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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 28 de maio de 2008

Escola Base: Grupo Folha é condenado

Escola Base

Jornal é condenado a indenizar no caso Escola Base

por Fernando Porfírio

O jornal usou uma manchete escandalosa e sensacionalista que extrapolou a liberdade de informar e não resguardou sequer a honra moral de uma criança de quatro anos. Esse foi o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo para condenar, 14 anos depois, o Grupo Folha da Manhã no caso da Escola Base.
A empresa terá de pagar indenização de R$ 200 mil para R.F.N, o garoto, que hoje tem 18 anos. Ele foi apontado pelo jornal como vítima de abuso sexual dos próprios pais. Ele é filho de um dos casais acusados sem provas no caso da Escola Base. A decisão é de uma das câmaras de Direito Privado do TJ paulista. Cabe recurso.
“A conduta do jornal, juntamente com outros órgãos de imprensa, contribuiu para criar uma situação anormal, não experimentada não só para os adultos envolvidos”, afirmou em seu voto o desembargador Oldemar Azevedo.
O jornal Folha da Tarde embarcou no tema que dominava as edições de jornais e emissoras de TV no final de março de 1994. Com informações repassadas pelo delegado que conduzia o inquérito policial, a partir dos depoimentos de duas mães de alunos, o jornal saiu com a chamada de primeira página: “Perua escolar carregava as crianças para a orgia”.
O caso que viria a se transformar em símbolo de julgamento público pela mídia se baseou em laudos preliminares e na acusação de mães que apontavam seis pessoas como envolvidas no abuso sexual de crianças numa escola de educação infantil, localizada no bairro da Aclimação. A linha de investigação da Polícia se mostrou sem fundamento e o inquérito foi arquivado.
No entanto, o estrago estava feito: os acusados já tinham sido julgados sumariamente pelos jornais e programas de rádio e de TV e condenados pela opinião pública. A escola foi pichada, depredada e saqueada. Os acusados foram presos.
Os argumentos e os fundamentos
A empresa Folha da Manhã sustentou que a manchete se limitou a reproduzir as informações oficiais, tomando todo o cuidado para evitar pré-julgamentos ou ilações de ordem subjetiva e que não existiria prova de dano moral. A turma julgadora entendeu de forma contrária.
Para os desembargadores Odemar Azevedo, Mathias Coltro e Oscarlino Moeller, a conduta do jornal restou culposa diante da publicação da manchete sensacionalista que extrapolou o direito de informar e, no entendimento dos desembargadores, atingiu a esfera moral da criança.
“O fato do apelado contar com quatro anos na época destes eventos e, provavelmente, não os compreendendo integralmente, não afasta as conseqüências das condutas da imprensa em questão que refletiriam em toda família”, afirmou o relator.
Condenações
Outras empresas de comunicação sofreram condenação pelas notícias divulgadas à época dos fatos, em 1994. É o caso dos jornais Folha de S.Paulo (R$ 750 mil) e O Estado de S.Paulo (R$ 750 mil), da Globo (R$ 1,35 milhão) e da Editora Três, responsável pela publicação da revista IstoÉ, (R$ 360 mil). Em todos os casos ainda cabe recurso.
Na área cível, várias ações foram propostas. A primeira delas, contra o Estado, para pedir indenização por danos morais e materiais. Em 1996, o juiz Luís Paulo Aliende mandou o governo paulista pagar cem salários mínimos — R$ 30 mil em valores atuais — ao casal proprietário da escola e ao motorista Maurício Alvarenga. O advogado Kalil Rocha Abdalla, considerou o valor baixo e recorreu ao TJ paulista reclamando 25 mil salários mínimos.
O TJ paulista julgou o recurso o fixou o valor de R$ 100 mil para cada um, por danos morais, e uma quantia a ser calculada para ressarcir os danos materiais. Pela decisão, a professora Maria Aparecida Shimada iria receber, ainda, uma pensão vitalícia por ter sido obrigada a abandonar a profissão.
Insatisfeitas, as partes recorreram ao Superior Tribunal de Justiça. A 2ª Turma do STJ reformou a decisão e condenou o estado de São Paulo a pagar uma indenização de R$ 250 mil a cada um. O caso ainda está na Justiça por causa de um recurso extraordinário interposto pela Fazenda do estado contra a decisão do STJ.

Revista Consultor Jurídico, 28 de maio de 2008

terça-feira, 6 de maio de 2008

Ele não fala!

Em janeiro desse ano a revista Caros Amigos publicou um entrevista inédita com o escritor e jornalista Luis Fernando Verissimo. Respostas ótimas, com humor e muita história. Tomei a liberdade de publicar no meu blog. Aí vai, espero que gostem. Ah, a entrevista foi por e-mail. Por isso, entre outras, o título acima.

GLAUCO MATTOSO Caramigo Lufe: Minha mãe, que é de Taubaté e morreu faz pouco, não acreditava em padre nem em político nenhum. E você?
Acho que esse é um sentimento comum, esse enfaro com políticos, depois de tantos escândalos e tanta hipocrisia. E é perigoso porque acaba sendo um desencanto com a política e no fim com a própria democracia. Se fosse possível haver política sem políticos... Mas não dá, e o jeito é confiar nos políticos sérios e capazes que ainda existem, em algum lugar, e esperar que a nossa democracia melhore com a prática. O importante é não desesperar e sair atrás de alternativas mais eficientes, ou puras, que acabam em desilusões ainda maiores. Quanto aos padres, deixei de acreditar há muito tempo. Fui criado como católico, fiz primeira comunhão e tudo, mas o lado do meu pai, que era agnóstico, foi mais forte.

GLAUCO MATTOSO Acha que ainda há espaço de credibilidade para gurus tipo Guevara ou Gandhi? Se há, qual opção lhe é mais simpática, a guerrilheira ou a pacifista?
Figuras assim são importantes como símbolos. O Mandela não resolveu todos os problemas da África do Sul mas ninguém pode negar a importância simbólica da sua eleição. O Lula, guardadas todas as óbvias proporções, a mesma coisa. O que o Che Guevara simboliza, com seu idealismo e o seu desprendimento, e até com a sua aparência, é mais importante do que o que ele realmente fez. Já o Gandhi foi o contrário: as conseqüência política da sua resistência foram mais inspiradoras do que o seu ascetismo místico e seu exemplo de santidade. Mas símbolo por símbolo, como sou pacífico simpatizo mais com os pacíficos.

MYLTON SEVERIANO Onde você estava e como soube do golpe militar de 1964? Você sofreu alguma conseqüência imediata, tipo perder emprego, passar por censura? Teve amigos presos, torturados, desaparecidos? Qual o saldo dos 21 anos de ditadura?
No golpe de 64 eu estava morando no Rio, e recém casado. Não tinha nenhum tipo de atividade que pudesse ser diretamente afetada pela repressão. Na verdade, estava entre atividades, tentando encontrar um caminho. E não encontrando, tanto que dois anos depois, sem qualquer perspectiva no Rio, peguei mulher e filha de um ano e fiz a coisa sensata numa situação destas, voltei para a casa do pai. Em Porto Alegre e trabalhando em jornal, aí sim. Tive amigos que foram presos, outros obrigados a se exilar, e o jornal era controlado. Quando comecei a ter um espaço assinado no jornal, tinha que evitar os assuntos proibidos e ter sempre um texto de reserva caso algum fosse censurado. Também fazia uma crônica para o rádio e nunca sabia quais assuntos iam passar ou não pela censura. Uma vez cortaram uma referência ao Chico Buarque, outra vez uma referência ao Darwin. Talvez achassem que Darwin lembraria evolução, evolução lembraria macaco e macaco lembraria gorilas, e falar de militar não podia. Nomes como o do Brizola e até do dom Helder Câmara eram proibidos. Tentamos começar um jornal alternativo, imitando o Pasquim, e aí, como diretor responsável do jornal, tive meu primeiro contato direto com censores, dois constrangidos agentes da Polícia Federal que liam tudo, davam muitas risadas, pediam desculpas e começavam a cortar. Hoje tudo isto parece incrível. Acho que o melhor saldo dos anos de ditadura é que ficamos inoculados, aquilo não se repetirá mais. Ou será que se repete? Talvez eu esteja mal informado.

VINÍCIUS SOUTO O senhor disse em certa oportunidade a célebre frase: “às vezes, a única coisa verdadeira num jornal é a data”. Diante disso, como enxerga a atuação das mídias independentes frente à grande imprensa? Acredita na efetividade delas na cobertura nacional além da penetração nos vários setores da sociedade?
O fato de hoje haver liberdade formal de imprensa no país como não existia na ditadura complicou um pouco as coisas, paradoxalmente. Naquele tempo imprensa alternativa era a que, mesmo disfarçadamente, criticava a situação, hoje imprensa alternativa é a que não faz coro com a implicância quase unânime da grande imprensa com a situação. E o fato de você, em tese, poder escrever o que quiser em qualquer jornal tira um pouco do atrativo da imprensa independente, que não tem o apelo da coisa meio clandestina como tinham o Pasquim e o Opinião, por exemplo. Mas, pelo que sei, publicações como a Caros Amigos e a Carta Capital estão com boa penetração, e destoam com competência do coro dos grandes.

VINÍCIUS SOUTO Sabendo que o senhor acredita ser o futebol um meio de compreender a condição humana, poderia traçar um paralelo entre a sociedade e o último campeonato brasileiro?
Bom, o único paralelo que me ocorre é dizer que foi um bom ano para a torcida do Corinthians em todas as áreas, como no aumento da renda e a diminuição do desemprego, menos no futebol.

VINÍCIUS SOUTO O senhor trata várias questões da vida com humor inteligente. A produção atual de outros cronistas e escritores está conseguindo manter essa linha ou tudo caminha à mediocridade, a baixos apelos?
O Brasil teve grandes escritores que nunca fizeram outra coisa além de crônicas. O Rubem Braga, por exemplo. O Paulo Mendes Campos, que também era poeta mas fazia principalmente crônica. O Antônio Maria. Hoje não há mais isso mas temos outra peculiaridade. Não há, que eu saiba, outro país no mundo em que os romancistas tenham um contato contínuo com o público, pela imprensa, como aqui. Temos o Cony, o João Ubaldo, o Inácio de Loyola, o Moacyr Scliar, o Bernardo Carvalho, o Torero, etc., todos escrevendo regularmente nos jornais. O que significa que podemos não ter mais excelentes só-cronistas mas temos excelentes escritores escrevendo crônicas. Não acho que caminhamos para a mediocridade, não.


MARCOS ZIBORDI Ao elaborar esta pergunta, tenho em mente aquela conhecida série da editora Ática chamada Para Gostar de Ler. Através dela conheci sua obra, e muitos estudantes também. Você é lido pela imprensa, internet. Qual a sensação de ser formador de leitores?
É bom ouvir de um adolescente que ele gosta do que eu escrevo, ou que começou a gostar de ler com algum texto meu. Não acho que a minha missão seja essa nem escrevo pensando num público específico, mas se contribui para criar o gosto pela leitura em alguém, se ajudei nesse bom combate, então viva eu. Só não sei bem o que dizer quando elogiam um texto meu que está na Internet, pois na maioria dos casos não é meu. Mas agradeço em nome do autor escondido.

MARCOS ZIBORDI Você compartilha da opinião quase unânime de que o presidente Lula é analfabeto e precisa ler?

Olha, com algumas exceções, como o Costa e Silva, que confundia latrocínio com laticínio, fomos sempre governados por homens letrados, muitos deles intelectuais de nome, que conseguiram construir o país mais desigual e injusto do mundo sem cometer um erro de concordância.

MARCOS ZIBORDI E o ensino de literatura nas escolas? É necessário? É possível?
Literatura, literatura, não sei. Mas é claro que o ensino do Português deve ser baseado nos bons textos desde as primeiras séries. Deve-se ensinar a escrever bem, não só escrever corretamente.

MARCOS ZIBORDI Seus textos são marcados pelo humor, leveza, coloquialidade. Mas vou usar uma palavra enjoada para esta pergunta: o que te deixa encolerizado?
Qualquer forma de hipocrisia, qualquer forma de prepotência e injustiça, qualquer derrota do Internacional.

MARCOS ZIBORDI Inúmeros escritores escrevem e escreveram sobre as conexões entre música e literatura. Se você pudesse discorrer um pouco sobre...
Eu já tentei desenvolver um paralelo entre uma crônica e um solo de jazz. Em ambos há a exposição do tema, variações sobre o tema, volta ao tema e uma amarrada final, mas o paralelo ficou meio forçado. Acho que música e literatura tratam de emoções diferentes. O pior da música que quer ser descretiva, passarinhos gorgeando numa obra do Strauss, por exemplo, é tão ruim quanto a literatura querendo ser musical, como nos romances com estruturas sinfônicas. Se bem que o Anthony Burgess escreveu um bom romance beethoveano, cujo título esqueci.

MARCOS ZIBORDI Eu não sei direito porque a gente pergunta certas coisas, mas qual autor brasileiro você lê e relê? Ou você não faz isso?
Infelizmente, tenho lido pouco por prazer. Ultimamente leio jornais e revistas demais, e livros sobre história e política, e não sobra tempo. Sempre fui um leitor voraz, desde garoto, desde os quadrinhos. E omnívoro, lia de tudo, sem muita discriminação. Como praticamente me alfabetizei nos Estados Unidos, onde morei dos 7 aos 9 anos, lia e ainda leio mais em inglês do que em português. Joseph Conrad, Scott Fitzgerald, John dos Passos, Evelyn Waugh, Graham Greene, Saul Bellows, Philip Roth, Nabokov. Mas dos brasileiros, depois da fase Monteiro Lobato, li muito o meu pai, os cronistas com especial predileção pelo Antônio Maria, a Clarice dos contos, o Rubem Fonseca, o Sabino, o Moacyr Scliar.

MARCOS ZIBORDI Poderia nos contar rapidamente sua experiência no alternativo Pato Macho?
Pois o Pato Macho foi a tal versão do Pasquim que quisemos fazer em Porto Alegre. Teve uma vida gloriosa e curta. Foi em 1971, imaginem vocês, governo Médici, a época mais brava da ditadura. Mas a reação ao jornal não foi tanto pela parte política. Como não podíamos tocar muito em política, fazíamos uma crítica de costumes, da burguesia local, à qual pertencíamos todos. Não gostaram. O segundo número já teve que passar pela censura. O jornal durou quinze semanas. Da experiência ficaram as lembranças das reuniões de criação, que geralmente eram mais divertidas do que o que saía. E as dívidas, claro.

MARCOS ZIBORDI Além de literatura, mulher e água, existem outras coisas importantes no mundo?
Se literatura aí incluir cinema, água for sinônimo de vinho, cachaça, cerveja e Coca Diet e além de mulher vier um bom pudim de laranja, concordo. Não precisa mais nada.

MARCOS ZIBORDI Qual sua opinião sobre a frase “toda literatura realista é medíocre”.
Acho tão difícil escrever diálogos realistas, principalmente em Português (não sei quem foi que disse que, no Brasil, pronome no lugar certo é elitismo) que tenho o maior respeito por quem faz ou tenta fazer literatura realista. A de outro tipo, em comparação, é sopa.

RENATO POMPEU Você é muitas vezes apontado como esquerdista. O que acha de Cuba, Venezuela, Bolívia e Equador? Como você qualificaria o estado atual da esquerda no Brasil em geral e o governo Lula em particular?
No Brasil temos o mau hábito de exigir opiniões absolutas sobre tudo. Talvez porque as opiniões relativas pareçam vir de cima do muro. Mas você pode achar certas coisas em Cuba admiráveis, como a independência que conseguem manter ali embaixo do focinho dos Estados Unidos e o que, apesar de tudo, conquistaram em matéria de saúde pública e educação, e achar outras lamentáveis, como a falta de pluralidade política e a presidência vitalícia do Fidel. Entende-se que a direita brasileira seja obcecada por Cuba e, agora, pelo Chávez, mas não é preciso imitar sua radicalidade, a favor ou contra. A mesma coisa vale para os Estados Unidos, que são admiráveis e execráveis, dependendo do que você está falando. O governo Lula a mesma coisa, só que neste caso a gente tende a ser mais a favor do que contra para não engrossar o coro dos reacionários, que já é suficientemente grosso. Esse tal de novo populismo na America do Sul é importante menos pelo que é do que pela sua origem, o fracasso de políticas neoliberais recentes em cima de todos os anos de descaso social das elites do continente, que agora têm que enfrentar os chaves e os morales e outros monstros que criou. O novo populismo, ou como quer que se chame isso, também tem seu lado animador e seu lado discutível, além do seu lado precário. Já a esquerda brasileira continua como sempre foi, dividida.

RENATO POMPEU Como você encara a obra de seu pai? A sua é uma continuidade ou uma superação?
Acho que meu pai pagou o preço por ser um autor popular. Não digo que tenha sido injustiçado pela crítica, mas demoraram para reconhecer que mesmo a primeira fase da sua obra, dos romances considerados mais ingênuos, era importante em termos de técnica narrativa e estilo, além da crítica social que continha. Ele mesmo se descrevia como apenas um contador de histórias mas foi dos primeiros brasileiros a contar histórias urbanas, influenciado pela prosa moderna dos Estados Unidos e da Inglaterra, quando a nossa literatura ainda era regionalista ou fortemente marcada pela literatura ibérica ou francesa. A trilogia "O tempo e o vento" eu acho uma obra extraordinária, um romance histórico com uma estrutura inédita extremamente moderna. O primeiro volume da trilogia, "O Continente", eu considero o melhor livro dele e é o que eu reli mais vezes. Me contaram que o Garcia Marquez também leu, antes de escrever "Cem anos de solidão". Não sei. Se eu sou uma continuação dele? Não, e muito menos uma superação. Faço outra coisa, sem a mesma importância, e não tenho nenhuma pretensão a passar disso.

CARLOS ALBERTO AZEVEDO Seu pai foi um grande escritor, que ajudou a definir o Brasil e a nossa sociedade de uma época. Sua obra atualmente parece esquecida. Por qual motivo? Seria uma obra datada? Os livros de Érico têm sido reeditados nos últimos anos?
Depois da morte dele os livros continuaram a ser editados pela Editora Globo, mesmo depois que esta mudou de dono, e de uns anos para cá vêm sendo reeditados pela Companhia das Letras. Os livros têm vendas regulares e alguns títulos continuam a atrair bastante os leitores, como "Olhai os lírios do campo" e extratos de "O tempo e o vento" como "Ana Terra" e "Um certo Capitão Rodrigo". Os livros infantis também estão no mercado, com vendas razoáveis.
CARLOS ALBERTO AZEVEDO Não é comum que o filho de um grande escritor seja também grande escritor. Você conviveu com um pai que estava sempre escrevendo, sempre ocupado com sua literatura. Isso o intimidava ou atraía? Como foi a sua própria aproximação da profissão de escrever e, depois, da opção de fazer literatura?
Quando era garoto, tinha alguma dificuldade em explicar aos colegas o que meu pai fazia, exatamente. Escritor não era profissão, e ficar inventando histórias parecia coisa de desocupado. Eu gostava de ve-lo trabalhando. Me lembro quando ele começou a escrever "O tempo e o vento" na mesa da sala de jantar, batendo à máquina rapidamente, com os dez dedos, depois revisando o que escrevera e copiando a página com as alterações. Isso foi em 1947, eu tinha onze anos e lia as páginas recém saídas da máquina de escrever. Pode-se dizer que acompanhei o parto de "O Continente". Depois a casa foi aumentada e ele passou a trabalhar no que chamava de sua toca, isolado nos fundos da casa, e eu não acompanhei seu trabalho mais tão de perto. A não ser por três meses de verão na praia de Torres, quando acompanhei toda a feitura de "Noite". Nunca foi nada intimidante, só um pouco misterioso, no sentido de que o que ele fazia não era o que os outros pais faziam. Eu não optei por escrever. Não tinha nenhuma idéia de ser escritor, apesar de sempre ler muito. Não me formei em nada e quando voltamos de uma segunda estada nos Estados Unidos fui posto a trabalhar no departamento de arte da Editora Globo porque, por um preconceito inexplicável, não queriam um vagabundo dentro de casa. Depois tentei outras coisas que não deram certo, fui morar no Rio com a idéia de ganhar, não sabia como, algum dinheiro e depois seguir para Londres. Lá conheci a Lúcia, nos casamos, tivemos a Fernanda, e voltei com elas para Porto Alegre. Me convidaram para fazer uma experiência no jornal "Zero Hora" (na época não se precisava de diploma para ser jornalista) e acabei cronista. Só então, com 30 anos, descobri que sabia escrever. Antes só tinha feito algumas traduções do inglês para o português. O começo na profissão, portanto, além de tardio, foi meio acidental.

CARLOS ALBERTO AZEVEDO Quem vendeu mais livros até hoje, seu pai ou você? Quem fez mais sucesso, seu pai ou você? E quem dos dois é melhor escritor?
Meu pai vendeu mais livros, claro, pois alguns continuam vendendo. Ele fez mais sucesso e foi melhor escritor.

CARLOS ALBERTO AZEVEDO A literatura brasileira hoje tem qualidade melhor ou pior do que a literatura de 50 anos atrás? Há algum escritor atual que se compare a Érico Veríssimo, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Carlos Drummond de Andrade, Mário de Andrade? Se há, quem é? Ou quem são? Se não, como se explica isso?
Não sou a pessoa indicada para fazer a comparação porque conheço pouco a nova literatura brasileira mas acho que um Cony, um João Ubaldo, um Moacyr Scliar, um Rubem Fonseca, um Milton Atou e mais uns quatro ou cinco que eu só vou lembrar daqui a meia hora jogariam na seleção principal de qualquer época.

PALMÉRIO DÓRIA Você tem inveja de não ter criado algum personagem de outro humorista?
Eu tenho uma inveja danada do Laerte e do Angeli, que não só desenham daquele jeito como inventam tipos sensacionais. O Taurino, do Santiago, e o Rango do Edgar Vasques também são invejáveis. Para ficar só em personagens desenhados.

PALMÉRIO DÓRIA Os trocentos ministérios de Lula são uma criação imortal de Péricles?
Você quer dizer que estamos entregues a um bando de amigos da onça, não nossos? Pode ser, salvo algumas exceções. Mas eu acho que o Péricles teria caprichado mais na feitura dos tipos.

PALMÉRIO DÓRIA O que você gostaria de voltar na próxima encarnação?
Eu sempre digo que reencarnações só valeriam a pena se desse para acumular tempo para o INPS. De qualquer maneira, gostaria de voltar como meu biógrafo. Assim não precisaria fazer muita pesquisa.

PALMÉRIO DÓRIA Por que você não escreve um manual de desajuda?
Pois é, tem tanta literatura de auto-ajuda por aí, mostrando às pessoas como serem vencedores, que o resultado pode ser um excesso de bem sucedidos. Alguém tem que começar a ensinar ao pessoal como aceitar o fracasso. É uma boa idéia.

PALMÉRIO DÓRIA A socialite socialista Dora Avante detona que tipo de perua - van, station wagon, picape...? Ou ela prefere o primeiro Ford T, o Carro Sapiens?
A Dora Avante não gosta de nada que mostre a sua idade. Só não anda de motocicleta porque o Pitangui desaconselhou que ela fique muito tempo sentada, depois da última plástica.

PALMÉRIO DÓRIA O Bocão é um bicão pela própria natureza?
O Boca, para quem não sabe, é personagem de um desenho que eu faço, que sai na "Zero Hora" e no "Estadão", chamado "Aventuras da Família Brasil". É o genro com o qual todo sogro sonha, quando tem pesadelos. Ele não tem caráter, mas se tivesse não seria mau.

PALMÉRIO DÓRIA Você diz que fora do cabo não tem salvação. Gostas de um Seinfeld? Aliás, Jerry Seinfeld, falando o desenho Bee Movie, diz que nos EUA tem uns 4 humoristas brilhantes. Aqui quantos eles seriam?
Ultimamente ando catando o Seinfeld na TV, pois nunca decoro os horários em que ele vai aparecer. Quais seriam os 4 humoristas mais brilhantes do Brasil? Bom, tem o Millor, e só aí já são dois, o Laerte e um no exílio, o Ivan Lessa. E mais o Jaguar, os Carusos, o Fausto Wolff, o Mario Prata e o filho do Mário Prata, muita gente.

PALMÉRIO DÓRIA Se o atual governo fosse uma escola de samba, qual seria o enredo dela este ano?
Algo como "Sem fotoshop não dá!"

PALMÉRIO DÓRIA Você, que fala tanto, aceitaria o cargo de ministro das Comunicações num eventual terceiro governo Lula? Se preciso for, será que Lula fecha com a direita de Gengis Khan?
Aceito, desde que não precise sair de casa. Hoje, com o e-mail, a comunicação ficou fácil. Mas quero secretárias, muitas secretárias. O Lula, aparentemente, faz aliança com qualquer um que bater na porta.

HAMILTON DE SOUZA Você acha que a vitória do PT para a Presidência da República em 2002 e em 2006 reduziu ou aumentou o espaço do humor no Brasil? Por quê?
Na medida em que poucos governos foram tão anarquizados na história do Brasil e a figura do Lula se presta a caricaturas, imitações e gozações como poucas outras, aumentou o humor no país. A popularidade do Lula contribui para isso, ou isso contribui para a popularidade do Lula. Tem gente que se diverte com ele, vê as bobagens que ele diz como prova de bonomia e autenticidade. Fora os DEM, acho que está todo o mundo se divertindo mais no Brasil. Os banqueiros, então, nem se fala.

HAMILTON DE SOUZA Como fazer boas crônicas sobre os erros e os danos do neoliberalismo se a maior parte da esquerda aderiu às políticas neoliberais? Como escrever crônicas satíricas e bem-humoradas sobre a corrupção se essa prática anda generalizada, virou marketing da Polícia Federal e leva todo mundo para a pizzaria?
A economia, pelo que eu leio e ouço, vai melhor agora do que ia sob um governo abertamente neoliberal, o que leva a concluir que o PT pelo menos está sendo eficiente na sua incoerência. Na verdade essas contradições, e o pouco efeito que as denúncias de corrupção tiveram na avaliação do governo Lula, só reforçam aquela idéia da irrelevância crescente da política num mundo dominado pelo capital financeiro. A crítica, a sátira, etc. acabam sendo sobre nada muito pertinente ao que realmente importa.

HAMILTON DE SOUZA Agora falando sério: você vê alguma salvação para o Brasil?
Nunca entendi muito bem o que significa um país se salvar. Se os políticos e o caráter no Brasil vão melhorar, acho que sim. Piorar não pode. A eleição do Lula já foi uma boa novidade numa história toda feita de cima para baixo, com escassa participação popular. Você não precisa simpatizar com o Lula para apreciar que o ódio que ele desperta em parte do nosso patriciado é um bom sinal, de que a novidade está tendo efeito e certos pressupostos antigos sobre quem tem direito ao poder no Brasil já não valem. Em outros tempos, quando um discurso podia derrubar um governo, essa reação feroz já teria tido conseqüências institucionais. Hoje não. Outro exemplo de como melhoramos aos poucos. Agora, se a questão é a salvação do Brasil dos cataclismos previstos para o planeta, não sei não. Temos uma costa imensa para ser inundada. E há dias houve um terremoto em Minas, outra novidade no Brasil. Um mau sinal.

ANA LUIZA MOULATLET Apenas escritores engajados ganham o prêmio Nobel, que costuma enxergar o homem como um todo. Jorge Luis Borges, por exemplo, apesar de toda a sua obra, era um homem conservador e nunca ganhou o prêmio. O senhor acha que o homem tem que ser igual à obra, ou a obra se aliena do homem e é importante por si só?
Acho que o escritor, principalmente o que tem um espaço na imprensa, deve ser uma testemunha do seu tempo, o que não implica em ser engajado numa causa ou numa ideologia. E acho que a obra é mais importante do que o autor. Um dos meus escritores favoritos é o inglês Evelyn Waugh, que era um esnobe, um reacinonário e um carolão, mas tinha a melhor prosa da sua época, o que para mim desculpava tudo. Borges é outro exemplo. Se não fosse um conservador, não seria o Borges e perderia a graça.

ANA LUIZA MOULATLET O politicamente correto veta certos tipos de humor, e muitos escritores, atores e humoristas são condenados por fazer este tipo de humor. Como o senhor vê o humor politicamente incorreto?
O ideal é que o humor não tenha nenhuma forma de limite, nem o do bom gosto. E o que acontece é que muitas vezes a intenção do humor incorreto, aparentemente insensível ou ofensivo, é mal compreendida. No famoso caso do Jonathan Swift, por exemplo, com a sua proposta de que os bebês irlandeses fossem comidos pela população para resolver ao mesmo tempo os problema da super-população e da fome, mais gente se escandalizou com o mau gosto do autor do que entendeu que o alvo da sátira era o escândalo da miséria na Irlanda, era a insensibilidade com a miséria. No fim, depende de cada humorista estabelecer seus próprios limites, sem ditá-los para ninguém.

ANA LUIZ MOULATLET O senhor acha que as grandes utopias acabaram, que o messianismo chegou ao fim? Há uma causa pela qual o senhor lutaria hoje?
Gosto daquela frase do Chesterton segundo a qual quando as pessoas deixam de acreditar em Deus não passam a acreditar em nada, passam a acreditar em qualquer coisa. As grandes utopias sociais acabaram, ou estão em recesso, mas o mais preocupante no mundo hoje é o que as pessoas estão dispostas a acreditar, por mais irracional ou primitivo que seja. Há uma retribalização da humanidade em curso e a guerra entre os monoteísmos é apenas uma das evidências disso. As utopias pelo menos pressupunham um desejo de organização social pela razão, ou pelo altruísmo, mas o desejo dominante hoje parece ser o de embotamento da razão por um sentimento tribal, qualquer sentimento tribal. A causa pela qual vale a pena lutar é uma idéia de sociedade, daquilo que a Margaret Thatcher dizia que não existe, uma idéia de comunidade e justiça compartilhadas, acima das ambições individuais e da moral do mercado.

MARIANA SANTOS Como você lida com essa espécie de plágio ao contrário que acontece com os mais de 40 textos escritos por outras pessoas e atribuídos a você na internet? Porque você acha que isso acontece?
Não entendo o que leva alguém a atribuir um texto a outra pessoa, às vezes um texto próprio, e bom. Mas não há o que fazer. A internet é uma terra de ninguém, não dá para controlar, o jeito é se resignar. Sempre conto o caso de um texto chamado "Quase" que circulou na internet com a minha assinatura e pelo qual recebi muitos elogios. Teve até uma senhora que disse que nunca gostara muito do que eu escrevia mas adorara o “Quase" e sugeria que eu escrevesse sempre assim. No Salão do Livro de Paris, não faz muito, uma moça me contou que estava lançando um livro de traduções do português com textos da Clarice Lispector, do Carlos Drummond de Andrade e outros, e incluíra um texto meu. Adivinhe qual era? O "Quase", "Presque" em francês. Algumas pessoas ficam tão desapontadas quando descobrem que um texto meu que leram na internet e gostaram não é meu que já desisti de negar a autoria. Admirador a gente não recusa, mesmo quando não merece.

LÉO ARCOVERDE Sempre ouvi falar de sua amizade com o ex-jogador chileno Don Elias Figueroa, ex-zagueiro do Internacional. Gostaria de saber se vocês conversavam (ainda conversam?) sobre literatura, como dizem, ou acerca do futebol mesmo. Poderia contar um pouco dessa amizade?
Quando o Figueroa chegou para jogar no Internacional a Lúcia e eu convidamos ele e a mulher dele, a Marcela, para jantar na nossa casa e fizemos uma boa amizade. Eram pessoas muito agradáveis, convivemos bastante, mas não conversávamos muito sobre literatura. Essa idéia nasceu porque na saída do primeiro jantar lá em casa o Figueroa olhou para as estrela e lascou um poema do Pablo Neruda. O Ruy Carlos Ostermann descreveu a cena na coluna dele do jornal, e a conclusão geral foi que, além de ter trazido o melhor zagueiro do mundo para Porto Alegre, o Internacional tinha comprado um intelectual. Os gremistas logo insinuaram que aquele era o único poema que o Figueroa sabia, o que também era um exagero. Ele conhecia muitos poemas do Neruda, mas isso nunca foi tópico de nossas conversas, que eram mais sobre futebol mesmo. Bastava as coisas inspiradas que ele fazia no campo, como o famoso gol do faixo de luz que fez no Cruzeiro, sua cabeça iluminada pelo último raio do sol poente, que deu o campeonato brasileiro de 1975 para o Internacional e que foi decididamente um poema.

THIAGO DOMENICI No salão do jornalista escritor deste ano o senhor comentou que a imprensa brasileira de hoje é de direita, quais os motivos que o levam a achar isso? E, com uma declaração desse tipo, escrever pro Estadão (que acho de direita) não seria incompatível?
No salão eu tentei fazer uma piada com a tese de que a virada à direita da imprensa brasileira coincidia com a substituição da máquina de escrever pelo computador nas redações, quando o barulhento trabalho braçal nas máquinas, que podia identificar os jornalistas com o proletariado, deu lugar a um sóbrio ambiente de banco, liquidando com a velha idéia de que num jornal era todo o mundo de esquerda até o nível de redator chefe e de direita daí para cima. A tese não se sustenta, claro, era brincadeira. No "Estadão" eu escrevo o que quero e nunca recebi nenhuma restrição. Minhas crônicas são distribuídas a vários jornais do país pela Agência Globo e nunca pedi para saber a orientação política desses jornais, embora, imagino, eles saibam a minha. Restrições, mesmo, eu só recebo de leitores do "Estadão", sempre que escrevo sobre política. O "Estadão" até me protege, mandando para mim em vez de publicar as cartas mais agressivas. Como a do leitor que escreveu que, sempre que eu mencionava o Lula, ele vomitava.

SÉRGIO DE SOUZA Vi um crítico de artes plásticas dizer, a respeito de Tomie Ohtake, a propósito de ela falar pouco: "Ela é uma artista do silêncio". A definição parece perfeita no seu caso, daí minha pergunta: a que você atribui essa inapetência de falar? Sempre foi assim? Tocar em público é diferente de falar? Por quê?
Esse negócio de eu falo pouco é um mito, os outros é que falam muito. Fico esperando uma brecha que nunca vem... Na verdade, as pessoas não se dão conta de como falar é difícil. Você pensar no que vai dizer, organizar a frase, calcular quanto ar vai ter que produzir para dizê-la, escolher a correta formação da boca para moldar as palavras... É uma arte que não domino. Mas já fui pior. Hoje, depois de vencido o primeiro impulso, que é o de sair correndo do lugar, já consigo falar em público. E tocar em público é bem diferente de falar. O que eu faço é brincar de músico, portanto o que está em cima do palco não sou eu, é uma simulação.

SÉRGIO DE SOUZA Os fãs sempre gostam de saber como o escritor trabalha, que métodos segue, onde busca seus temas. Eu gostaria de saber, ainda mais que você já ganhou um título de Homem de Idéias do Ano.
Como o meu pai, tenho a minha toca nos fundos da casa, onde fico isolado a maior parte do dia. Começo a trabalhar normalmente pelas nove e meia ou dez, paro para o almoço e uma rápida cochilada, depois trabalho até a hora do Jornal Nacional. O volume do trabalho depende, quando é dia de mandar matéria para os jornais ele é mais intenso, nos outros é mais folgado. Quando estou escrevendo um livro, como agora, aproveito os fins de semana e as horas vagas. Os assuntos vêm do noticiário do dia, das leituras, às vezes de coisas banais. Sempre conto que uma vez uma repórter me entrevistou para uma TV, em Ouro Preto, e perguntou muito sobre isso, de onde vem os assuntos, como nasce uma crônica. Terminada a entrevista ele me passou um livro meu para autografar mas antes disso escreveu alguma coisa no livro. Estranhei, ela estava autografando o meu livro? O que ela tinha escrito era "Luis, a sua braguilha está aberta". Foi o jeito que encontrou para me dizer que eu tinha feito toda a entrevista com a calça aberta. Está aí, disse eu. Eis um exemplo do germe de uma crônica. Escrevi sobre o episódio, mas não sei se ela chegou a ler. Tempos depois a encontrei num festival de jazz em Vitória. Ela me abanou de longe e gritou "Sou eu, a da braguilha!"

SÉRGIO DE SOUZA E a internet? Como você se dá com ela? Obrigado e, por último, você não quer escrever uma coluna de futebol pra Caros Amigos?
Uso o computador como uma máquina de escrever com memória, leio o New York Times e a Terra Magazine, uso bastante o e-mail e o google, e só. Aliás, desde que comecei a usar o google nunca mais errei a correta grafia de Nietzsche. Escrever sobre futebol para a Caros Amigos? Vamos ver como o Internacional começa o ano. Se for como 2007 prefiro não tocar no assunto

JOÃO DE BARROS Como o senhor analisa o governo Lula? Houve avanço nas questões econômicas e sociais quando comparado ao governo tucano? E como o senhor analisa o atual governo do ponto de vista ético? Como o senhor analisa a literatura brasileira nos dias atuais. O que – e quem – apareceu de novidade nos últimos anos? Gostaria de saber o que o senhor fez no dia em que o Internacional se sagrou campeão mundial de clubes.
O governo Lula decepcionou todo o mundo, a esquerda porque não é exatamente um governo de esquerda e a direita porque não é um fracasso completo. E a gente tem que reconhecer, um presidente que consegue agradar, ao mesmo tempo, o povão, como mostram as pesquisas, e os banqueiros, é algum tipo de gênio da engenharia política. Pelo menos parece que está havendo algum progresso no que é, afinal, a questão primordial do Brasil, a da distribuição de renda. Na questão da ética, acho que o PT ficou devendo explicações, mas temos uma oposição tão hipócrita que fica difícil acompanhá-la nas suas cobranças. Sei, infelizmente, muito pouco sobre a nova literatura brasileira, sei que tem muita gente boa mas que ainda não pude descobrir. Nem na literatura brasileira nem na mundial. Leio tanto para me informar que acabo negligenciando a informação mais valiosa, que vem da criação dos outros. Sobre a vitória do Internacional no Japão não posso dizer nada porque ainda estou esperando acordar a qualquer momento.

MICHAELLA PIVETTI as cobras são para mim as tiras mais engraçadas e bem resolvidas que tenham sido publicadas no Brasil. Como chegou nelas, inclusive graficamente, e se pensa retomar sua criação para deleite coletivo?
Muito obrigado. Sempre gostei muito de cartuns e quadrinhos e quando passei a ter um espaço assinado no jornal aproveitei para, vez por outra, substituir o texto por desenhos. Como meu desenho é muito rudimentar, para não dizer ruim, escolhi cobras porque são fáceis de fazer. Cobra é só pescoço, não tem detalhes. Também aproveitei para dizer com os desenhos o que nem sempre podia dizer com o texto. Por alguma razão, talvez pela conotação de coisa infantil, lúdica, desenhos não eram tão controlados quanto palavras, na época. Não foi por nada que a grande revelação do humor brasileiro durante a ditadura foi o Henfil, com seus cartuns. Parei de fazer as cobras porque estava fazendo coisas demais, e também porque fiz 60 anos e achei que não ficava bem para um sexagenário chefe de família estar desenhando cobrinhas. Mas recentemente elas foram reavivadas pela Terra Magazine, do Bob Fernandes, onde aparecem às segundas-feiras.

MICHAELLA PIVETTI Você é um cronista do homem comum, escreve como poucos sobre o cotidiano. Como fazer do dia-a-dia um tema tão interessante, já que o cotidiano, a rotina, parece, para muitos, algo tão sem graça?
Na verdade a gente não escreve sobre a rotina, escreve sobre uma quebra de rotina, sobre coisas incomuns que acontecem com pessoas comuns e mudam suas vidas, alguma epifania ou paixão. Já chamaram minha atenção para o fato que escrevo muito sobre casais se desfazendo, o que não tem nada a ver com a minha experiência pessoal, pois estou casado há 43 anos com a mesma mulher. Acho que é um recorde mundial.

MICHAELLA PIVETI Como você acha que iria se comportar a Velhinha de Taubaté diante do governo Lula?
A Velhinha de Taubaté morreu de desgosto quando soube que seu ídolo na época, o Pallocci, também estava envolvido nas confusões de Brasília. Como não dava para acreditar em mais nada, ela, que sempre acreditou em tudo, morreu. Dizem que a sua casa em Taubaté se transformou num santuário onde as pessoas vão rezar para voltarem a acreditar em alguma coisa, e é possível que ela ressuscite. Mas até agora não reapareceu.

MICHAELLA PIVETI Analisando brevemente seu universo de tipos impagáveis, percebe-se que transita como ninguém por esse terreno 'pantanoso' chamado carinhosamente de classe média. Você se considera pertencente a esse universo que sabe caracterizar tão bem? Em outras palavras: se fosse criar um personagem inspirado em você mesmo, que tipo seria o clone do Luís Fernando Veríssimo?
A classe média brasileira é onde eu vivo. Minha experiência pessoal não é exatamente típica e eu não seria personagem de uma história minha, por absoluta falta de graça, mas a gente aproveita as histórias que ouve e a experiência dos outros. Muita gente me pergunta se o pai da Família Brasil não sou eu, por causa dos óculos, da careca e de uma certa perplexidade diante do mundo moderno. mas não sou eu, não. Pelo menos não que eu saiba..

MICHAELLA PIVETI É difícil ser filho de um escritor respeitado e famoso? Quando e como descobriu que poderia ser você mesmo e deslanchou na vida profissional? O que tem de mais interessante o Brasil hoje? E de insuportável?
O pai nunca se levou muito a sério, o que ajudou a família a conviver com sua fama. O fato de ter um sobrenome conhecido certamente me ajudou quando eu comecei, criou uma certa curiosidade nas pessoas e abriu portas. Nunca senti que havia algum tipo de cobrança pelo fato de ser filho de quem era, e isso nunca me preocupou. Minha carreira mudou com a publicação de "O Analista de Bagé", meu primeiro livro a ter repercussão nacional, em 1981. Daí para diante todos os meus livros tiveram, em média, boas vendas. O que tem de mais interessante, de novo, no Brasil hoje, acho eu, é o cinema que a garotada está fazendo com pouco dinheiro e muita criatividade, e que está encontrando o seu público. Conheço mais o que se faz em Porto Alegre, que é hoje um pólo importante de produção, mas sei que o mesmo acontece no resto do Brasil. O que há de mais insuportável no Brasil é a hipocrisia. Tivemos uma apoteose de hipocrisia na recente votação da prorrogação da CPMF.

MICHAELLA PIVETI - Melhor legado para deixar aos filhos?
A solidariedade.

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