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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

domingo, 30 de setembro de 2012

Coisa Íntima # Eduardo Seidl

Série Coisa Íntima
Autorretratos por fotógrafos profissionais e amadores.
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“Tirar a própria fotografia é a terceira coisa mais íntima que uma pessoa pode fazer com ela mesma, depois da masturbação e do suicídio”.
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Título: ¡1mín!
Descrição: Quero lembrar de alguma história desta foto. Mas se novamente eu cair no buraco fundo do tempo e não te responder, vai uma descrição técnica: "Pinhole em lata de leite em pó com papel fotográfico, luz matinal de um dia nublado, 1 min de exposição, ao lado do laboratório adaptado no banheiro do apartamento.
Autor: Eduardo Seidl
Data: Primavera de 2001

sábado, 29 de setembro de 2012

Quadrinho_16


Fernando Carvall, ilustrador e caricaturista. Mantém o Estúdio Saci.

sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Chama o síndico


Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, colunista do NR, atualmente mantém a série A Fábrica de Brinquedos Pau-brasil

Escrevo-te estas maltraçadas linhas, meu amor

Erasmo e Roberto (ao centro)
Toda hora ouço por aí o pessoal da minha idade contando como os Beatles e os Rolling Stones foram e são importantes na sua vida, como suas canções e modelitos influenciaram seu pensamento e comportamento etcétera e tal.

Eu só percebi a existência deles quando já era adulta, e até hoje conheço apenas as músicas mais tocadas dos Beatles e quase nada dos Stones. Sem falar na Bossa Nova, que só fui perceber e entender muito mais tarde.

É que eu nasci e vivi até os dezessete anos no interior de São Paulo. A vida de criança ia indo, até que, quando eu tinha uns sete anos, a meninada enlouqueceu com uma onda irresistível de alegria e energia chamada Jovem Guarda. Da noite pro dia, Roberto Carlos ocupou todos os espaços, com sua imbatível “Quero que vá tudo pro inferno”. Em seguida, muitas outras canções, franjinhas, calças de napa, guitarras e um romantismo rasgado, cheio de ritmo.

Fomos instantaneamente seduzidos pela novidade. As fofocas, cumplicidades, parcerias e rivalidades passaram a fazer parte da nossa vida. O rádio ligado na cozinha era a senha pra que minha irmã e eu nos juntássemos à querida empregada Jacira numa cantoria que era pura felicidade.

As famosas tardes de domingo eram mágicas. Era o tempo da “televizinho”, e, mal terminava o almoço, lá íamos nós, correndo pela rua, para a casa do quarteirão que tinha o equipamento essencial. Juntava um monte de gente, como se fosse um auditório mesmo, e curtíamos cada minuto de Roberto, Erasmo, Wanderléia, Martinha, Os Incríveis, Paulo Sérgio (o rival), Wanderley Cardoso, Jerry Adriani, Silvinha e tantos outros. Todos eram estrelas da revista InTerValo, outra grande companheira.

Enquanto a galera cosmopolita cultuava John Lennon e sua turma, pra nós fazia muito mais sentido o provincianismo pseudo-rebelde gerado em Cachoeiro do Itapemirim, claro. E era muito bom. O banquinho e o violão também pertenciam a outro planeta. Quando, lá pelos quinze anos, vi no programa de Flávio Cavalcanti uma gincana que exigia que os grupos cantassem “Desafinado” sem errar a letra, eu não tinha a menor ideia de que música era aquela. Lembro que achei o título engraçado e que falava de uma “roleiflex”, que eu não sabia se era de comer ou de beber.

Acabo de me dar conta de que a Jovem Guarda é a lembrança mais alegre, vibrante e cálida que tenho daqueles tempos. Quando adolesci, a MPB falou mais alto e a “música-cabeça” ocupou o lugar das namoradinhas, calhambeques e pare agora. Em plena ditadura, passou a fazer muito mais sentido que a doce e ingênua alienação de antes.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A vez dos soldados

Nas guerras, a história é velha, os soldados vão para a linha de frente matar ou morrer. Enquanto isso os generais traçam estratégias protegidos por outros soldados. Bem longe do front, governantes das partes beligerantes tentam tirar o dinheiro do povo para os gastos com o conflito.

Terminada a guerra, a história também é velha, os generais ganham nomes de ruas, praças, pontes, elevados. Entram nos compêndios escolares. Já a soldadesca cai no profundo anonimato. Ao menos, social. Porque, evidente, os soldados seguem nos corações dos seus.

Em tempos de paz, os civis também fazem coisas parecidas. Mesmo a esquerda, tradicionalmente comprometida com a justiça e a igualdade, comete seus pecadilhos. Por exemplo, quando ela dá força ao culto de seus líderes, ignorando seus soldados.

Nesse caso "soldado" corresponde a centenas, às vezes milhares, de militantes do cotidiano dos movimentos sociais. O pessoal que dedica a vida à construção de um mundo melhor. Que pavimenta a estrada onde os líderes passarão com notoriedade.

Todos sabemos muito do Che Guevara. Como ele era, do que gostava, do que não gostava. Seu rosto é tão conhecido quanto o da Mona Lisa. Você já parou para pensar quantas camisetas existem no mundo com a estampa do Che? Deve ser da ordem de milhões.

Mas pouco ou nada sabemos dos rostos e nomes dos camponeses que lutaram ao seu lado. Nas cidades, os fatos são semelhantes. Líderes que construíram suas histórias apoiados pela base, de repente se entopem de doril quando desembarcam no Poder.

Penso que talvez a plataforma internet seja, no longo prazo, capaz de reparar essa injustiça com os soldados anônimos – mulheres e homens – de todas as lutas. Pois pela primeira vez, na longa evolução da informação e da comunicação, é possível conhecer não a história de um, mas a história de muitos.

Mais ousado ainda: é possível que cada um registre a sua versão dos fatos. Defenda seu ponto de vista. Só assim, uma história repetitiva e personalista terá chance se tornar criativa e coletiva. Oxalá!

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Fernando Carvall, ilustração especial para o texto

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Vladimir Herzog: morte matada não é morte morrida

Caco Bressane, arquiteto e ilustrador, colunista do NR, atualmente mantém a série A Fábrica de Brinquedos Pau-brasil

Estrelas do IgNobel

Desde 1991 esperada com a mesma ansiedade do Nobel
Passei a noite da quinta-feira assistindo ao vivo pelo YouTube, diretamente do auditório da universidade de Harvard, à cerimônia de gala do prêmio IgNobel. Temi um pouco por minha sanidade mental ao constatar que apenas 480 pessoas no planeta estavam ligadas no YouTube no momento do grande evento, mas não me arrependi.

A festa é a culminação dos trabalhos da organização Pesquisa Improvável, com sede em Harvard, que passa o ano analisando mais de 20 mil revistas científicas para escolher os mais bizarros e, aparentemente, inúteis papers acadêmicos até culminar na escolha dos dez laureados da cerimônia.

A organização diz que são escolhidos trabalhos que primeiro fazem rir e depois pensar. Desde 1991, quando foi feita a primeira premiação, a lista é aguardada por cientistas de todo mundo com a mesma ansiedade do prêmio Nobel sueco. E os premiados de 2012 não decepcionaram.

Emmanuel Ben-Soussan e Michel Antonietti (França), premiados na categoria Medicina, detalharam num trabalho publicado os procedimentos preventivos de uma colonoscopia, para evitar os riscos de explosões de gases durante o exame, quando se usam eletrodos ou laser de cauterização nas entranhas intestinais, que podem estar empestiadas de hidrogênio e metano altamente inflamáveis, especialmente se as dobras do órgão contiverem matéria fecal bloqueando a vazão.

Em Neurociência o prêmio foi para Craig Bennett e equipe (EUA) por um detalhado trabalho de ressonância nuclear magnética mostrando como detectar atividade cerebral num salmão morto.

O prêmio de literatura foi para Controladoria Geral do Governo dos EUA que publicou um inacreditável relatório acerca de relatórios sobre relatórios que recomenda a preparação de um relatório sobre o relatório acerca de relatórios sobre relatórios. Esse foi o único premiado que não achou a menor graça e não mandou o burocrata responsável para a cerimônia e nem respondeu aos pedidos de comentários por parte da imprensa.
 O rabo de cavalo de Raymond Goldstein (Reuters)

A Física, a rainha das ciências de Newton e Einstein, foi para Joseph Keller (EUA), Raymond Goldstein (Inglaterra) e equipe, pelos complicados cálculos de equilíbrios de forças que atuam dinamicamente num rabo-de-cavalo, numa equação que tem até um coeficiente batizado de Número de Rapunzel, mostrando que eles balançam como um pêndulo harmonicamente na lateral, e não para cima e para baixo como esperaria o senso comum.

Em anatomia o troféu foi para Frans de Waal e Jennifer Pokorny (EUA), que descobriram e provaram que os chimpanzés são capazes reconhecer uns aos outros, sem olharem suas caras, por meio de fotografias dos seus traseiros.

A cerimônia, evidentemente, foi hilária. Para contrastar, nada menos que sete prêmios Nobel de verdade compareceram ao palco e participaram da entrega dos troféus, que nesse ano foi uma ampulheta de areia que simbolizava os grãos do Universo.

Também foi apresentada uma ópera sobre o design inteligente do cosmo, uma sátira ao criacionismo. Só que o design no caso era um estilista de vestido que tentava satisfazer uma cliente fútil em busca da roupa universal. A dupla consulta astrofísicos cantantes para obter e receita.

O palco era um caos: varredores que recebiam elogios pela atuação nos bastidores e que tinham muito trabalho limpando a chuva de aviões de papel disparados pela platéia. A iluminação era provida por lanterninhas de roupa prateada que substituíam os holofotes, num estilo meio punk e vanguardista.

Tendo gargalhado bastante ao longo de quase duas horas, ao final, como exorta a organização, comecei a pensar. Lembrei que cientistas, aparentemente pessoas sérias, se dedicam a paródias mais frequentemente do que imaginam as pessoas leigas.

Fiz uma resenha sobre a mais clássica delas, retratada no livro Fausto em Copenhague (quem se interessar está em http://flaviodecarvalho.multiply.com/reviews/item/21).

Fausto em Copenhague gira em torno de uma troça. Em 1932, todo mundo na Alemanha promovia comemorações do centenário de nascimento de Wolfgang Goethe, e os estudantes resolveram fazer também sua paródia de Fausto, a obra máxima do gênio alemão.

Era apenas uma peça estudantil que foi encenada ao fim dos trabalhos, para relaxar, na mansão em Copenhague que abrigava o instituto de física teórica no térreo e a residência familiar de Bohr no segundo piso.

Gino Segrè, o autor do livro, inspirou-se no script original da peça, traduzida e guardada pelo russo George Gamow (a quem o livro é dedicado). Caricaturista com certo talento, Gamow rabiscou as charges que ilustram a peça, reproduzidas na obra de Segrè.

O bondoso Deus da peça era um estudante mascarado com traços caricaturais do patriarca da mecânica quântica, Niels Bohr, que assistiu à chacota na primeira fila, no auge do seu prestígio aos 47 anos. Mefistófeles, o demônio, era encarnado pelo terrível Wolfgang Pauli.

Albert Einstein aparecia como um personagem que não existe na obra de Goethe: o rei das pulgas, que atormentava toda a corte científica com suas tentativas de unificar a física com uma teoria geral de campos (que nunca deu certo) e as insistentes críticas à mecânica quântica. O futuro Nobel Paul Dirac, uma pessoa introvertida, era o pianista do fundo musical.

Portanto, que cientistas sérios se entreguem a presepadas desse tipo não é muito surpreendente. Mas o que pensei mesmo depois de rir muito foi que a premiação está mudando seu caráter. Nos primeiros anos a maioria dos escolhidos ficava constrangida e poucos se arriscavam a comparecer ao auditório em Harvard. Mas com o passar dos anos os concorrentes foram perdendo a vergonha e até passam a cobiçar a láurea.

Especialmente depois que um dos premiados pelo IgNobel também ganhar o Nobel de verdade em 2010. Esse feito é do holandês Andre Geim que ganhou o Ignobel por fazer levitar sapos usando magnetos supercondutores e que o Nobel pela invenção do grafeno.

 "Spotlight Humano" lança uma luz sobre o orador Kirshner
O fato do IgNobel agora ser também cobiçado, levanta a suspeita de esteja ocorrendo trapaças e fraudes na disputa desse prestigioso prêmio. Um dos sintomas disso foi a presença de vários ignóbeis dos anos anteriores marcando presença agora todo ano no palco, como a russa inventora de um sutiã que se transforma em máscara respiratória e a do médico que ganhou no ano passado com o trabalho sobre cócegas no esfíncter para curar soluços.

O ganhador do prêmio de Neurociência de 2012 confessou que estava cometendo uma espécie de fraude “bem intencionada” pois sabia que salmão morto não tem atividade cerebral significativa. Diz ele que fez isso para denunciar a inundação de trabalhos com neuroimagens que não provam nada. Foi premeditado, portanto. Isso não desvirtuaria o sentido original da premiação? Talvez não.

Em 1996, o físico Alan Sokal submeteu um texto à revista Social Text, a principal publicação da área de estudos sociais pós-modernistas dos EUA. Tratava-se de um amontoado de coisas sem sentido, mas com uma linguagem esotérica e impenetrável, com o título “Transgredindo limites: em direção a uma hermenêutica da gravidade quântica”.

O artigo, como explicou o próprio Sokal, era “um pastiche de gírias esquerdistas, referências bajuladoras, citações grandiosas e referências nonsense estruturadas ao redor de frases tolas de acadêmicos pós-modernos” – aqueles acadêmicos que acham que tudo na vida são construções culturais.

Por causa do escândalo, quando o trote foi revelado, a revista Social Text, desmoralizada, foi fechada. O pensamento final, depois de rir muito, é, portanto, que a galhofa tem seu lugar importante na ciência e é aceita com alegria e bom humor. Infelizmente o mesmo não acontece com outra instituição que ao longo de milênios se julga ter o monopólio das revelações e do conhecimento, a religião. Para eles simples ironias e brincadeiras com seus ídolos ainda continua sendo punida com a morte e a violência troglodita.

 

Flávio de Carvalho Serpa, jornalista, especial para o Nota de Rodapé

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

“Não se admite”: policial não é executor

Em outubro de 2011, o NR contou a história de Márcio Lourenço, morto pela Guarda Municipal de Atibaia em mais um caso de violência policial. A prefeitura da cidade, à época, havia sido condenada por violação de direitos humanos. No texto de hoje, quatro anos após a execução do rapaz, a administração municipal sofre nova derrota na Justiça, numa decisão salutar da desembargadora/relatora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Luciana Bresciani.

Márcio, 22 anos, 3 anos antes de sua execução
Naquela manhã de domingo, no último 19 de agosto, Olinda Rodrigues Lourenço lembra com tristeza os quatro anos da morte de Márcio Rodrigues Lourenço, seu filho. Diarista, moradora de Atibaia, no interior de São Paulo, a 60 quilômetros da capital, ela pode, contudo, comemorar decisão judicial que fará alguma justiça numa situação que foi ignorada por prefeitura, Ministério Público e mídia local. Márcio morreu aos 25 anos, na tarde de 19 de agosto de 2008, executado por tiros da Guarda Municipal (GM) subordinada à Secretaria de Segurança Pública – relembre a matéria deste Nota de Rodapé sobre o episódio.

Confirmando decisões da Comarca de Atibaia e do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a desembargadora/relatora do TJ-SP, Luciana Bresciani, impôs nova derrota à prefeitura da cidade no dia 3 de agosto deste ano, quando foi publicada sentença que negou dois recursos da administração, um extraordinário e outro especial, impedindo-os, com sua decisão, de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília.

Para tanto, Luciana salienta a falta de fundamento na defesa dos guardas e destaca o incontestável excesso de força dos agentes. “Inconteste o nexo causal entre a ação dos guardas municipais e a morte do filho da autora. O excesso é manifesto, quer considerando a atuação da Guarda Municipal, ultrapassando os limites da prevenção de crimes, quer porque, de qualquer forma, não se admite transformar policial em executor”, ressalta.

Além disso, a relatora aponta provas definitivas de que Márcio não reagiu à agressão. Apesar das testemunhas da ré terem afirmado que a vítima estava armada, não há nos autos do processo qualquer prova nesse sentido. A arma a que fazem referência os guardas nem sequer foi encontrada. “Se existente, poderia ter sido utilizada pela vítima, o que também não restou claro nos autos”, indica Luciana. Outro aspecto é que não houve qualquer menção ao porte de armas no inquérito policial e nenhum trabalho pericial foi elaborado para verificar a presença de resíduos de pólvora nas mãos da vítima, cujo resultado evidenciaria presença ou ausência de arma nas mãos do rapaz.

Todas as testemunhas – com exceção dos guardas municipais e funcionários da Secretaria de Segurança Pública – declararam que o rapaz estava correndo, o que contraria o discurso do município.

Também um laudo mostra que a trajetória do projétil dá a ideia de que a vítima não estava em posição de confronto, já que a bala atingiu Márcio quando estava de lado para os guardas e não de frente.

No final da sentença, Luciana Bresciani enfatiza a responsabilidade da prefeitura e confirma a indenização por dano moral à mãe da vítima, no valor de cem salários mínimos mais correção, juros legais desde a citação e custas judiciais. “Nada justifica a conduta dos guardas em face da fuga do filho da autora. O nexo causal entre o dano e o fato está devidamente evidenciado, razão pela qual a reparação do dano moral é devida”.

Em 2011, o Tribunal de Justiça já havia discordado da versão dos guardas municipais, que alegaram legítima defesa para efetuar os disparos, e manteve sentença da Comarca de Atibaia, de 2010, contra o Poder Executivo, por violação de direitos humanos. A decisão confirmava a execução e apontava que o boletim de ocorrência foi forjado, pois o processo judicial desmente que o rapaz teria sido morto após trocar tiros com os agentes.

A luta segue

Olinda conta o motivo de pedir indenização. “O Márcio tinha defeitos. Não digo que não furtou as torneiras, mas ele nunca andou armado, não era o criminoso que disseram”, desabafa. “Estava esperando essa decisão. Finalmente saiu”, completa. Com a decisão na esfera cível, é possível, com atraso de quatro anos, a instauração de ação administrativa regressiva para que a Prefeitura apure internamente a responsabilidade dos agentes e exija deles o pagamento da indenização.

Cabe ao prefeito Dr. Denig (PV) a atitude de cobrar os autores do crime e tirar o peso dos cofres públicos. Em 2008, quando da ocorrência da morte de Márcio, o prefeito era o atual deputado estadual Beto Trícoli, também do PV. Na gestão dele, a apuração não progrediu.

Além disso, a reabertura do processo criminal foi solicitada pela organização não governamental Centro Nacional de Denúncias (CND-BR), ao Ministério Público, que arquivou o inquérito justificando não haver provas que constatassem infração por parte da Guarda Municipal. A nova decisão do TJ-SP pode fortalecer o pedido da entidade e forçar o MP a tomar providências.

Marcos Rodrigues Lourenço, irmão de Márcio, avalia que a sentença, independentemente do valor da indenização, motiva a continuação da luta para punir os responsáveis. “Nós, da família, nem estamos preocupados com o valor. Essa decisão nos fortalece para pedir justiça, para que os responsáveis tenham a culpa investigada pela prefeitura e para que respondam criminalmente. Tenho os jornais da época pintando meu irmão como um bandido perigoso, que atirava em guardas, matérias que expuseram a imagem dele sem a nossa autorização. O Márcio não era nada do que disseram. Tinha uma dependência, estava falando em se internar, mas não deu tempo”, afirma.

Moriti Neto, jornalista, mantém a coluna mensal Escarafunchar no Nota de Rodapé.

Ali vai minha avó

Para a dona Laura
 
No sábado, encontrei com minha avó na rua. Fazia mais de um ano que não a via.

Eu ia distraído e só percebi sua presença quando já estava a um metro de mim. Vi sua boquinha pequena se abrir e fechar, e rapidamente tirei o fone de ouvido. "Como?" E ela chegou um pouquinho mais perto e, fazendo um gesto com a mãozinha cheia de rugas, repetiu: queria um “trocadinho” para que tomar um “cafezinho”.

Fiquei confuso, pedi desculpas por não ter nada - ao mesmo tempo que batia no bolso da bermuda e as moedas me delatavam - e segui meu caminho. Olhei para trás e vi como ela continuou o seu, com aquele andar vagaroso característico. Ali vai minha avó e nunca mais voltarei a vê-la, pensei.

Pois bem, não era minha avó, porque minha avó morreu há três semanas. Morreu no Brasil, e eu não estive no enterro. Saber que alguém se foi é diferente de dizer adeus a esse alguém que se foi.

E quando cruzei com essa outra senhorinha aqui em Lisboa e lhe neguei um trocado, foi como se por fim tivesse me dado conta que minha avó já não existe. Que quando eu voltar ela não estará, e que morrer é não estar mais, nunca mais, a não ser nas lembranças.

E agora, quando chego a casa e decido por escrever este texto, percebo que perdi a oportunidade de me despedir da minha avó. Tinha que ter convidado aquela senhora para tomar um café, escutá-la, contar um pouco da minha vida, e no final despedir-me com um abraço e um beijo. Talvez assim tivesse também me despedido da dona Laura, que por enquanto só sei que está morta porque me disseram, e só saberei realmente que é verdade quando eu voltar a sua casa e ela não estiver. Nunca mais.

Ricardo Viel escreve às segundas, de Lisboa, Portugal

domingo, 23 de setembro de 2012

Coisa Íntima # Ana Mendes

Série Coisa Íntima
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“Tirar a própria fotografia é a terceira coisa mais íntima que uma pessoa pode fazer com ela mesma, depois da masturbação e do suicídio”. 
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Título: Tendência
Descrição: ANA consultou três especialistas em moda e descobriu os modelos ideais para você usar no dia a dia, no trabalho, na balada, em uma festa chique e até para parecer mais magra.
Autor: Ana Mendes
Data: 2011

sábado, 22 de setembro de 2012

Sobre répteis e guevaras

Esta é uma fábula contemporânea, escrita em tempos que alguns animais aprenderam, de fato, a falar. Na natureza, a diferença que separa ou distingue os répteis de um ser humano, como Ernesto “Che” Guevara, por exemplo, é preenchida pela existência de vários outros seres, alguns deles até próximos a seres humanos como o “Che”, por exemplo, ou a ele comparáveis.

Simone, Sartre e Guevara, em Cuba
A reflexão esdrúxula, alegórica e à primeira vista desprovida de algum sentido lógico, eu a faço por não ter conseguido entender até agora o significado da candidatura do cidadão José Serra à prefeitura da cidade de São Paulo. Continua sem sentido? Já me explico. O fato tem lá suas tintas surrealistas, o que me libera também para um comentário de igual teor.

Sei que muitos de nós, por esse ou aquele motivo, nos perguntamos o que viemos fazer nesse mundo, procuramos encontrar um sentido para as nossas vidas, de onde viemos e para onde vamos e coisas do gênero, consoante nossas crenças, nossos valores culturais, nossas reflexões mais íntimas e mesmo as nossas inseguranças. Afinal, sou um homem ou sou um rato? Alguém no passado já se questionou a respeito... Confesso que não padeço dessa angústia, não por virtude – não me entendam mal – mas pelo fato primordial de ser ateu. Não sofro diante dos mistérios insondáveis da vida, das grandes questões metafísicas.

O cidadão José Serra, contudo, formado politicamente nos quadros da Ação Popular, organização católica de esquerda bastante ativa nos anos 60, ocasião – inclusive – em que chegou à presidência da UNE, talvez tenha introjetado a noção de que tinha uma missão a cumprir enquanto vivesse. Um relevante papel político a desempenhar em nome da sua gente, quem sabe? Todos nós temos o direito aos sonhos, quaisquer que sejam eles... E aqui, rendo-me ao lugar comum já tantas vezes por mim ouvido, o de que muitos cidadãos sonham em um dia se tornarem presidentes da república em seus países. Sonho carregado de responsabilidades e que, quanto a mim, se aproxima mais de um Guevara, de um Ghandi ou de um Mandela, na minha modesta e ingênua maneira de encarar o mundo. Muito mais do que se aproximaria de um réptil, é claro. Confesso, aliás, que ainda não li nada a respeito sobre o sonho dos répteis...

E pelos vistos, o cidadão José Serra levou esse desejo ao pé da letra e, diga-se de passagem, com denodado estoicismo. Deve ter encontrado à sua volta e dentro de si motivos para isso, e com certeza nobres. Mas como há um ritual a seguir nessa difícil trajetória, pois poucos são aqueles que conseguem chegar à presidência de uma nação sem um mínimo de experiência política, o nosso cidadão percorreu aos solavancos tal ritual e, na caminhada, parece ter descoberto que, muito além das responsabilidades inerentes ao cargo almejado e antes mesmo de atingi-lo, poderia desfrutar de inúmeras benesses que a sua não tão vã filosofia havia imaginado.

Foi deputado, senador, ministro de estado, prefeito, governador e, curiosamente, não deixou nenhuma marca, nenhum registro ou realização digna de menção para a coletividade em nenhum dos cargos ocupados, por mais que ele próprio, seus apaniguados, o partido a que pertence e a imprensa que o prestigia e o sustenta politicamente façam grandes esforços para encontrar alguma coisa do gênero. Alguma idéia, algum pensamento original. E olha que não faltou oportunidade para tal. Mas a sua grande missão, o alvo final (a não ser que sua melagonomania não tenha ainda sido devidamente avaliada e/ou analisada) seria mesmo a presidência da república. Aliás, “o mais preparado” para o cargo, como gosta de dizer aos quatro ventos...

Segundo os autores das antigas tragédias gregas (Édipo Rei, de Sófocles, continua sendo uma obra prima há mais de 2500 anos), a obsessão de um personagem na perseguição de um objetivo leva-o àquilo a que se chama sua “falha trágica”, um ato que o condena a algum tipo de punição. O cidadão José Serra, embora não seja nenhum herói trágico grego (e muito menos brasileiro), na sua caminhada obsessiva rumo ao palácio do Planalto já cometeu não uma, mas várias falhas trágicas. A maior delas, além daquela – segundo o livro “A Privataria Tucana”, do jornalista Amaury Ribeiro Jr. – de amealhar pelos mais variados “artifícios legais” milhões de dólares do patrimônio público brasileiro, a maior delas, repito, foi prometer que cumpriria o seu mandato de prefeito em São Paulo (até com um “papelzinho qualquer” assinado, segundo ele mesmo) e não cumprir com a própria palavra. Ou não chegar também ao final do mandato como governador do estado.

O cidadão José Serra foi queimando etapas e até agora colhendo derrotas no seu principal objetivo. De repente, pelos mais variados motivos e meios o Brasil, e mais particularmente o Estado de São Paulo e sua capital, começaram a ter notícias e a perceberem quem é de fato o cidadão José Serra. Um homem despreparado, obcecado e sem idéias próprias. Arrogante, destemperado, vingativo. Apresenta, inclusive, certo ar de autismo, pois sua obsessão não deixa que ouça os que estão ao seu lado e muito menos, é lógico, os que lhe criticam sem ou mesmo com razão.

Impôs-se candidato de última hora dentro do seu partido, quando as prévias já estavam marcadas e alguns pretendentes à prefeitura de São Paulo também já haviam se manifestado. Atropelou a todos em três semanas, e o partido engoliu, como tem sempre engolido, o seu jeito incivilizado de fazer política. Qual seria o segredo desse cidadão? Fragilidade ideológica de outros membros do PSDB? Chantagem? Telhados de vidro à sua volta? “Fadiga de material”, segundo as palavras do sociólogo de textos ininteligíveis? Perfil ditatorial que tanto interessa à oligarquia nacional no seu atual momento de desalento político e sustentado por interesses antinacionais de um capitalismo neoliberal esgotado, mas necessitado de porta vozes com algum potencial eleitoral, mesmo que em total declínio? Ou tudo isso junto? Por isso, a cada dia que passa, entendo menos a candidatura do cidadão José Serra à prefeitura de São Paulo.

Há já alguns anos, ainda adolescente, em Belo Horizonte, minha cidade natal, tive a oportunidade e a sorte de descobrir, com outros jovens estudantes e colegas, que o casal Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir, de passagem pela capital mineira, iriam jantar num tradicional restaurante de carnes exóticas, o Tavares, e para lá muitos de nós nos dirigimos. Era o ano de 1961. As teses existencialistas fascinavam boa parte da minha geração e repercutiam principalmente nos mais jovens. Levei comigo um livro escrito por ele, da sua trilogia ‘Os Caminhos da Liberdade’ e consegui o meu autógrafo, que durante anos pude exibir com orgulho. Os jornais, que deram grande destaque à visita, publicaram entrevistas e opiniões do casal francês mais famoso do pós-guerra.

Numa dessas entrevistas, e repetindo o que já havia dito a jornais em outras partes do mundo, Sartre afirmava depois de uma visita a Cuba, cuja revolução socialista triunfara dois anos antes, que Ernesto Guevara era, provavelmente, o homem mais íntegro e digno que conhecera até então. Para aqueles que conhecem a biografia do “Che”, eram justas e apropriadas as palavras do filósofo francês. Ou também as palavras de Nelson Mandela: “Guevara é uma inspiração para todos aqueles que amam a liberdade no mundo!”

Penso que boa parte dessa dignidade se devia ao fato de que Guevara não tinha a obsessão pelo poder. Ao contrário, após ser ministro do governo cubano quando da vitória da revolução, o “Che” apresentou-se várias vezes para outros combates pelo mundo, dando sua vida por uma causa que considerava justa, sendo assassinado nas selvas da Bolívia. Nenhum sentido de heroísmo, é bom salientar, mas o destemor sincero em lutar pelos mais pobres e desvalidos.

Outro filósofo, esse brasileiro, e em tempos bem mais recentes, o professor Paulo Arantes, fez sobre o cidadão José Serra a seguinte pergunta: “O que será que pensa esse rapaz?”

Já decidido a encerrar o artigo por aqui, dei-me conta de que um leitor mais atento poderia indagar: mas e os répteis? De fato, eu não poderia terminar a fábula sem, pelo menos enaltecer, algumas qualidades dos répteis, como a peçonha das serpentes que serve de matéria prima para o próprio antídoto contra as suas picadas. Ou a incrível qualidade de transformação de um camaleão diante das adversidades enfrentadas na natureza, ou ainda – mesmo com toda campanha pela preservação das espécies – poder admirar as bolsas e sapatos conseguidos de crocodilos e jacarés desavisados.

Peço, então, licença ao professor Paulo Arantes e pergunto aqui sobre os répteis: o que será que eles pensam?

Izaías Almada, escritor e dramaturgo, mantém a coluna mensal Pensando Alto.

Quadrinhos_15


Fernando Carvall, ilustrador e caricaturista. Mantém o Estúdio Saci.

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Setembrino

É só entrar setembro, a estiagem entra pelos poros e se instala do lado de dentro da gente. Não há água que chegue pra hidratar células carentes da bendita chuva, que parece ter ido embora pra sempre. O termostato celeste vai sendo empurrado pra direita e o sol entende que deve nos torrar cada dia um pouco, como grãos de café espalhados sobre o asfalto. Cumpre a tarefa à risca.

Ipê na Esplanada dos Ministérios, Brasília
(Foto: Eduardo Figueira de Sousa)
Enquanto isto, os ipês fazem um revezamento perfeito na arte de se exibir: primeiro os roxos e lilases, depois os amarelos e brancos, deixando bem claro que são muito melhores que nós e escolhem o mês mais duro pra gastar seu esplendor. Também os passarinhos continuam frequentando a mangueira da minha janela com a mesma animação de sempre: os pretos, discretos e fugidios, com seu canto ressabiado; as maritacas, como bandos de adolescentes no shopping, nas cores e no fuzuê da manhãzinha e do fim da tarde. Contam todos os babados e vão embora. Não estão nem aí para a nossa leseira e a aridez em volta.

Os brasilienses me entendem. A mistura do ar desértico com sol forte e temperaturas acima dos trinta graus dá vontade de dormir hoje, de preferência num freezer, e só acordar quando chover. Começa a bater o desespero, com a ansiedade pela chuva virando o grande assunto de todas as conversas.

Na qualidade de candanga há quase quarenta anos, sei que ela vem, mas não quando a gente quer. Só quando ela achar que o trabalho de torrefação está terminado. Então, acho melhor nos distrairmos e pararmos de pensar nela, de falar dela. É atriz profissional e sabe quando tem que entrar no palco. Não adianta chamar antes da hora. Aí, ela se faz de difícil.

Então, vamos fingir que não a desejamos mais, que podemos viver muito bem sem ela, que o sol não está nos cozinhando. Quando resolver que chegou a hora – porque sabe que estaremos fingindo – ela vai inflar as nuvens e se despejar sobre nós num pé d’água daqueles. No dia seguinte, estaremos aliviados e felizes, querendo mais, e a grama terá brotado por toda a cidade, num passe de mágica que não deixa de nos encantar a cada ano.

Depois vai chover de novo e de novo, até chegar fevereiro e a gente começar a implorar que pare.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Coisas que não mudam

Os escritores menores de 30 anos, quando tenho a honra de encontrá-los, me perguntam como era escrever antes do computador. Melhor ainda, perguntam como era corrigir, trocar palavras, deslocar parágrafos sem o Word.

As aspirantes a escritoras, miúdas menores de 20 anos, quando tenho a alegria de encontrá-las, indagam como era escrever sem uma tela para visualizar as palavras. Como era possível pesquisar qualquer informação sem o google.

Nessas ocasiões, me sinto encantada em desenhar a complicada máquina de escrever. Conto como era pôr, travar, retirar o papel. Como era trocar as bobinas das fitas de tinta. E evoco o "branquinho da redação" – liquidozinho que fazia a vez da tecla del.

Agora o pessoal fica mesmo boquiaberto quando explico que não medíamos a extensão do texto por caracteres. Medíamos por toques. Isso mesmo: a tecla da máquina imprimia na lauda uma letra ou sinal, aí contava-se 1, 2, 20 toques.

Para tirar cópias? Ou corríamos até a papelaria da esquina para xerocar, ou usávamos papel carbono na hora mesma de datilografar. Tudo muito tátil, muito físico. Também o envio do texto era pelo correio ou pessoalmente.

Contando dessa forma parece que estou descrevendo uma época situada na Idade Média. Época em que vampiros e demais fantasmas disputavam espaços com as pessoas. No entanto, há menos três décadas, o mundo dos escritores e jornalistas era assim.

O mais curioso é que quem viveu essa história não sabe exatamente como suportou um jeito de escrever tão detalhista e laborioso. Algum leitor ou leitora, nascido depois dos anos 1980, tem ideia do trabalho que dava rescrever um parágrafo?

Mas toda essa conversa é para dizer que algumas coisas do ofício da escrita não mudam nunca. Se mantêm da pena de ganso ao Mac. Por exemplo, o momento dramático de começar um texto, cômico de continuá-lo, épico ao finalizá-lo.

E a sensação terrorífica que desta vez, não importa que seja o milésimo segundo texto que você escreve, o trabalho não acontecerá. Desta vez as palavras não pousarão nos nossos dedos. Antes, era o medo do papel em branco. Hoje, é o da tela vazia. Dá no mesmo.

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Morre o homem. Fica a fama?


Ederaldo Gentil, falecido em março deste ano, é autor de clássicos do samba como “O ouro e a madeira”. Apesar da relevância de sua obra, seu nome é pouco celebrado por jornalistas musicais e sambistas.

O sambista brigou com a diretoria da Escola de Samba de seu coração. Triste, não escreveria o samba enredo na disputa no terreiro naquele ano. Suas melodias refinadas e suas letras carregadas de emoção encantavam a cidade e a perspectiva de um carnaval sem um samba dele na avenida incomodava os foliões. Mas ele estava decidido: não faria o samba. Não para a sua Escola.

Convites surgiram, então, de outras agremiações. Todos queriam contar com o talento daquele compositor para engalanar o desfile de Carnaval. Das dez Escolas de Samba que participavam da disputa, nove fizeram o convite. Ele aceitou a proposta de todas. Então, um fato inédito e histórico aconteceu: um compositor emplacou sambas enredo em quase todas as Escolas de Samba do grupo de elite. Somente a sua querida Escola não cantou um samba dele naquele ano.

No Carnaval de Salvador de 1970, quem venceu foi Ederaldo Gentil. Uma vitória triste, pois sua vontade era que apenas uma Escola de Samba lhe desse o devido valor: a Filhos do Tororó, que ele tanto amava.

O sambista baiano foi dos grandes. Autêntico, criou uma linhagem de samba alicerçado na tradição carioca, mas carregando traços do samba de roda, música genuinamente baiana. Foi gravado por nomes como Roberto Ribeiro, João Nogueira, Beth Carvalho, Noite Ilustrada, Jair Rodrigues e Elza Soares. Legou clássicos como “O ouro e a madeira”, onde canta os emblemáticos versos “o ouro afunda no mar, madeira fica por cima / ostra nasce do lodo, gerando pérolas finas”. Produziu uma obra consistente, registrada também por ele em três discos de carreira e quatro compactos simples.

Ao produzir e registrar sua expressão artística, Ederaldo Gentil escreveu seu capítulo no livro dourado de nossa música. Por conta disso, venceu. Mas assim como no Carnaval de 1970, foi uma vitória triste, já que, apesar da grandiosidade de sua obra, seu nome é pouco lembrado nas rodas de sambas do Brasil. Sua morte, em 30 de março deste ano, aos 64 anos, em decorrência de falência múltipla dos órgãos, passou praticamente incólume por jornalistas musicais e sambistas.

Da Filhos do Tororó
para o Brasil


Fosse exaltando a agremiação, fosse emplacando os sambas enredos na avenida, o que inspirava o jovem sambista era sua Escola de Samba Filhos do Tororó. Logo seus sambas romperiam barreiras: em 1967,aos 20 anos, venceu o Festival de Música da Prefeitura de Salvador, no Carnaval, com a música "Rio de lágrimas" (interpretada pela cantora Raquel Mendes). Neste mesmo Carnaval, sua Escola de coração também sai com um samba seu. O sambista já despontava no cenário do samba, ainda que em um ambiente ainda restrito ao universo carnavalesco e soteropolitano. No entanto, seu enorme talento, o levaria, em breve tempo, para voos mais altos.

No ano seguinte, volta a vencer o "Festival de Música da Prefeitura de Salvador", desta vez com o samba "Silêncio". O evento marca a reinauguração do Teatro Castro Alves e teve um júri presidido pelas sumidades baianas Dorival Caymmi e Jorge Amado, o que engrandeceu ainda mais a vitória de Ederaldo Gentil.

No final da década de 60 e começo da década de 70, começa a ter seus sambas gravados – o baiano Tião Motorista foi o primeiro, seguido por Jair de Oliveira. Em 1975, ganha projeção nacional depois da gravação de “O ouro e a madeira”, pelo Conjunto Nosso Samba. O sucesso leva o compositor a registrar, neste mesmo ano, seu primeiro LP, “Samba, canto livre de um povo”, pela gravadora paulista Chantecler.

No ano seguinte, pelo mesmo selo, grava o álbum “Pequenino”, disco que reuniu músicos do primeiro time de instrumentistas de samba, como João de Aquino, Waldir Silva, Altamiro Carrilho, Luna, Eliseu, Marçal, Jorginho, Pedro Sorongo, entre outros.

Seu terceiro e derradeiro álbum foi feito de forma independente, em 1983. “Identidade” trazia a força do samba de mesmo nome, que ironizava a condição social da maioria dos brasileiros: “05342635 é o meu número, o meu nome, minha identidade / Mínimo salário é o meu ordenado, 12 horas de trabalho, que felicidade, que felicidade”.

A partir daí, o sambista passou a lutar contra a irreversível transformação que houve com a cena musical baiana. Na terra de Caymmi, o “samba da minha terra” perdeu cada vez mais espaço para ritmos como o axé music, que, hoje, domina o Carnaval local. Vencido e desmotivado, entregou os pontos, se afastando do cenário musical brasileiro.

Disco em homenagem ao baiano
Em 1999, no entanto, pode ver seu nome exaltado, em uma justa homenagem, com o disco-tributo “Pérolas Finas”, produzido por Edil Pacheco, que contou com as participações especiais de João Nogueira, Carlinhos Brown, Elza Soares, Beth Carvalho, Gilberto Gil, Luiz Melodia, Paulo César Pinheiro, Jair Rodrigues, entre outros. Com músicos do gabarito de Cristóvão Bastos, Luciana Rabello, Maurício Carrilho, Jorge Simas, Jorginho do Pandeiro e Pedro Amorim e uma capa desenhada pelo grande artista Elifas Andreato, o disco honrou a grandiosidade do compositor.

Infelizmente, tal celebração foi um ato isolado e o nome de Ederaldo Gentil logo voltaria a ser esquecido, mesmo entre os sambistas. Desestimulado, sem forças para lutar, o sambista baiano passou seus últimos anos de vida recluso, morando com a irmã, Denise Gentil, afastado da vida cultural baiana, tão descaracterizada nos dias atuais, tão diferente daqueles tempos em que a cidade ainda cantava sambas no Carnaval. Hoje, ele é lembrança. Foi o sambista, ficaram as pérolas finas.

Escute o samba “Identidade”, de Ederaldo Gentil,
na voz do compositor:




André Carvalho, jornalista, mantém a coluna mensal Batucando, sobre samba, a ser publicada sempre na terceira quarta-feira do mês. Ilustração de Kelvin Koubik, artista visual e músico de Porto Alegre, especial para o texto

Minicraques da política #4



Caco Bressane
, arquiteto e ilustrador, colunista do NR, atualmente mantém a série A Fábrica de Brinquedos Pau-brasil

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Promoção do NR sorteia o novo romance de Ferréz

O exemplar autografado será sorteado via sorteie.me do Facebook no dia 30 de setembro. Para participar é simples. Siga os passos abaixo:

1 – Siga o NR no Twitter ou curta nossa fanpage no Facebook.

2 – Divulgue a seguinte mensagem no seu Facebook:

Promoção: NR sorteia o novo romance de Ferréz: Deus foi almoçar.

3 – Pronto, agora é torcer para ser o ganhador.

4 – Perfis feitos exclusivamente para participar de promoções não serão aceitos.

Link da promoção no Facebook:
https://www.facebook.com/notaderodape/app_154246121296652

 O escritor Paulo Lins sobre Deus foi almoçar:
"Sua escrita vai revelando o que somos e escondemos de nós mesmos."
"Calixto é um homem comum, mas como todo cidadão ele acorda cedo para fazer parte do labirinto da vida cotidiana. À noite volta para casa onde encontra sua mulher e sua filha, nada mais normal. Mas não é isto que está neste livro. Sem que ele queira tudo começa a não fazer mais sentido. Calixto parece não mais saber como reagir, se é que deseja fazer isso. Suas tentativas logo se mostram infelizes e sua conformação incomoda, embora ele tenha em sua frente um portal para mudar tudo." 
Neste romance psicológico Ferréz impressiona o leitor ao perguntar se vamos querer de fato uma mudança.

Saiba + sobre o livro na entrevista de Ferréz ao site Catraca Livre ou em seu blog.

segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Um nome ecoando: Alcir Lacerda, 1927

crédito: Mateus s'a
A fotografia pernambucana lamenta a morte de um mestre. Alcir Lacerda, tinha 85 anos e sofreu um infarto na manhã do último dia 10, em Recife. Entre os ensinamentos do mestre constam, além de técnicas laboratoriais e olhar atento, as palavras humildade e sensibilidade. Para Alexandre Belém, jornalista, fotógrafo e criador e editor do blog Olhavê, os motivos que fazem de Lacerda uma referência para a fotografia pernambucana são muitos. "Ele foi um fotojornalista pioneiro de Pernambuco, com passagem pela revista Manchete e tem um grande material de documentação do Recife e do estado. O litoral, a cidade, cultura, etc. Além disso, criou o maior laboratório PB do Recife que serviu de escola para muitas gerações".

Alcir, nasceu em São Lourenço da Mata, mas mudou-se menino, com a família, para Recife. Em 1957, fundou a Acê Filmes – um laboratório de fotografia que marcou a história pernambucana. A Acê contou com uma equipe de quase 25 fotógrafos, acompanhando diariamente os acontecimentos da Recife dos anos 70. Ele fez parte da saudosa geração das agências fotográficas na luta pelo crédito fotográfico e profissionalização do ofício. Nesta época, grupos de fotógrafos podiam pautar a imprensa local a partir de um olhar engajado e humanitário.

Alcir fotografou a seca, a queda da Igreja dos Martírios e a deposição do governador Miguel Arraes pelos militares. Atravessou a ditadura e teve seus filmes roubados pela repressão. Hoje, 158 negativos seus pertencem a Fundação Joaquim Nabuco.
“Ouvíamos a voz de Arraes falando, aquele rouco bem forte: eu não renuncio não! Vocês podem me botar para fora! Eu fui eleito pelo voto do povo! Quando foi meia noite e pouca, ele saiu preso. Se ele renunciasse, ele saia até solto, mas ele não quis. Consegui fotografar ele num fusca, que saiu correndo. Quando eu vi o wolks, lá atrás, apareceu à cabeça dele... Eu fui fazendo as fotos, mas quando chegou no portão, trocaram ele de carro. Então eu corri para o jornal do commercio, revelei os filmes. Depois fui ao aeroporto por que a manchete estava esperando essa foto, entreguei tudo para um passageiro e o pessoal tava já esperando ele lá. E a foto foi publicada. Foi bem difícil.”
(Entrevista concedida ao Centro de Artes da Universidade Federal de Pernambuco)
 Saiba +
* Entrevista concedida ao Centro de Artes da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)
* Coleção Masp/Pirelli
* Galeria de fotos – Fundação Joaquim Nabuco


Imagens:   Missa do VaqueiroSerrita, Pernambuco, 1978; Catedral de Olinda, 1985;
Corrida de Jangadas, 1960-1969; Juazeiro, 1970-1979

Ana Mendes, gaúcha de nascimento, errante de coração e profissão. Fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Trabalha como fotojornalista freelancer entre Brasília e Porto Alegre. Mantém a coluna mensal Faço Foto

Despedida

“Meio de saco cheio de tudo”, Ricardo Viel telefonou para Henrique perguntando se o amigo não tinha um texto para esta segunda. A resposta foi “sim, quebro essa. Te mando esse conto-crônica”, e o resultado você lê abaixo.

Despedida

Não é que alguém tenha me contado. Eu vi. Fui testemunha. Assisti a todos os capítulos da história (e por isso acho que ela ainda não acabou).

Vi como eles, desde o primeiro dia em que se conheceram, já com as primeiras palavras que trocaram, criaram uma aura que causava espanto e inveja. Eles se olhavam como se no mundo não existisse nada e nem ninguém.

Lembro-em perfeitamente como durante uma conversa num bar, enquanto alguém vomitava uma simplificação estúpida (fazendo pose de autoridade), eles se tocavam por baixo da mesa e se entendiam; e assisti como ele tomou seu braço, e o vi desenhar na palma de sua palma, com o dedo indicador, primeiro um T – e em seguida a olhou, para se assegurar de que ela havia entendido a brincadeira (e recebeu como resposta um balançar de cabeças). Sempre olhando fundo nos olhos dela, continuou; escreveu, pausadamente, um E, e em seguida um A, e um M bem construído. [E dentro de mim foi crescendo algo que era uma mistura de angústia, de apreensão e depois uma alegria quando decifrei a mensagem que estavam construindo]. E o final foi com um perfeito e enorme O, circulado três vezes. A resposta foi um duplo piscar de olhos, marcado, e uma boca que pronunciou, sem emitir qualquer som, a frase: “eu também”. Era assim, nada nem ninguém importava, porque eles sozinhos eram o mundo inteiro.

Foi divertido acompanhar como os demais se dividiam entre os que apostavam que não, que entre eles não podia haver algo, porque eram amigos demais, cúmplices demais, e se davam demasiado bem para serem um casal (argumentos perfeitamente plausíveis, que quase me convenceram); e do lado contrário estavam os que tinham a certeza que daquela junção não podia acontecer outra coisa que não fosse um amor carnal, dos que se impõe sobre qualquer razão ou circunstância.

Fui testemunha de como, com cara séria, ele disparava elogios a ela, e dizia que era a mulher mais doce e linda e inteligente e encantadora do mundo, mas que não, “infelizmente”, entre eles nunca havia acontecido nada (“quisera eu”, completava). E como ela, de tanto que lhe perguntavam, relatou com tamanho detalhe tudo o que eles estavam vivendo, que ninguém acreditou (parecia algo impossível de existir).

E é claro que eu estava no dia da rosa. Disseram tchau, ele virou à esquerda e ela seguiu reto. Assim que ela virou as costas, vi como ele deu a volta na quadra, arrancou uma flor da roseira que havia na esquina, e se sentou na frente da casa dela, como se tivesse passado ali toda a tarde esperando sua chegada. E tenho gravado na memória o sorriso que ela abriu quando entendeu que sim, era ele – quem mais podia ser? – ali no degrau, passando frio, com uma rosa vermelha na mão.

Também sofri quando se aproximou a hora da despedida, e vi como eles se enganaram tão bem a ponto de dizerem adeus como quem diz até “amanhã cedo passo na tua casa”.

E agora, depois de acompanha-lo murchar qual girassol sem luz (de dar pena), de vê-la vagar vazia por aí, fazendo de conta que anda bem e que não pensa nele, me parece absurda toda essa situação. Ele dizendo que não moverá um dedo para voltar a encontrá-la, porque “a distância é a mesma” e “em nenhum lugar está escrito que sou eu que tenho que ir atrás dela”; e ela, cheia de medos e com a falsa imagem “sou independente e não preciso de ninguém”, esperando ansiosamente que ele um dia escreva dizendo que já não aguenta mais, que precisa vê-la, e que chega amanhã por volta das quatro (“pego um táxi e vou te encontrar”).

Porque o que eles se negam a aceitar é que histórias assim não acontecem todos os dias, e quando acontecem é preciso fazer de tudo, usar todas as forças e meios – girar o eixo da terra, se preciso for – para que essas duas pessoas voltem a se encontrar, voltem a criar esses momentos que dão sentido à vida, e transformem aquele adeus em um “já não aguentava mais de saudades, promete que não nos separaremos nunca mais?”.

Ricardo Viel, jornalista, escreve às segundas

domingo, 16 de setembro de 2012

"Coisa íntima" – autorretratos

[De aut(o)- + retrato.]
S.m. Retrato de um indivíduo, feito por ele próprio.
[Pl.: auto-retratos]

Em conversas com a colunista Ana Mendes no começo do ano pensamos homenagear os fotógrafos no dia Nacional do Fotógrafo e da Fotografia, comemorado em 8 de janeiro. Não deu tempo, infelizmente, mas surgiu a ideia de uma coluna dominical, que tomou forma e que vamos lançar no próximo domingo.

O mote será apresentar autorretratos de fotógrafos profissionais e amadores, afinal, é um tanto curioso – e ao mesmo tempo revelador – ver pela lente do artista como ele se faz arte.
“Tirar a própria fotografia é a terceira coisa mais íntima que uma pessoa pode fazer com ela mesma, depois da masturbação e do suicídio”.

Dessa frase de Luiz Fernando Veríssimo publicada no livro Relógio de Ver tiramos o nome do espaço: Coisa Íntima. A coluna vai durar enquanto tivermos fôlego e colaboração. É uma tentativa de fazer um grande ensaio fotográfico colaborativo, com nossa humilde curadoria. Se você é fotógrafo – profissional ou amador – participe dessa ideia, compartilhe com os seus conhecidos.

Envie seu autorretrato em alta resolução com título, data, autor e descrição de até 300 caracteres com espaço para anagrao@gmail.com ou contatonotaderodape@gmail.com


Thiago Domenici, editor e coordenador do Nota de Rodapé

sábado, 15 de setembro de 2012

NR indica +

"A imprensa já não é mais escola para ninguém" é um texto do artista gráfico e ilustrador Orlando Pedroso. Nele, discute um pouco o trabalho dos cartunistas nos jornais, cada vez menos utilizados, o que em tempos áureos era impensável.

Nosso colunista Caco Bressane pondera ser um debate importante para ilustradores, cartunistas, jornalistas, editores e para a imprensa em geral. De fato, vale pensar. Por isso, NR indica o texto AQUI.

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Fernando Carvall, ilustrador e caricaturista. Mantém o Estúdio Saci.

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Sangria

Em frente à minha casa, havia um açougue feio e infestado de moscas, como todos os outros, naqueles já distantes anos sessenta. Tempo em que criança brincava na rua, e a gente via o caminhão entregar os quartos de boi, que ficavam pendurados, em fila, em ganchos colocados contra a parede, atrás do balcão.

O açougueiro, então, colocava sobre a tosca mesa feita de um tronco de árvore uma daquelas enormes peças de carne, ossos, nervos e gordura, de onde ainda escorria um líquido sanguinolento, e a destrinchava, cortava, limpava e separava em pedaços menores, que depois eram vendidos à freguesia do bairro, embrulhadas em jornal.

Décadas mais tarde, empurrada pela impossibilidade de suportar e conter a dor, fui fazer psicanálise.

Nos primeiros meses, e por uns dois anos, o quarto de boi sobre a mesa do açougue era como eu me sentia, enquanto jorrava de mim uma sangria que me parecia eterna. Carne viva. Mesmo duvidando todos os dias de que algum conforto seria possível, insisti, nem sei bem porque. Talvez por ter tido a sorte de ser acolhida por uns braços cálidos e incondicionais.

Entra ano, sai ano, um dia me dei conta de que uma tampa havia sido colocada. Alguns filetes ainda escorriam, obstinados, mas aí eu mesma tapei as frestas com os dedos. E dá-lhe conversa.

Num outro dia, não muito tempo depois, comecei a sentir algo novo, uma largueza, uma soltura, como se o espartilho de arame, igual ao daquelas pobres princesas condenadas tacitamente, tivesse sido removido e eu pudesse respirar sem esforço.

A fonte do sangue que verti durante tanto tempo, não sei que fim levou. Enquanto faço os curativos, observo que a carne vai-se fechando e as feridas vão virando cicatrizes, que talvez não desapareçam, mas serão apenas isto. Marcas de uma viagem, a mais difícil de todas, que não permite evitar escalas nem ligar o piloto automático, mas durante a qual terei contado com a melhor de todas as companhias.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

quinta-feira, 13 de setembro de 2012

princesinha da história

Para muita gente ela é uma cidade dentro de outra. Para os mais fanáticos, um planeta. De fato é um dos lugares mais famosos do Brasil. Mesmo quem nunca a viu, sabe de sua existência. Com vocês: Copacabana!

Você escolhe: cara ou coroa. A face mais conhecida do bairro, sem trocadilho, é a solar. Copacabana da praia, da areia macia, da bossa nova, da água de coco, da calçada com desenho de ondas. Copacabana celebrada por tantas feras da canção popular.

A outra, noturna. Copacabana do sexo rápido e pago, dos cafetões, dos inferninhos, do éter, lança-perfume, cocaína. Dos larápios mirins e marmanjões, da bala perdida. Copacabana das ressacas dos bêbados e do mar.

É o bairro com o maior número de fãs por metro quadrado. Meu pai, hoje mesmo, me contou uma história deliciosa. A de uma bancária que morava no Copacabana Palace. Ela consumia todo o salário mais uma renda extra para morar no cartão-postal.

Não vou alugar seu tempo. Cinema, rádio, tv, jornais, revistas, livros, internet não se cansam de contar Copacabana. Quase todo mundo tem uma historieta com ela. Mesmo que seja ter passado um único réveillon em suas areias.

Vou falar da Copacabana quando todavia não existia Brasília. Quando o Rio de Janeiro, capital federal, era o centro da intriga e da movimentação política. Quando a vizinha Ipanema era praticamente uma aldeia.

Pois anote: 5 de agosto de 1954. Na rua Toneleros, 180, em frente ao prédio em que morava, Carlos Lacerda sofreu um atentado. Saiu ileso, mas o seu segurança major Rubens Vaz levou dois tiros. Morreu na hora.

A sequência do episódio todo mundo conhece. Lacerda acusou o presidente Getúlio Vargas de conivência com os atiradores. Crise total. Dezenove dias depois do atentado da Toneleros, Getúlio saiu da vida para entrar num caixão. Ops! Para entrar na história.

Além de Lacerda, moraram em Copacabana: Benedito Valadares, Juscelino Kubitschek, João Goulart, Café Filho, Carlos Luz, Tancredo Neves, Magalhães Pinto, Nereu Ramos, Armando Falcão, general Lott – o da espadinha.

O jornalista Claudio Bojunga, na sua magnífica biografia "JK - o artista do impossível", escreve o seguinte: "Nos anos 1950, todas as luzes se voltavam para o palácio do Catete, mas os scripts eram escritos em Copacabana".

Diga-se a verdade, scripts de golpes e contragolpes. Mas ainda bem que o lugar escreveu outras páginas. Ruben Braga fez o seu "Ai de ti, Copacabana!". Nelson Rodrigues pôs o bairro em muitas de suas crônicas. Todas magníficas.

Termino citando o poeta que virou estátua na orla de Copa. O mineiro Carlos Drummond de Andrade. Aquele que pôs a cidade natal – Itabira – pendurada na parede. Aquele que escolheu Copacabana para se inspirar e, generosamente, nos encantar.

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas. Ilustração de Carvall, especial para o texto

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

Imobilidade Urbana

Na multidão, cada um sua pressa, sua precisão.

Faz favor pra mim, joga o Chalita aqui no trenzão, com todo mundo apertado onde não cabe nem o braço.

A escada rolante trava, um homem grita que nojo - vai pegar um taxi viado! grita o povo.

Todos seguram o menino, a muchila ficou presa na porta do outro vagão, o texto sendo escrito aqui dentro nesse aperto, que porra de vírgula num tá vendo que num da tempo.

Me contenho, vontade de agredir, mas a culpa num é de ninguém que tá aqui, aquele ali não seria o Serra? Era, já desceu correndo, num deu pra ver direito.

Faz assim, me põe ao lado do Kassab, quem sabe a multidão troca a pressa, a necessidade de chegar por alguns tapas na cara, e outro trem vem e outro vai e todo mundo grudado, suado, aquela menina parece a Soninha, mas tá sem rumo nem bicicleta, num é ela, tá perto de um rapaz digitando no celular, moço onde é o trem pro Grajaú? Acabou de sair moça num entra nem mais uma mosca.

Ferréz, romancista, contista e poeta, é autor dos livros Deus foi Almoçar, Capão Pecado, Manual Prático do Ódio, vai escrever para o Nota de Rodapé textos inéditos, curtos, escritos na rua.

Minicraques da política #3 (Russomanno-Serra-Haddad)



Caco Bressane
, arquiteto e ilustrador, colunista do NR, atualmente mantém a série A Fábrica de Brinquedos Pau-brasil

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Antes do e-mail

Houve um tempo em que se escreviam cartas. Eu mesmo o fiz. As minhas eram, sobretudo, dirigidas à minha avó. E sentar-se para escrever, revisar, colocar a mensagem em um envelope, levá-la aos correios, e esperar durante semanas a resposta, era um ritual que me agradava.

Digo isso porque recentemente li uma carta enviada por Jorge Amado a Zélia Gattai (publicada pela revista Bravo). Era 1948, ele exilado em Paris e ela no Brasil. É uma missiva cheia de carinho, doçura e bom-humor (com uma pitada de ironia). O escritor baiano conta um pouco de sua vida na Europa, das pessoas com quem convive, dos projetos e tenta acalmar os ciúmes da esposa, a ponto de escrever: “a senhora esta não me interessa em absoluto. Nem outra senhora qualquer. Interessa-me tu, meu bicharoco lindo e louco”. E também se declara: “Minhas saudades são cada vez maiores e não consigo gostar inteiramente das coisas porque não estás a meu lado.”

Fico a pensar em Jorge Amado escrevendo a Zélia. Todo o processo que era postar uma carta, todo o cuidado e angústia que significava, e toda a expectativa que gerava o envio de uma mensagem dessas.

Isso hoje já não existe. E não digo que o conforto dos e-mails seja ruim. Se posso escrever uma mensagem instantânea e gratuita, por que enviaria uma carta? Mas há, claro que há, uma diferença. Um e-mail é fugaz. Escrevê-lo demora uns quantos minutos. Muitas vezes nem sequer se revisa a mensagem. E se sabe que chegará, e chegará ao instante. E se desejar, consegue-se inclusive saber se a pessoa o leu (e quando). Enfim, o tempo é outro.

Eu, o que tento fazer, é aplicar essa lógica do tempo de antes a alguns e-mails meus. Os que considero muito importantes, os guardo. E vez ou outra os (re)leio. Talvez para tentar entender quem era eu quando os escrevi. E há, também, e-mails que redigi e jamais enviei. Agora mesmo tenho um ali, na caixa de “rascunhos” à espera de algo.

Como uma carta de antigamente em que se duvida em enviar. E gosto de lê-lo, e gosto da ideia de que posso enviá-lo quando quiser. E gosto, mais que nada, de pensar que um dia talvez ele se torne inútil, desnecessário, e então poderei apagá-lo para sempre, como quem rasga e depois queima uma carta.

Ricardo Viel, jornalista, escreve às segundas essa coluna semanal, enviada da Espanha por e-mail, não por cartas.

sábado, 8 de setembro de 2012

Como uma diva

A primeira vez da gente é mesmo marcante. Durante 29 anos fui fiel aos homens. Somente eles colocavam as mãos. Foram poucos, quatro no máximo. Um tinha bigode, outro era quase anão, sempre mais velhos, conversadores, com histórias que me entretiam num ambiente amigável. O típico local em que me sentia parte do todo, satisfeito mesmo. Me tratavam bem e faziam o serviço por poucos trocados. Sempre foi assim. Era um estilo.

Me afeiçoei ao último, um nordestino das terras próximas do Crato, no Ceará. Seu João, baixo, calado, calça social preta batida e camisa entreaberta que não dava para chamar de branca. Um machão respeitável, pai de oito filhos. Nos encontrávamos de dois em dois meses no mesmo pardieiro em São Paulo.

Nos cumprimentávamos enquanto a abatida televisão de 21 polegadas estava sempre sintonizada no mesmo canal. Às vezes, eu esperava enquanto folheava revistas velhas, jornais de bairro antigos. No fim, amenidades eram ditas e 10 mangos a menos ia eu feliz pra casa. Pensava: “Agora, só daqui a dois meses.” Foi então, sem mais, como num corte seco de um filme de ação, que mudei. E eu estava tenso com aquela história de mudar radicalmente.

Era um sábado bem de tardezinha quando cheguei no lugar no qual até a Camila Pitanga, a atriz Global, vai quando está em terras paulistas. O tema aqui, caro leitor, é o corte de cabelo mais caro da minha vida, num salão respeitável, pasmem, muito próximo ao do Seu João. Aquela sensação do novo me aborrecia, estava eu a trair a causa? Mas vejam, era um presente, e eu não podia recusar. Se você leitor me perguntar o motivo da mudança, logo adianto, o amor quebra mesmo preconceitos (e orçamentos).

O primeiro impacto foi o do luxo. Tinha manobrista, o design da casa era arrojado, decoração modernete pacas, cadeiras bem confortáveis, sofás caprichosos e coloridos com direito a café, água e, dependendo da ocasião, champagne. “O que eu tô fazendo aqui?”, lamentei logo ao entrar e ver os olhares curiosos de mulheres postas em cadeiras com outras segurando seus pés, mãos e cabelos. O som, nem de longe, lembrava o barulho da tevê meio sem sintonia dos buracos onde sempre me enfiei. Era música de balada, dessas que te deixam ligadão, com vontade de pular sem motivo aparente.

No entanto, não havia caos, e sim um burburinho desconhecido para, julgo eu, a maioria dos homens. O que será que pensavam de mim? Ruborizado (meio aterrorizado, vai!) caí nas mãos – ó, infiel – de uma moça de estatura baixa e igualmente descolada. Em suas mãos uma perigosa navalha. “Mas onde raios foi parar a tesourinha véia de guerra?”, imaginei. A moça (especialista também – atentem ao nome – em design de sobrancelhas) veio logo mexer no meu cabelo, mandou a assistente lavar com esse e aquele produto megahipercool.

Explicou-me a assistente que cabelo liso se corta com navalha. Foram uns três ou quatro tipos de cremes antes da toalha e do secador. Já estava cansado, quando, finalmente, fui para a cadeirinha, como um bom menino envergonhado, esperar a minha vez enquanto observava. “Nooossaaaa, como você está linda com esse cabelo…”, disse uma. “Esse esmalte fica bom em mim?”, perguntou outra. Eram muitas manicures com suas munições coloridas de marcas variadas. E ninguém para falar, sei lá, de futebol comigo? De novela, quiçá?

Desperto da lamentação com a pergunta. “Como você quer o corte?”. Fico em silêncio. Nem eu sei. A minha vaidade capilar sempre foi dizer aos homens da barbearia: “tira o excesso e corta um pouco a franja” ou “Passa a máquina três do lado e encurta”. Direto e reto, sem rodeios. Mas ali era território desconhecido. Disse a ela “invente um corte”. Entre mil sugestões a cena se desenrolou sem eu saber o que acatei. Minuciosamente, concentradíssima, a navalha fazia sua parte e os pedaços de cabelo iam embora.

“Você vai ficar careca”, ela comentou despretensiosamente. "Como pode me dizer algo tão duro sem nem me conhecer direito?", pensei e sorri amarelo – emputecido, é claro. O espelhinho ao fim do corte – aquele que colocam atrás de você – salvou minha recordação do Seu João. Ele não dizia nada e eu só acenava que sim, pagava e ia embora. Na minha primeira vez, tive de esperar a esposa, responsável por toda essa incursão radical na capilocultora. Seu João, me perdoe, mas hoje, como uma diva, meu luxo bimestral é não precisar mais pentear o cabelo que ainda me resta quando acordo. Artimanhas da navalha.

Thiago Domenici
, jornalista, escreveu este texto originalmente para o blog TodasNós em 2011. Como seu colega rodapédiano, Tomas Chiaverini, que escreveu sobre o tema recentemente  - Emancipação Capilar - resolveu também compartilhar, sem pseudônimo, o texto em questão.

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Fernando Carvall
, ilustrador e caricaturista. Mantém o Estúdio Saci.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Pororoca

Começou assim, como quem não quer nada. Num domingo de sol e céu impecáveis, eu caminhava sozinha por Nova York, em direção a um desses museus da hora, quando percebi que me escorriam discretas lágrimas pelo rosto. Não entendi muito bem, porque não achei nenhum motivo pra elas. Atribuí ao frio que ignorava os agasalhos e não me deixava esquecer que moro num país tropical.

Estava lá para um grande evento, que era a culminância de um esforço meu de muitos anos. Fui reconhecida e paparicada, mas não conseguia achar muita graça em nada. Inclusive, bateu um desespero de voltar pra minha casa dois dias antes do planejado, e voltei mesmo.

Na semana seguinte, fui a um concerto vinculado a uma campanha cívica, compromisso de trabalho. Não sei dizer o que aconteceu ali, nem qual era o programa musical, só me lembro que havia um ótimo pianista português. Isso porque as únicas coisas que eu conseguia perceber bem eram um aperto no peito e insistentes lágrimas.

Dali pra frente, eu, que valorizo cada uma das minhas lágrimas, porque sei quanto me custam, entrei numa de chorar por qualquer coisa. Não estava me reconhecendo. Para completar, era um período muito difícil no trabalho, com problemas por todo lado, conflitos, demandas intermináveis, muita pressão, e eu comecei a me sentir muito cansada de tudo aquilo. Uns dias depois, além do cansaço, eu tinha vontade de sumir.

Dei pra achar que estava no lugar errado, que não tinha competência pra tanta responsabilidade, que não dava conta de tanta demanda, e que tinha que ter uma conversa séria com minha chefe, e que ela deveria começar a buscar outra pessoa pra assumir o meu lugar já, agora, imediatamente.

Aí veio a pororoca. Com a angústia em franca escala ascendente, comecei a ter dificuldade pra respirar. Isto num fim de semana absolutamente corriqueiro, em casa, sem nenhuma demanda especial. Incapaz de conter o choro, eu vagava pela casa como um zumbi. No domingo à noite, sentia que ia morrer, com o coração aos pulos e falta de ar – um horror.

Salvou-me minha santa ginecologista de muitos anos, a quem telefonei em desespero, acusando a oscilação hormonal da menopausa. O vilão era outro: um remédio pra dormir que havia sido receitado por um supergeriatra, com quem eu estava começando a tratar preventivamente o envelhecimento, e que decidira tentar me aliviar a persistente insônia. Diagnóstico: depressão química, com fortes sintomas de síndrome de pânico.

Tudo isso pra dizer que conheci a depressão por dentro. Vivi quase dois meses na sombra, no escuro. Queria sumir, morrer, dormir e não acordar. Achava que minhas falhas e dificuldades eram terríveis e insuperáveis, não adiantava insistir, viver não valia a pena. Em cada célula do meu corpo. Depois passou, mas sei de muita gente que convive com ela durante anos e anos, numa luta que conta com a minha maior admiração e solidariedade.

“Ser feliz” é uma exigência do nosso tempo, seja lá o que for essa tal felicidade. Muitas vezes, a vida pode não ser nada como a gente queria, mesmo porque quase sempre queremos coisas que, se pararmos pra pensar, são muito estranhas, inventadas pra não dar certo. Como ter alguém, uma única pessoa, que nos satisfaça todas as necessidades afetivas, sexuais e emocionais, pra que a gente possa viver sem dor e sem esforço. Não consigo pensar em nada mais irrealista e egocêntrico.

Mas ela é boa, como quando a gente descasca uma mexerica e aquele cheiro invade tudo, ou lê um livro que não consegue largar, ou vê “Tudo sobre minha mãe”.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

DKW

Apesar de concordar que a internet é uma revolução cognitiva irreversível, sou do tipo - até por vício de geração - que adora frequentar bancas de jornal. Não passo por uma sem me deter. Meus olhos sempre rastreiam um título novo, ou se comovem com as publicações sobreviventes.

Na semana passada parando na banca do Fernando, na rua Macunis, Vila Madalena, dei de cara com um livreto cuja capa fez meu coração congelar. Nela estavam as três letras D K W e uma foto do carro. Pirin, pirin, soou o telefone da memória.

Comprei na hora. Dezenove reais e noventa centavos. Nem pensem que sou fixada em chassis, suspensões, motores. Nada disso me ganha. O que me arrebatou foi subitamente voltar quase cinco décadas, e aterrissar na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Mais precisamente no bairro da Tijuca. Mais particularmente na rua Professor Pinheiro Guimarães, número 12. Mais exatamente dentro do carro do meu avô Júlio. Adivinhem? Um DKW da cor azul de um céu de anil.

Às vezes, o carro e ele me levavam ao Grupo Escolar. Eu amava me exibir para os colegas. Pois, acreditem, nessa época havia poucos carros. Eles eram complicados e, principalmente, caros. Mas o meu avô postiço, judeu, checo, comerciante, comunista, leitor, tocador de violino, de palavras duras tinha um automóvel.

Pelas janelas do DKW, conheci o Alto da Boa Vista - inigualável em magia e beleza. Conheci a Barra da Tijuca, quando ela não tinha prédios. Quando era uma praia cheia de dunas. Aliás foi na Barra que a minha memória entrou no mar pela primeira vez. E me apaixonei por essa imensidão de água e sal.

Todas essas emoções ponho no crédito do DKW. Carro que chegou no país pelo porto de Santos em 1950, e morreu em 1966. Nesses dezesseis anos, ele testemunhou o suicídio de um presidente da República, a criação de Brasília, o golpe da ditadura.

É curioso perceber que toda memória pessoal é uma memória social. Os anos da minha infância não são só meus. Eles estão aparafusados na prancha de uma época. No ano em que nasci, Juscelino Kubitschek se tornou presidente do Brasil.

Então imaginem que o slogan 50 anos em 5 se mistura à minha mamadeira, aos meus primeiros passos, à minha alfabetização. Eu sei, podemos escapar de muitas coisas. De um trauma de amor, de um mau negócio, de uma carreira equivocada. Mas da história, ninguém escapa.

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, feita especialmente para o texto
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