e os fundamentos
A empresa Folha da Manhã sustentou que a manchete se limitou a reproduzir as informações oficiais, tomando todo o cuidado para evitar pré-julgamentos ou ilações de ordem subjetiva e que não existiria prova de dano moral. A turma julgadora entendeu de forma contrária.
Para os desembargadores Odemar Azevedo, Mathias Coltro e Oscarlino Moeller, a conduta do jornal restou culposa diante da publicação da manchete sensacionalista que extrapolou o direito de informar e, no entendimento dos desembargadores, atingiu a esfera moral da criança.
“O fato do apelado contar com quatro anos na época destes eventos e, provavelmente, não os compreendendo integralmente, não afasta as conseqüências das condutas da imprensa em questão que refletiriam em toda família”, afirmou o relator.
Condenações
Outras empresas de comunicação sofreram condenação pelas notícias divulgadas à época dos fatos, em 1994. É o caso dos jornais Folha de S.Paulo (R$ 750 mil) e O Estado de S.Paulo (R$ 750 mil), da Globo (R$ 1,35 milhão) e da Editora Três, responsável pela publicação da revista IstoÉ, (R$ 360 mil). Em todos os casos ainda cabe recurso.
Na área cível, várias ações foram propostas. A primeira delas, contra o Estado, para pedir indenização por danos morais e materiais. Em 1996, o juiz Luís Paulo Aliende mandou o governo paulista pagar cem salários mínimos — R$ 30 mil em valores atuais — ao casal proprietário da escola e ao motorista Maurício Alvarenga. O advogado Kalil Rocha Abdalla, considerou o valor baixo e recorreu ao TJ paulista reclamando 25 mil salários mínimos.
O TJ paulista julgou o recurso o fixou o valor de R$ 100 mil para cada um, por danos morais, e uma quantia a ser calculada para ressarcir os danos materiais. Pela decisão, a professora Maria Aparecida Shimada iria receber, ainda, uma pensão vitalícia por ter sido obrigada a abandonar a profissão.
Insatisfeitas, as partes recorreram ao Superior Tribunal de Justiça. A 2ª Turma do STJ reformou a decisão e condenou o estado de São Paulo a pagar uma indenização de R$ 250 mil a cada um. O caso ainda está na Justiça por causa de um recurso extraordinário interposto pela Fazenda do estado contra a decisão do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2008

terça-feira, 6 de maio de 2008

Ele não fala!

Em janeiro desse ano a revista Caros Amigos publicou um entrevista inédita com o escritor e jornalista Luis Fernando Verissimo. Respostas ótimas, com humor e muita história. Tomei a liberdade de publicar no meu blog. Aí vai, espero que gostem. Ah, a entrevista foi por e-mail. Por isso, entre outras, o título acima.

GLAUCO MATTOSO Caramigo Lufe: Minha mãe, que é de Taubaté e morreu faz pouco, não acreditava em padre nem em político nenhum. E você?
Acho que esse é um sentimento comum, esse enfaro com políticos, depois de tantos escândalos e tanta hipocrisia. E é perigoso porque acaba sendo um desencanto com a política e no fim com a própria democracia. Se fosse possível haver política sem políticos... Mas não dá, e o jeito é confiar nos políticos sérios e capazes que ainda existem, em algum lugar, e esperar que a nossa democracia melhore com a prática. O importante é não desesperar e sair atrás de alternativas mais eficientes, ou puras, que acabam em desilusões ainda maiores. Quanto aos padres, deixei de acreditar há muito tempo. Fui criado como católico, fiz primeira comunhão e tudo, mas o lado do meu pai, que era agnóstico, foi mais forte.

GLAUCO MATTOSO Acha que ainda há espaço de credibilidade para gurus tipo Guevara ou Gandhi? Se há, qual opção lhe é mais simpática, a guerrilheira ou a pacifista?
Figuras assim são importantes como símbolos. O Mandela não resolveu todos os problemas da África do Sul mas ninguém pode negar a importância simbólica da sua eleição. O Lula, guardadas todas as óbvias proporções, a mesma coisa. O que o Che Guevara simboliza, com seu idealismo e o seu desprendimento, e até com a sua aparência, é mais importante do que o que ele realmente fez. Já o Gandhi foi o contrário: as conseqüência política da sua resistência foram mais inspiradoras do que o seu ascetismo místico e seu exemplo de santidade. Mas símbolo por símbolo, como sou pacífico simpatizo mais com os pacíficos.

MYLTON SEVERIANO Onde você estava e como soube do golpe militar de 1964? Você sofreu alguma conseqüência imediata, tipo perder emprego, passar por censura? Teve amigos presos, torturados, desaparecidos? Qual o saldo dos 21 anos de ditadura?
No golpe de 64 eu estava morando no Rio, e recém casado. Não tinha nenhum tipo de atividade que pudesse ser diretamente afetada pela repressão. Na verdade, estava entre atividades, tentando encontrar um caminho. E não encontrando, tanto que dois anos depois, sem qualquer perspectiva no Rio, peguei mulher e filha de um ano e fiz a coisa sensata numa situação destas, voltei para a casa do pai. Em Porto Alegre e trabalhando em jornal, aí sim. Tive amigos que foram presos, outros obrigados a se exilar, e o jornal era controlado. Quando comecei a ter um espaço assinado no jornal, tinha que evitar os assuntos proibidos e ter sempre um texto de reserva caso algum fosse censurado. Também fazia uma crônica para o rádio e nunca sabia quais assuntos iam passar ou não pela censura. Uma vez cortaram uma referência ao Chico Buarque, outra vez uma referência ao Darwin. Talvez achassem que Darwin lembraria evolução, evolução lembraria macaco e macaco lembraria gorilas, e falar de militar não podia. Nomes como o do Brizola e até do dom Helder Câmara eram proibidos. Tentamos começar um jornal alternativo, imitando o Pasquim, e aí, como diretor responsável do jornal, tive meu primeiro contato direto com censores, dois constrangidos agentes da Polícia Federal que liam tudo, davam muitas risadas, pediam desculpas e começavam a cortar. Hoje tudo isto parece incrível. Acho que o melhor saldo dos anos de ditadura é que ficamos inoculados, aquilo não se repetirá mais. Ou será que se repete? Talvez eu esteja mal informado.

VINÍCIUS SOUTO O senhor disse em certa oportunidade a célebre frase: “às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”. Diante disso, como enxerga a atuação das mídias independentes frente à grande imprensa? Acredita na efetividade delas na cobertura nacional além da penetração nos vários setores da sociedade?
O fato de hoje haver liberdade formal de imprensa no país como não existia na ditadura complicou um pouco as coisas, paradoxalmente. Naquele tempo imprensa alternativa era a que, mesmo disfarçadamente, criticava a situação, hoje imprensa alternativa é a que não faz coro com a implicância quase unânime da grande imprensa com a situação. E o fato de você, em tese, poder escrever o que quiser em qualquer jornal tira um pouco do atrativo da imprensa independente, que não tem o apelo da coisa meio clandestina como tinham o Pasquim e o Opinião, por exemplo. Mas, pelo que sei, publicações como a Caros Amigos e a Carta Capital estão com boa penetração, e destoam com competência do coro dos grandes.

VINÍCIUS SOUTO Sabendo que o senhor acredita ser o futebol um meio de compreender a condição humana, poderia traçar um paralelo entre a sociedade e o último campeonato brasileiro?
Bom, o único paralelo que me ocorre é dizer que foi um bom ano para a torcida do Corinthians em todas as áreas, como no aumento da renda e a diminuição do desemprego, menos no futebol.

VINÍCIUS SOUTO O senhor trata várias questões da vida com humor inteligente. A produção atual de outros cronistas e escritores está conseguindo manter essa linha ou tudo caminha à mediocridade, a baixos apelos?
O Brasil teve grandes escritores que nunca fizeram outra coisa além de crônicas. O Rubem Braga, por exemplo. O Paulo Mendes Campos, que também era poeta mas fazia principalmente crônica. O Antônio Maria. Hoje não há mais isso mas temos outra peculiaridade. Não há, que eu saiba, outro país no mundo em que os romancistas tenham um contato contínuo com o público, pela imprensa, como aqui. Temos o Cony, o João Ubaldo, o Inácio de Loyola, o Moacyr Scliar, o Bernardo Carvalho, o Torero, etc., todos escrevendo regularmente nos jornais. O que significa que podemos não ter mais excelentes só-cronistas mas temos excelentes escritores escrevendo crônicas. Não acho que caminhamos para a mediocridade, não.


MARCOS ZIBORDI Ao elaborar esta pergunta, tenho em mente aquela conhecida série da editora Ática chamada Para Gostar de Ler. Através dela conheci sua obra, e muitos estudantes também. Você é lido pela imprensa, internet. Qual a sensação de ser formador de leitores?
É bom ouvir de um adolescente que ele gosta do que eu escrevo, ou que começou a gostar de ler com algum texto meu. Não acho que a minha missão seja essa nem escrevo pensando num público específico, mas se contribui para criar o gosto pela leitura em alguém, se ajudei nesse bom combate, então viva eu. Só não sei bem o que dizer quando elogiam um texto meu que está na Internet, pois na maioria dos casos não é meu. Mas agradeço em nome do autor escondido.

MARCOS ZIBORDI Você compartilha da opinião quase unânime de que o presidente Lula é analfabeto e precisa ler?

Olha, com algumas exceções, como o Costa e Silva, que confundia latrocínio com laticínio, fomos sempre governados por homens letrados, muitos deles intelectuais de nome, que conseguiram construir o país mais desigual e injusto do mundo sem cometer um erro de concordância.

MARCOS ZIBORDI E o ensino de literatura nas escolas? É necessário? É possível?
Literatura, literatura, não sei. Mas é claro que o ensino do Português deve ser baseado nos bons textos desde as primeiras séries. Deve-se ensinar a escrever bem, não só escrever corretamente.

MARCOS ZIBORDI Seus textos são marcados pelo humor, leveza, coloquialidade. Mas vou usar uma palavra enjoada para esta pergunta: o que te deixa encolerizado?
Qualquer forma de hipocrisia, qualquer forma de prepotência e injustiça, qualquer derrota do Internacional.

MARCOS ZIBORDI Inúmeros escritores escrevem e escreveram sobre as conexões entre música e literatura. Se você pudesse discorrer um pouco sobre...
Eu já tentei desenvolver um paralelo entre uma crônica e um solo de jazz. Em ambos há a exposição do tema, variações sobre o tema, volta ao tema e uma amarrada final, mas o paralelo ficou meio forçado. Acho que música e literatura tratam de emoções diferentes. O pior da música que quer ser descretiva, passarinhos gorgeando numa obra do Strauss, por exemplo, é tão ruim quanto a literatura querendo ser musical, como nos romances com estruturas sinfônicas. Se bem que o Anthony Burgess escreveu um bom romance beethoveano, cujo título esqueci.

MARCOS ZIBORDI Eu não sei direito porque a gente pergunta certas coisas, mas qual autor brasileiro você lê e relê? Ou você não faz isso?
Infelizmente, tenho lido pouco por prazer. Ultimamente leio jornais e revistas demais, e livros sobre história e política, e não sobra tempo. Sempre fui um leitor voraz, desde garoto, desde os quadrinhos. E omnívoro, lia de tudo, sem muita discriminação. Como praticamente me alfabetizei nos Estados Unidos, onde morei dos 7 aos 9 anos, lia e ainda leio mais em inglês do que em português. Joseph Conrad, Scott Fitzgerald, John dos Passos, Evelyn Waugh, Graham Greene, Saul Bellows, Philip Roth, Nabokov. Mas dos brasileiros, depois da fase Monteiro Lobato, li muito o meu pai, os cronistas com especial predileção pelo Antônio Maria, a Clarice dos contos, o Rubem Fonseca, o Sabino, o Moacyr Scliar.

MARCOS ZIBORDI Poderia nos contar rapidamente sua experiência no alternativo Pato Macho?
Pois o Pato Macho foi a tal versão do Pasquim que quisemos fazer em Porto Alegre. Teve uma vida gloriosa e curta. Foi em 1971, imaginem vocês, governo Médici, a época mais brava da ditadura. Mas a reação ao jornal não foi tanto pela parte política. Como não podíamos tocar muito em política, fazíamos uma crítica de costumes, da burguesia local, à qual pertencíamos todos. Não gostaram. O segundo número já teve que passar pela censura. O jornal durou quinze semanas. Da experiência ficaram as lembranças das reuniões de criação, que geralmente eram mais divertidas do que o que saía. E as dívidas, claro.

MARCOS ZIBORDI Além de literatura, mulher e água, existem outras coisas importantes no mundo?
Se literatura aí incluir cinema, água for sinônimo de vinho, cachaça, cerveja e Coca Diet e além de mulher vier um bom pudim de laranja, concordo. Não precisa mais nada.

MARCOS ZIBORDI Qual sua opinião sobre a frase “toda literatura realista é medíocre”.
Acho tão difícil escrever diálogos realistas, principalmente em Português (não sei quem foi que disse que, no Brasil, pronome no lugar certo é elitismo) que tenho o maior respeito por quem faz ou tenta fazer literatura realista. A de outro tipo, em comparação, é sopa.

RENATO POMPEU Você é muitas vezes apontado como esquerdista. O que acha de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador? Como você qualificaria o estado atual da esquerda no Brasil em geral e o governo Lula em particular?
No Brasil temos o mau hábito de exigir opiniões absolutas sobre tudo. Talvez porque as opiniões relativas pareçam vir de cima do muro. Mas você pode achar certas coisas em Cuba admiráveis, como a independência que conseguem manter ali embaixo do focinho dos Estados Unidos e o que, apesar de tudo, conquistaram em matéria de saúde pública e educação, e achar outras lamentáveis, como a falta de pluralidade política e a presidência vitalícia do Fidel. Entende-se que a direita brasileira seja obcecada por Cuba e, agora, pelo Chávez, mas não é preciso imitar sua radicalidade, a favor ou contra. A mesma coisa vale para os Estados Unidos, que são admiráveis e execráveis, dependendo do que você está falando. O governo Lula a mesma coisa, só que neste caso a gente tende a ser mais a favor do que contra para não engrossar o coro dos reacionários, que já é suficientemente grosso. Esse tal de novo populismo na America do Sul é importante menos pelo que é do que pela sua origem, o fracasso de políticas neoliberais recentes em cima de todos os anos de descaso social das elites do continente, que agora têm que enfrentar os chaves e os morales e outros monstros que criou. O novo populismo, ou como quer que se chame isso, também tem seu lado animador e seu lado discutível, além do seu lado precário. Já a esquerda brasileira continua como sempre foi, dividida.

RENATO POMPEU Como você encara a obra de seu pai? A sua é uma continuidade ou uma superação?
Acho que meu pai pagou o preço por ser um autor popular. Não digo que tenha sido injustiçado pela crítica, mas demoraram para reconhecer que mesmo a primeira fase da sua obra, dos romances considerados mais ingênuos, era importante em termos de técnica narrativa e estilo, além da crítica social que continha. Ele mesmo se descrevia como apenas um contador de histórias mas foi dos primeiros brasileiros a contar histórias urbanas, influenciado pela prosa moderna dos Estados Unidos e da Inglaterra, quando a nossa literatura ainda era regionalista ou fortemente marcada pela literatura ibérica ou francesa. A trilogia "O tempo e o vento" eu acho uma obra extraordinária, um romance histórico com uma estrutura inédita extremamente moderna. O primeiro volume da trilogia, "O Continente", eu considero o melhor livro dele e é o que eu reli mais vezes. Me contaram que o Garcia Marquez também leu, antes de escrever "Cem anos de solidão". Não sei. Se eu sou uma continuação dele? Não, e muito menos uma superação. Faço outra coisa, sem a mesma importância, e não tenho nenhuma pretensão a passar disso.

CARLOS ALBERTO AZEVEDO Seu pai foi um grande escritor, que ajudou a definir o Brasil e a nossa sociedade de uma época. Sua obra atualmente parece esquecida. Por qual motivo? Seria uma obra datada? Os livros de Érico têm sido reeditados nos últimos anos?
Depois da morte dele os livros continuaram a ser editados pela Editora Globo, mesmo depois que esta mudou de dono, e de uns anos para cá vêm sendo reeditados pela Companhia das Letras. Os livros têm vendas regulares e alguns títulos continuam a atrair bastante os leitores, como "Olhai os lírios do campo" e extratos de "O tempo e o vento" como "Ana Terra" e "Um certo Capitão Rodrigo". Os livros infantis também estão no mercado, com vendas razoáveis.
CARLOS ALBERTO AZEVEDO Não é comum que o filho de um grande escritor seja também grande escritor. Você conviveu com um pai que estava sempre escrevendo, sempre ocupado com sua literatura. Isso o intimidava ou atraía? Como foi a sua própria aproximação da profissão de escrever e, depois, da opção de fazer literatura?
Quando era garoto, tinha alguma dificuldade em explicar aos colegas o que meu pai fazia, exatamente. Escritor não era profissão, e ficar inventando histórias parecia coisa de desocupado. Eu gostava de ve-lo trabalhando. Me lembro quando ele começou a escrever "O tempo e o vento" na mesa da sala de jantar, batendo à máquina rapidamente, com os dez dedos, depois revisando o que escrevera e copiando a página com as alterações. Isso foi em 1947, eu tinha onze anos e lia as páginas recém saídas da máquina de escrever. Pode-se dizer que acompanhei o parto de "O Continente". Depois a casa foi aumentada e ele passou a trabalhar no que chamava de sua toca, isolado nos fundos da casa, e eu não acompanhei seu trabalho mais tão de perto. A não ser por três meses de verão na praia de Torres, quando acompanhei toda a feitura de "Noite". Nunca foi nada intimidante, só um pouco misterioso, no sentido de que o que ele fazia não era o que os outros pais faziam. Eu não optei por escrever. Não tinha nenhuma idéia de ser escritor, apesar de sempre ler muito. Não me formei em nada e quando voltamos de uma segunda estada nos Estados Unidos fui posto a trabalhar no departamento de arte da Editora Globo porque, por um preconceito inexplicável, não queriam um vagabundo dentro de casa. Depois tentei outras coisas que não deram certo, fui morar no Rio com a idéia de ganhar, não sabia como, algum dinheiro e depois seguir para Londres. Lá conheci a Lúcia, nos casamos, tivemos a Fernanda, e voltei com elas para Porto Alegre. Me convidaram para fazer uma experiência no jornal "Zero Hora" (na época não se precisava de diploma para ser jornalista) e acabei cronista. Só então, com 30 anos, descobri que sabia escrever. Antes só tinha feito algumas traduções do inglês para o português. O começo na profissão, portanto, além de tardio, foi meio acidental.

CARLOS ALBERTO AZEVEDO Quem vendeu mais livros até hoje, seu pai ou você? Quem fez mais sucesso, seu pai ou você? E quem dos dois é melhor escritor?
Meu pai vendeu mais livros, claro, pois alguns continuam vendendo. Ele fez mais sucesso e foi melhor escritor.

CARLOS ALBERTO AZEVEDO A literatura brasileira hoje tem qualidade melhor ou pior do que a literatura de 50 anos atrás? Há algum escritor atual que se compare a Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade? Se há, quem é? Ou quem são? Se não, como se explica isso?
Não sou a pessoa indicada para fazer a comparação porque conheço pouco a nova literatura brasileira mas acho que um Cony, um João Ubaldo, um Moacyr Scliar, um Rubem Fonseca, um Milton Atou e mais uns quatro ou cinco que eu só vou lembrar daqui a meia hora jogariam na seleção principal de qualquer época.

PALMÉRIO DÓRIA Você tem inveja de não ter criado algum personagem de outro humorista?
Eu tenho uma inveja danada do Laerte e do Angeli, que não só desenham daquele jeito como inventam tipos sensacionais. O Taurino, do Santiago, e o Rango do Edgar Vasques também são invejáveis. Para ficar só em personagens desenhados.

PALMÉRIO DÓRIA Os trocentos ministérios de Lula são uma criação imortal de Péricles?
Você quer dizer que estamos entregues a um bando de amigos da onça, não nossos? Pode ser, salvo algumas exceções. Mas eu acho que o Péricles teria caprichado mais na feitura dos tipos.

PALMÉRIO DÓRIA O que você gostaria de voltar na próxima encarnação?
Eu sempre digo que reencarnações só valeriam a pena se desse para acumular tempo para o INPS. De qualquer maneira, gostaria de voltar como meu biógrafo. Assim não precisaria fazer muita pesquisa.

PALMÉRIO DÓRIA Por que você não escreve um manual de desajuda?
Pois é, tem tanta literatura de auto-ajuda por aí, mostrando às pessoas como serem vencedores, que o resultado pode ser um excesso de bem sucedidos. Alguém tem que começar a ensinar ao pessoal como aceitar o fracasso. É uma boa idéia.

PALMÉRIO DÓRIA A socialite socialista Dora Avante detona que tipo de perua - van, station wagon, picape...? Ou ela prefere o primeiro Ford T, o Carro Sapiens?
A Dora Avante não gosta de nada que mostre a sua idade. Só não anda de motocicleta porque o Pitangui desaconselhou que ela fique muito tempo sentada, depois da última plástica.

PALMÉRIO DÓRIA O Bocão é um bicão pela própria natureza?
O Boca, para quem não sabe, é personagem de um desenho que eu faço, que sai na "Zero Hora" e no "Estadão", chamado "Aventuras da Família Brasil". É o genro com o qual todo sogro sonha, quando tem pesadelos. Ele não tem caráter, mas se tivesse não seria mau.

PALMÉRIO DÓRIA Você diz que fora do cabo não tem salvação. Gostas de um Seinfeld? Aliás, Jerry Seinfeld, falando o desenho Bee Movie, diz que nos EUA tem uns 4 humoristas brilhantes. Aqui quantos eles seriam?
Ultimamente ando catando o Seinfeld na TV, pois nunca decoro os horários em que ele vai aparecer. Quais seriam os 4 humoristas mais brilhantes do Brasil? Bom, tem o Millor, e só aí já são dois, o Laerte e um no exílio, o Ivan Lessa. E mais o Jaguar, os Carusos, o Fausto Wolff, o Mario Prata e o filho do Mário Prata, muita gente.

PALMÉRIO DÓRIA Se o atual governo fosse uma escola de samba, qual seria o enredo dela este ano?
Algo como "Sem fotoshop não dá!"

PALMÉRIO DÓRIA Você, que fala tanto, aceitaria o cargo de ministro das Comunicações num eventual terceiro governo Lula? Se preciso for, será que Lula fecha com a direita de Gengis Khan?
Aceito, desde que não precise sair de casa. Hoje, com o e-mail, a comunicação ficou fácil. Mas quero secretárias, muitas secretárias. O Lula, aparentemente, faz aliança com qualquer um que bater na porta.

HAMILTON DE SOUZA Você acha que a vitória do PT para a Presidência da República em 2002 e em 2006 reduziu ou aumentou o espaço do humor no Brasil? Por quê?
Na medida em que poucos governos foram tão anarquizados na história do Brasil e a figura do Lula se presta a caricaturas, imitações e gozações como poucas outras, aumentou o humor no país. A popularidade do Lula contribui para isso, ou isso contribui para a popularidade do Lula. Tem gente que se diverte com ele, vê as bobagens que ele diz como prova de bonomia e autenticidade. Fora os DEM, acho que está todo o mundo se divertindo mais no Brasil. Os banqueiros, então, nem se fala.

HAMILTON DE SOUZA Como fazer boas crônicas sobre os erros e os danos do neoliberalismo se a maior parte da esquerda aderiu às políticas neoliberais? Como escrever crônicas satíricas e bem-humoradas sobre a corrupção se essa prática anda generalizada, virou marketing da Polícia Federal e leva todo mundo para a pizzaria?
A economia, pelo que eu leio e ouço, vai melhor agora do que ia sob um governo abertamente neoliberal, o que leva a concluir que o PT pelo menos está sendo eficiente na sua incoerência. Na verdade essas contradições, e o pouco efeito que as denúncias de corrupção tiveram na avaliação do governo Lula, só reforçam aquela idéia da irrelevância crescente da política num mundo dominado pelo capital financeiro. A crítica, a sátira, etc. acabam sendo sobre nada muito pertinente ao que realmente importa.

HAMILTON DE SOUZA Agora falando sério: você vê alguma salvação para o Brasil?
Nunca entendi muito bem o que significa um país se salvar. Se os políticos e o caráter no Brasil vão melhorar, acho que sim. Piorar não pode. A eleição do Lula já foi uma boa novidade numa história toda feita de cima para baixo, com escassa participação popular. Você não precisa simpatizar com o Lula para apreciar que o ódio que ele desperta em parte do nosso patriciado é um bom sinal, de que a novidade está tendo efeito e certos pressupostos antigos sobre quem tem direito ao poder no Brasil já não valem. Em outros tempos, quando um discurso podia derrubar um governo, essa reação feroz já teria tido conseqüências institucionais. Hoje não. Outro exemplo de como melhoramos aos poucos. Agora, se a questão é a salvação do Brasil dos cataclismos previstos para o planeta, não sei não. Temos uma costa imensa para ser inundada. E há dias houve um terremoto em Minas, outra novidade no Brasil. Um mau sinal.

ANA LUIZA MOULATLET Apenas escritores engajados ganham o prêmio Nobel, que costuma enxergar o homem como um todo. Jorge Luis Borges, por exemplo, apesar de toda a sua obra, era um homem conservador e nunca ganhou o prêmio. O senhor acha que o homem tem que ser igual à obra, ou a obra se aliena do homem e é importante por si só?
Acho que o escritor, principalmente o que tem um espaço na imprensa, deve ser uma testemunha do seu tempo, o que não implica em ser engajado numa causa ou numa ideologia. E acho que a obra é mais importante do que o autor. Um dos meus escritores favoritos é o inglês Evelyn Waugh, que era um esnobe, um reacinonário e um carolão, mas tinha a melhor prosa da sua época, o que para mim desculpava tudo. Borges é outro exemplo. Se não fosse um conservador, não seria o Borges e perderia a graça.

ANA LUIZA MOULATLET O politicamente correto veta certos tipos de humor, e muitos escritores, atores e humoristas são condenados por fazer este tipo de humor. Como o senhor vê o humor politicamente incorreto?
O ideal é que o humor não tenha nenhuma forma de limite, nem o do bom gosto. E o que acontece é que muitas vezes a intenção do humor incorreto, aparentemente insensível ou ofensivo, é mal compreendida. No famoso caso do Jonathan Swift, por exemplo, com a sua proposta de que os bebês irlandeses fossem comidos pela população para resolver ao mesmo tempo os problema da super-população e da fome, mais gente se escandalizou com o mau gosto do autor do que entendeu que o alvo da sátira era o escândalo da miséria na Irlanda, era a insensibilidade com a miséria. No fim, depende de cada humorista estabelecer seus próprios limites, sem ditá-los para ninguém.

ANA LUIZ MOULATLET O senhor acha que as grandes utopias acabaram, que o messianismo chegou ao fim? Há uma causa pela qual o senhor lutaria hoje?
Gosto daquela frase do Chesterton segundo a qual quando as pessoas deixam de acreditar em Deus não passam a acreditar em nada, passam a acreditar em qualquer coisa. As grandes utopias sociais acabaram, ou estão em recesso, mas o mais preocupante no mundo hoje é o que as pessoas estão dispostas a acreditar, por mais irracional ou primitivo que seja. Há uma retribalização da humanidade em curso e a guerra entre os monoteísmos é apenas uma das evidências disso. As utopias pelo menos pressupunham um desejo de organização social pela razão, ou pelo altruísmo, mas o desejo dominante hoje parece ser o de embotamento da razão por um sentimento tribal, qualquer sentimento tribal. A causa pela qual vale a pena lutar é uma idéia de sociedade, daquilo que a Margaret Thatcher dizia que não existe, uma idéia de comunidade e justiça compartilhadas, acima das ambições individuais e da moral do mercado.

MARIANA SANTOS Como você lida com essa espécie de plágio ao contrário que acontece com os mais de 40 textos escritos por outras pessoas e atribuídos a você na internet? Porque você acha que isso acontece?
Não entendo o que leva alguém a atribuir um texto a outra pessoa, às vezes um texto próprio, e bom. Mas não há o que fazer. A internet é uma terra de ninguém, não dá para controlar, o jeito é se resignar. Sempre conto o caso de um texto chamado "Quase" que circulou na internet com a minha assinatura e pelo qual recebi muitos elogios. Teve até uma senhora que disse que nunca gostara muito do que eu escrevia mas adorara o “Quase" e sugeria que eu escrevesse sempre assim. No Salão do Livro de Paris, não faz muito, uma moça me contou que estava lançando um livro de traduções do português com textos da Clarice Lispector, do Carlos Drummond de Andrade e outros, e incluíra um texto meu. Adivinhe qual era? O "Quase", "Presque" em francês. Algumas pessoas ficam tão desapontadas quando descobrem que um texto meu que leram na internet e gostaram não é meu que já desisti de negar a autoria. Admirador a gente não recusa, mesmo quando não merece.

LÉO ARCOVERDE Sempre ouvi falar de sua amizade com o ex-jogador chileno Don Elias Figueroa, ex-zagueiro do Internacional. Gostaria de saber se vocês conversavam (ainda conversam?) sobre literatura, como dizem, ou acerca do futebol mesmo. Poderia contar um pouco dessa amizade?
Quando o Figueroa chegou para jogar no Internacional a Lúcia e eu convidamos ele e a mulher dele, a Marcela, para jantar na nossa casa e fizemos uma boa amizade. Eram pessoas muito agradáveis, convivemos bastante, mas não conversávamos muito sobre literatura. Essa idéia nasceu porque na saída do primeiro jantar lá em casa o Figueroa olhou para as estrela e lascou um poema do Pablo Neruda. O Ruy Carlos Ostermann descreveu a cena na coluna dele do jornal, e a conclusão geral foi que, além de ter trazido o melhor zagueiro do mundo para Porto Alegre, o Internacional tinha comprado um intelectual. Os gremistas logo insinuaram que aquele era o único poema que o Figueroa sabia, o que também era um exagero. Ele conhecia muitos poemas do Neruda, mas isso nunca foi tópico de nossas conversas, que eram mais sobre futebol mesmo. Bastava as coisas inspiradas que ele fazia no campo, como o famoso gol do faixo de luz que fez no Cruzeiro, sua cabeça iluminada pelo último raio do sol poente, que deu o campeonato brasileiro de 1975 para o Internacional e que foi decididamente um poema.

THIAGO DOMENICI No salão do jornalista escritor deste ano o senhor comentou que a imprensa brasileira de hoje é de direita, quais os motivos que o levam a achar isso? E, com uma declaração desse tipo, escrever pro Estadão (que acho de direita) não seria incompatível?
No salão eu tentei fazer uma piada com a tese de que a virada à direita da imprensa brasileira coincidia com a substituição da máquina de escrever pelo computador nas redações, quando o barulhento trabalho braçal nas máquinas, que podia identificar os jornalistas com o proletariado, deu lugar a um sóbrio ambiente de banco, liquidando com a velha idéia de que num jornal era todo o mundo de esquerda até o nível de redator chefe e de direita daí para cima. A tese não se sustenta, claro, era brincadeira. No "Estadão" eu escrevo o que quero e nunca recebi nenhuma restrição. Minhas crônicas são distribuídas a vários jornais do país pela Agência Globo e nunca pedi para saber a orientação política desses jornais, embora, imagino, eles saibam a minha. Restrições, mesmo, eu só recebo de leitores do "Estadão", sempre que escrevo sobre política. O "Estadão" até me protege, mandando para mim em vez de publicar as cartas mais agressivas. Como a do leitor que escreveu que, sempre que eu mencionava o Lula, ele vomitava.

SÉRGIO DE SOUZA Vi um crítico de artes plásticas dizer, a respeito de Tomie Ohtake, a propósito de ela falar pouco: "Ela é uma artista do silêncio". A definição parece perfeita no seu caso, daí minha pergunta: a que você atribui essa inapetência de falar? Sempre foi assim? Tocar em público é diferente de falar? Por quê?
Esse negócio de eu falo pouco é um mito, os outros é que falam muito. Fico esperando uma brecha que nunca vem... Na verdade, as pessoas não se dão conta de como falar é difícil. Você pensar no que vai dizer, organizar a frase, calcular quanto ar vai ter que produzir para dizê-la, escolher a correta formação da boca para moldar as palavras... É uma arte que não domino. Mas já fui pior. Hoje, depois de vencido o primeiro impulso, que é o de sair correndo do lugar, já consigo falar em público. E tocar em público é bem diferente de falar. O que eu faço é brincar de músico, portanto o que está em cima do palco não sou eu, é uma simulação.

SÉRGIO DE SOUZA Os fãs sempre gostam de saber como o escritor trabalha, que métodos segue, onde busca seus temas. Eu gostaria de saber, ainda mais que você já ganhou um título de Homem de Idéias do Ano.
Como o meu pai, tenho a minha toca nos fundos da casa, onde fico isolado a maior parte do dia. Começo a trabalhar normalmente pelas nove e meia ou dez, paro para o almoço e uma rápida cochilada, depois trabalho até a hora do Jornal Nacional. O volume do trabalho depende, quando é dia de mandar matéria para os jornais ele é mais intenso, nos outros é mais folgado. Quando estou escrevendo um livro, como agora, aproveito os fins de semana e as horas vagas. Os assuntos vêm do noticiário do dia, das leituras, às vezes de coisas banais. Sempre conto que uma vez uma repórter me entrevistou para uma TV, em Ouro Preto, e perguntou muito sobre isso, de onde vem os assuntos, como nasce uma crônica. Terminada a entrevista ele me passou um livro meu para autografar mas antes disso escreveu alguma coisa no livro. Estranhei, ela estava autografando o meu livro? O que ela tinha escrito era "Luis, a sua braguilha está aberta". Foi o jeito que encontrou para me dizer que eu tinha feito toda a entrevista com a calça aberta. Está aí, disse eu. Eis um exemplo do germe de uma crônica. Escrevi sobre o episódio, mas não sei se ela chegou a ler. Tempos depois a encontrei num festival de jazz em Vitória. Ela me abanou de longe e gritou "Sou eu, a da braguilha!"

SÉRGIO DE SOUZA E a internet? Como você se dá com ela? Obrigado e, por último, você não quer escrever uma coluna de futebol pra Caros Amigos?
Uso o computador como uma máquina de escrever com memória, leio o New York Times e a Terra Magazine, uso bastante o e-mail e o google, e só. Aliás, desde que comecei a usar o google nunca mais errei a correta grafia de Nietzsche. Escrever sobre futebol para a Caros Amigos? Vamos ver como o Internacional começa o ano. Se for como 2007 prefiro não tocar no assunto

JOÃO DE BARROS Como o senhor analisa o governo Lula? Houve avanço nas questões econômicas e sociais quando comparado ao governo tucano? E como o senhor analisa o atual governo do ponto de vista ético? Como o senhor analisa a literatura brasileira nos dias atuais. O que – e quem – apareceu de novidade nos últimos anos? Gostaria de saber o que o senhor fez no dia em que o Internacional se sagrou campeão mundial de clubes.
O governo Lula decepcionou todo o mundo, a esquerda porque não é exatamente um governo de esquerda e a direita porque não é um fracasso completo. E a gente tem que reconhecer, um presidente que consegue agradar, ao mesmo tempo, o povão, como mostram as pesquisas, e os banqueiros, é algum tipo de gênio da engenharia política. Pelo menos parece que está havendo algum progresso no que é, afinal, a questão primordial do Brasil, a da distribuição de renda. Na questão da ética, acho que o PT ficou devendo explicações, mas temos uma oposição tão hipócrita que fica difícil acompanhá-la nas suas cobranças. Sei, infelizmente, muito pouco sobre a nova literatura brasileira, sei que tem muita gente boa mas que ainda não pude descobrir. Nem na literatura brasileira nem na mundial. Leio tanto para me informar que acabo negligenciando a informação mais valiosa, que vem da criação dos outros. Sobre a vitória do Internacional no Japão não posso dizer nada porque ainda estou esperando acordar a qualquer momento.

MICHAELLA PIVETTI as cobras são para mim as tiras mais engraçadas e bem resolvidas que tenham sido publicadas no Brasil. Como chegou nelas, inclusive graficamente, e se pensa retomar sua criação para deleite coletivo?
Muito obrigado. Sempre gostei muito de cartuns e quadrinhos e quando passei a ter um espaço assinado no jornal aproveitei para, vez por outra, substituir o texto por desenhos. Como meu desenho é muito rudimentar, para não dizer ruim, escolhi cobras porque são fáceis de fazer. Cobra é só pescoço, não tem detalhes. Também aproveitei para dizer com os desenhos o que nem sempre podia dizer com o texto. Por alguma razão, talvez pela conotação de coisa infantil, lúdica, desenhos não eram tão controlados quanto palavras, na época. Não foi por nada que a grande revelação do humor brasileiro durante a ditadura foi o Henfil, com seus cartuns. Parei de fazer as cobras porque estava fazendo coisas demais, e também porque fiz 60 anos e achei que não ficava bem para um sexagenário chefe de família estar desenhando cobrinhas. Mas recentemente elas foram reavivadas pela Terra Magazine, do Bob Fernandes, onde aparecem às segundas-feiras.

MICHAELLA PIVETTI Você é um cronista do homem comum, escreve como poucos sobre o cotidiano. Como fazer do dia-a-dia um tema tão interessante, já que o cotidiano, a rotina, parece, para muitos, algo tão sem graça?
Na verdade a gente não escreve sobre a rotina, escreve sobre uma quebra de rotina, sobre coisas incomuns que acontecem com pessoas comuns e mudam suas vidas, alguma epifania ou paixão. Já chamaram minha atenção para o fato que escrevo muito sobre casais se desfazendo, o que não tem nada a ver com a minha experiência pessoal, pois estou casado há 43 anos com a mesma mulher. Acho que é um recorde mundial.

MICHAELLA PIVETI Como você acha que iria se comportar a Velhinha de Taubaté diante do governo Lula?
A Velhinha de Taubaté morreu de desgosto quando soube que seu ídolo na época, o Pallocci, também estava envolvido nas confusões de Brasília. Como não dava para acreditar em mais nada, ela, que sempre acreditou em tudo, morreu. Dizem que a sua casa em Taubaté se transformou num santuário onde as pessoas vão rezar para voltarem a acreditar em alguma coisa, e é possível que ela ressuscite. Mas até agora não reapareceu.

MICHAELLA PIVETI Analisando brevemente seu universo de tipos impagáveis, percebe-se que transita como ninguém por esse terreno 'pantanoso' chamado carinhosamente de classe média. Você se considera pertencente a esse universo que sabe caracterizar tão bem? Em outras palavras: se fosse criar um personagem inspirado em você mesmo, que tipo seria o clone do Luís Fernando Veríssimo?
A classe média brasileira é onde eu vivo. Minha experiência pessoal não é exatamente típica e eu não seria personagem de uma história minha, por absoluta falta de graça, mas a gente aproveita as histórias que ouve e a experiência dos outros. Muita gente me pergunta se o pai da Família Brasil não sou eu, por causa dos óculos, da careca e de uma certa perplexidade diante do mundo moderno. mas não sou eu, não. Pelo menos não que eu saiba..

MICHAELLA PIVETI É difícil ser filho de um escritor respeitado e famoso? Quando e como descobriu que poderia ser você mesmo e deslanchou na vida profissional? O que tem de mais interessante o Brasil hoje? E de insuportável?
O pai nunca se levou muito a sério, o que ajudou a família a conviver com sua fama. O fato de ter um sobrenome conhecido certamente me ajudou quando eu comecei, criou uma certa curiosidade nas pessoas e abriu portas. Nunca senti que havia algum tipo de cobrança pelo fato de ser filho de quem era, e isso nunca me preocupou. Minha carreira mudou com a publicação de "O Analista de Bagé", meu primeiro livro a ter repercussão nacional, em 1981. Daí para diante todos os meus livros tiveram, em média, boas vendas. O que tem de mais interessante, de novo, no Brasil hoje, acho eu, é o cinema que a garotada está fazendo com pouco dinheiro e muita criatividade, e que está encontrando o seu público. Conheço mais o que se faz em Porto Alegre, que é hoje um pólo importante de produção, mas sei que o mesmo acontece no resto do Brasil. O que há de mais insuportável no Brasil é a hipocrisia. Tivemos uma apoteose de hipocrisia na recente votação da prorrogação da CPMF.

MICHAELLA PIVETI - Melhor legado para deixar aos filhos?
A solidariedade.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2008

Suem e que se danem

Creio que esse instinto de perpetuar o trabalho inútil é, no fundo, simples medo da plebe. Essa gentalha (costuman pensar) é constituída por animais tão vis que se tornariam perigosos se tivessem lazer; é mais seguro mantê-los bastante ocupados para evitar que pensem. Se perguntarem a um homem rico que seja intelectualmente honesto sobre a melhoria das condições de trabalho, ele dirá algo assim:
"Sabemos que a pobreza é desagradável; na verdade, uma vez que é tão remota, gostamos um pouco de nos angustiar com a idéia de sua desagradabilidade. Mas não esperem que façamos alguma coisa a respeito dela. Temos pena de vocês, classes baixas, tanto quanto temos pena de um gato com sarna, mas lutaremos como demônios contra qualquer melhoria de sua condição. Achamos que vocês estão muito mais seguros assim como vivem. O atual estado das coisas nos convém e não vamos assumir o risco de libertá-los, nem mesmo de uma hora extra por dia. Então, queridos irmãos, uma vez que vocês devem evidentemente suar para pagar nossas viagens à Itália, suem e que se danem". pág. 139.
George Orwell, novamente à baila, escreveu esse trecho elucidativo sobre o pensamento das elites na década de 20, quando escrevia o livro Na pior em Paris e Londres - a vida de miséria e vagabundagem de um jovem escritor no fim dos anos 1920 (Editora Companhia das Letras). Curiosamente não, afirmativamente é o pensamento em voga até hoje, 2008, quando a estrutura social e desigual se amplia a passos largos, capitaneada pelo mal do século, o capitalismo imbecilizado pelos sabotadores liberais espalhados pelo mundo. Uma merda cada vez mais fedida e que está longe de acabar. Thiago Domenici
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