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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

DKW

Apesar de concordar que a internet é uma revolução cognitiva irreversível, sou do tipo - até por vício de geração - que adora frequentar bancas de jornal. Não passo por uma sem me deter. Meus olhos sempre rastreiam um título novo, ou se comovem com as publicações sobreviventes.

Na semana passada parando na banca do Fernando, na rua Macunis, Vila Madalena, dei de cara com um livreto cuja capa fez meu coração congelar. Nela estavam as três letras D K W e uma foto do carro. Pirin, pirin, soou o telefone da memória.

Comprei na hora. Dezenove reais e noventa centavos. Nem pensem que sou fixada em chassis, suspensões, motores. Nada disso me ganha. O que me arrebatou foi subitamente voltar quase cinco décadas, e aterrissar na cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro.

Mais precisamente no bairro da Tijuca. Mais particularmente na rua Professor Pinheiro Guimarães, número 12. Mais exatamente dentro do carro do meu avô Júlio. Adivinhem? Um DKW da cor azul de um céu de anil.

Às vezes, o carro e ele me levavam ao Grupo Escolar. Eu amava me exibir para os colegas. Pois, acreditem, nessa época havia poucos carros. Eles eram complicados e, principalmente, caros. Mas o meu avô postiço, judeu, checo, comerciante, comunista, leitor, tocador de violino, de palavras duras tinha um automóvel.

Pelas janelas do DKW, conheci o Alto da Boa Vista - inigualável em magia e beleza. Conheci a Barra da Tijuca, quando ela não tinha prédios. Quando era uma praia cheia de dunas. Aliás foi na Barra que a minha memória entrou no mar pela primeira vez. E me apaixonei por essa imensidão de água e sal.

Todas essas emoções ponho no crédito do DKW. Carro que chegou no país pelo porto de Santos em 1950, e morreu em 1966. Nesses dezesseis anos, ele testemunhou o suicídio de um presidente da República, a criação de Brasília, o golpe da ditadura.

É curioso perceber que toda memória pessoal é uma memória social. Os anos da minha infância não são só meus. Eles estão aparafusados na prancha de uma época. No ano em que nasci, Juscelino Kubitschek se tornou presidente do Brasil.

Então imaginem que o slogan 50 anos em 5 se mistura à minha mamadeira, aos meus primeiros passos, à minha alfabetização. Eu sei, podemos escapar de muitas coisas. De um trauma de amor, de um mau negócio, de uma carreira equivocada. Mas da história, ninguém escapa.

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e colunista do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Carvall, feita especialmente para o texto

Um comentário:

Anônimo disse...

Pare já de me fazer chorar ....

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