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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Olha o fim do ano aí, gente!

Eu fico quietinha, tentando me fingir de morta, mas não funciona. Ele vem, vem mesmo, e acaba me achando assim, crente que estava invisível. O fim do ano, com pacote completo. Começa cada vez mais cedo, quando as lojas se enchem de luzinhas piscantes, botam “aquelas” músicas pra tocar o tempo todo (então é nataaaaaal...) e começam a se encher de gente. O resto, todo mundo sabe como é. Vontade de dormir hoje e acordar no 2 de janeiro – uma imagem escrita das mais surradas.

Este fim de ano está meio ameaçado por um fim de mundo anunciado. Já pensou? A festança organizada, geladeira abarrotada, presentes, árvore enfeitada, fantasia de papai noel comprada, amigo oculto esperando pra ser revelado e... caput! Acabou-se, instantaneamente, sem guerra nuclear e sem a revolta definitiva dos elementos naturais. Até que não seria mau. Não ficaria ninguém pra contar a história, nem Hollywood pra fazer o filme.

Na boa mesmo, não tenho nada contra festas, confraternizações e presentes, muito pelo contrário. Mas tem que dar liga, e liga é uma coisa que o calendário não consegue criar, porque a especialidade dele é impor, controlar e cobrar. A mistura de espírito festivo com obrigação desanda sempre, e deixa um gosto de “ufa, que bom que acabou”. Enquanto a gente é criança, tem a magia da inocência, que gera expectativa e surpresa, mesmo que repetida. Uma vez acionado o piloto automático, parece que se não houver festas, comilanças e presentes, tudo grande, animado e com muita gente, estaremos numa uma espécie de limbo pessoal, que, se assim for percebido, pode ter efeitos profundos. Sem falar na desigualdade, que ganha um ímpeto especial nesta época, quando corações momentaneamente amolecidos querem fazer parecer que somos mais iguais que durante o resto do ano.

Mas não, não quero azedar a festa de ninguém, nem a minha própria. É só uma tentativa de lembrar que a celebração das coisas que são importantes pra nós podia ser menos programada e mais sentida. Só isso. No mais, vem ni mim, fim de ano!


Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Vlado em 4 atos

1.
Há 13.505 dias o mundo era outro. Por exemplo, as Bienais de São Paulo ainda eram importantes. No 25 de outubro de 1975, um sábado, eu fui até o Ibirapuera. Na época, quando São Google nem sonhava em nascer, eu tinha uma reverência ao evento Bienal. De fato, na de 1975, foi possível ver alguma coisa da novidadeira instalação de vídeo-arte e entrar numa maloca indígena reproduzida em tamanho natural.

Tenho a impressão que chovia. Digo impressão, pois 37 anos são 37 anos. A tinta da memória, igual a das canetas sem uso, também seca. Mas eu guardei esse dia não por causa da Bienal, mas por conta do que soube ao cair da tarde. Cheguei em casa e meu pai, entre solene e preocupado, disse: "Olha, mataram um jornalista da TV Cultura. Vai ter mobilização."

2.
Domingo. Acho que continuava chovendo. Lembro que meu pai e eu fomos para o velório do jornalista no Hospital Albert Einstein. Hospital tão afamado quanto hoje é o Sírio-Libanês. O clima, a indignação das pessoas nem preciso descrever. Havia também o danado medo. Entre os presentes circulavam homens de terno e gravata fotografando. "Agentes do Dops" sussurrávamos.

Mas ninguém arredou pé. Sabíamos que tínhamos que ficar onde estávamos. Entre os ilustres, o arcebispo Dom Paulo Arns e o senador Franco Montoro. Até aquele dia eu não fazia ideia de quem era Vladimir Herzog. Mas sabia que a ditadura torturava e matava muito gente. E aquele cara, estendido no caixão, não havia se suicidado.

3.
O enterro foi no Cemitério Israelita do Butantã. Mais longe do que é hoje. Lembro de uma estradinha de terra (será?). E, é claro, da grande comoção. Eu assisti a tudo de um lugar alto. Choros. Rápidos e compungidos discursos da Ruth Escobar (ninguém fala mais dela) e de Audálio Dantas –  então presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo. A sensação era que desta vez haveria uma resposta. Acho que isso estava escrito na cara de todo mundo: "Não vamos deixar barato."

4.
No 31 de outubro, ocorreu a grande concentração na Praça da Sé. Desafiando o aparato repressivo, e graças ao trabalho dos estudantes da USP, PUC, GV e do Sindicato dos Jornalistas, mais de cinco mil pessoas estavam em frente à Catedral da Sé. Lá dentro se desenrolava uma missa-ato ecumênico (ou quase isso, pois não convidaram uma mãe de santo). Representando os católicos, os corajosos dons Paulo Evaristo Arns e Helder Câmera. Os judeus contaram com o rabino Henry Sobel. Em nome dos protestantes, o pastor James Wrigth.

Mas tudo isso foi muito mais. Hoje sabemos que o protesto contra o assassinato do cidadão Vlado, 38 anos, foi um punhal certeiro no coração da ditadura militar. Toda tirania, minhas amigas e amigos, um dia tem seu fim.


fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve às quintas a coluna Observatório da Esquina. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

Guerra virtual, parte 2

Nessa entrevista da série "O mundo Amanhã", o fundador do WikiLeaks, Julian Assange segue o papo da semana passada com seus companheiros de armas, os criptopunks, virtuosos cyberativistas que lutam pela paz na internet. O debate é sobre a arquitetura da internet, a liberdade de expressão e as consequências da luta por novas políticas na web

“ O nono episódio da série World Tomorrow continua com os Criptopunks, ativistas da liberdade de informação na internet, Jacob Appelbaum, Andy Müller-Maguhn, Jeremie Zimmerman e, claro, Julian Assange, no papel de advogado do diabo. “Trole-nos, mestre troll”, brinca Jacob.

Na luta pela liberdade na web, os Criptopunks lançam algumas luzes sobre a guerra virtual entre o compartilhamento livre e o roubo, o poder dos governos em intervir versus a liberdade de expressão – e as consequências dessa batalha.

“A arquitetura é a verdade. E isso vale para a internet em relação às comunicações. Os chamados ‘sistemas legais de interceptação’, que são só uma forma branda de dizer ‘espionar pessoas’. Certo?”, cutuca Jacob. “Você apenas coloca “legal” após qualquer coisa porque quem está fazendo é o Estado. Mas na verdade é a arquitetura do Estado que o permite fazer isso, no fim das contas. É a arquitetura das leis e a arquitetura da tecnologia assim como a arquitetura dos sistemas financeiros”.

O debate segue apoiado nas possíveis perspectivas para o futuro. Para os Criptopunks, as políticas devem se pautar na sociedade e nas mudanças que seguem com ela, não o contrário.

“Temos a impressão, com a batalha dos direitos autorais, de que os legisladores tentam fazer com que toda a sociedade mude para se adaptar ao esquema que é definido por Hollywood. Esta não é a forma de se fazer boas políticas. Uma boa política observa o mundo e se adapta a ele, de modo a corrigir o que é errado e permitir o que é bom”, diz Jeremie.

Mas a busca por novas políticas e uma nova arquitetura tem seu preço. Jacob, detido várias vezes em aeroportos americanos, conta: “Eles disseram que eu sei por que isso ocorre. Depende de quando, eles sempre me dão respostas diferentes. Mas geralmente dão uma resposta, que é a mesma em todas instâncias: ‘porque nós podemos’”.

E provoca: “A censura e vigilância não são problemas de ‘outros lugares’. As pessoas no Ocidente adoram falar sobre como iranianos e chineses e norte-coreanos precisam de anonimato, de liberdade, de todas essas coisas, mas nós não as temos aqui”.


O material foi produzido pelo WikiLeaks em parceria com o canal RT, da Rússia e a publicação e adaptação no Brasil é de responsabilidade da Agência Pública.

O Nota de Rodapé é um dos sites/blogs parceiros da Pública na reprodução dessas entrevistas, 12 no total, que vão ao ar todas às quartas-feiras, às 18h.

Assista a seguir a entrevista em vídeo e com legendas em português ou clique aqui para baixar o texto completo da conversa.

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Maré de dentro

Fábio Caffé, AF Rodrigues, Elisangela Leite e Ratão Diniz. (Foto de Edmilson de Lima)
A cidade do Rio de Janeiro tem uma população de mais de 6 milhões de habitantes. 22% dessas pessoas moram em 700 favelas que apresentam baixos Indíces de Desenvolvimento Humano (IDH). Há quem diga que, na cidade maravilhosa, vive-se sob o império da violência e do crime, pois os números se assemelham aos países em estado de guerra baseado em dados estatísticos de 12 mortes por dia no estado

Sob esse estigma, reforçados dia e noite nos noticiários, os moradores das favelas cariocas trabalham, estudam, festejam, brincam, amam. Mesmo quando a mídia publica uma notícia positiva sobre a favela ou algum morador, a exaltação normalmente reforça os conceitos pré-concebidos sobre quem vive no território geográfico-social da periferia: “ele não era bandido, mas um trabalhador”, surpreende-se o repórter ao falar sobre a chacina que aconteceu na Baixada Fluminense em 2011.

O lamento do jornalista publicado no Observatório de Favelas sobre a morte de um inocente não destaca a violação dos direitos dos moradores, a importância em reduzir a violência policial ou mesmo sugere a aplicação de políticas públicas em prol da valorização da vida. A mídia, por sua vez, sempre espanta-se ao constatar que um morador não tinha passagem pela polícia. Por quê? Do ponto de vista da grande mídia a culpa antecede o crime nas favelas brasileiras.

Na contramão das manchetes diárias o fotógrafo documental João Roberto Ripper afirma que “99% da população das favelas nada tem a ver com o tráfico”. Ele é um dos idealizadores do projeto que em 2013 irá comemorar nove anos de existência: a Escola de Fotógrafos Populares.

Fundada em 2004 e aliada ao Observatório de Favelas, a Escola já formou mais de 200 fotógrafos. Os alunos, que cursam nove meses de disciplinas de comunicação e fotografia, são prioritariamente moradores das comunidades que compõem o Complexo da Maré.

Empunhando câmeras fotográficas, eles clicam uma favela rica em belezas. Se posicionam ao lado dos moradores e mostram o lugar sob um olhar cúmplice. São imagens de afeto e carinho, numa constante descoberta sobre a comunidade em que vivem. Estas fotografias resignificam a favela e renovam o repertório de imagens que se tem sobre ela, retirando assim, nossos olhares da pobreza da informação única.

Preocupados em escoar essa produção fotográfica e continuar acompanhando os ex-alunos da Escola, criou-se o banco de imagens e agência-escola Imagens do Povo. Nesta plataforma online é possível comprar fotos e serviços  composto por seis mil imagens e mais de trinta profissionais de vasto currículo, com exposições e prêmios no exterior, o grupo publicou o primeiro livro neste ano, disponível gratuitamente para download na internet.

O bem-querer de João
Além de mestre e um dos fundadores da Escola de Fotógrafos Populares, João Roberto Ripper é visto também como orquestrador do olhar sob a favela a partir de um conceito que cunhou com a prática: o bem-querer. Conhecido por aliar seu trabalho fotográfico à luta pelos direitos humanos, Ripper busca retratar a beleza das relações mesmo quando ela está submetida a grande injustiça social. Ele mostra a multiplicidade e a riqueza das histórias, saberes e fazeres, contribuindo para a difusão de uma imagem que valorize os grupos com os quais trabalha. Para ele, o fotógrafo deve ser o elo que alimenta a autoestima das comunidades. Professor do time de fotógrafos que compõe o Imagens do Povo, ele ensina a fugir dos esteriótipos e semear o bem.

De babá a fotógrafa:
'Assino Elisangela Leite'


A entrevistada por AF Rodrigues
Elisângela Leite, 37 anos, pernambucana, vive há 15 anos no Rio de Janeiro. Foi aluna de Ripper na turma que se formou em 2007. Elis, como é mais conhecida, foi babá e morava na casa dos patrões em Copacabana. "Assistia a favela pela televisão", diz. Somente aos 22 anos, quando foi viver com a tia na Nova Holanda, ela compreendeu que a Maré era mais complexa e interessante. Abaixo, um bate-papo sobre sua história. Em seguida, um slideshow de imagens de fotógrafos formados na escola, que aparecem reunidos na imagem de abertura desse texto.

Nota de Rodapé – Fale um pouco sobre a tua infância. 
Elisangela Leite Há pouco tempo lembrei que meu pai gostava muito de fotografar. Tem uns quatro ou cinco meses que eu lembrei dessa história: o meu pai vinha em casa de ano em ano, porque ele trabalhava fora em uma usina em Minas Gerais, e sempre fazia várias fotos da gente. O hobby dele era fotografar e escutar música. O meu pai não bebia e não jogava, então gostava dessas coisas. Eu fui buscando saber por que eu gosto de fotografia, porque até pouco tempo eu não gostava. Todas as fotos que eu via eram somente mais uma foto. Até que fiz o curso e comecei a ver o mundo com outros olhos.

NR – Estimulada pelo teu marido?
EL Sim, estimulada pelo A.F Rodrigues. Se não fosse ele, acho que não teria entrado pra Escola de Fotógrafos. Ele me deu o maior apoio.

NR – Tu tem imagens feitas pelo teu pai? 
EL Tinha muitas fotos, mas sabe como é criança, né? A gente rasgava tudo. Hoje em dia sinto a maior falta. Não tenho uma foto que meu pai tenha feito da gente.

Muita gente tem vergonha de dizer que mora na favela. Eu não, aonde for eu falo “eu moro na favela, Favela da Nova Holanda, Maré, conhece?” 
Laço - Elisangela Leite

NR – Me conta mais sobre a tua trajetória. 
EL Eu nasci na Paraíba, mas fui criada em Pernambuco, então me considero pernambucana. Vim para o Rio de Janeiro aos 15 anos e comecei trabalhando como babá. Dos 15 aos 23 anos fui babá. Depois, o garoto cresceu e fui trabalhar numa loteria, que era dos avós dele. Trabalhava na loteria e morava na casa deles. Então, o que eu conhecia de favela dessa época era o que a televisão mostrava. Mesmo tendo a minha tia que morava na Nova Holanda, eu morava em Copacabana. Eu não conhecia nada, só ia lá no final de semana. O que a tevê mostrava era o certo, o verdadeiro. Só mostra violência, né? Não mostra o outro lado. Com 22 anos fui morar com a minha tia, daí entendi o que realmente era a favela. Mas só me senti favelada depois, por meio da fotografia.

NR – Explica pra mim o que significa positivar este termo: favelado. 
EL Se sentir própria daquele espaço, como se você tivesse nascido ali. Se assumir. Muita gente tem vergonha de dizer que mora na favela. Eu não, aonde eu for eu falo “eu moro na favela, Favela da Nova Holanda, Maré, conhece?” Algumas pessoas ficam olhando, mas perguntam logo como é. Daí a gente fala que tem vários projetos, que tem aula de fotografia. A gente tenta mostrar a favela com outros olhos, os olhos além da grande mídia.

Os pescadores que eu fotografei ficam no Parque União, que é uma das dezesseis comunidades da Maré, embaixo da linha vermelha (...) Depois a gente saia pra pescar. Eu ficava ouvindo as histórias deles, nós conversávamos mais que fotografávamos.

NR – Fale mais sobre essa diferença entre o olhar da grande mídia e o olhar dos fotógrafos populares.
EL A grande mídia só entra na favela para mostrar a tragédia. Nós não, estamos ali mostrando o cotidiano, a alegria, a dança, as brincadeiras, as famílias. Ali as pessoas vivem normalmente, estudam, trabalham, fazem faculdade, intercâmbio e elas têm direito a tudo o que a dita cidade tem. A gente tenta mostrar este outro lado, o lado humano das pessoas. É isso que o Ripper nos ensinou. A gente tenta passar isso pra frente. Conversamos com os moradores para eles também se sentirem pertencentes do lugar. Porque muitos não se sentem, ficam com vergonha. Se você não se assumir, quem é que vai te assumir? Quem é que vai te dar valor?
O prêmio - Elisangela Leite

NR – Queria agora que tu me falasse do teu trabalho com os pescadores. Explicando também pra quem não é do Rio, onde eles ficam?
EL Eu comecei a pesquisar estes pescadores por intermédio da Jaqueline Félix, Adriano (AF Rodrigues) e Ratão (Diniz), que são o meus amigos mais próximos. A Jaque, na mesma época em que o Ratão e o Adriano faziam a Escola, trabalhou o tema dos pescadores. Quando eu tive que escolher o meu projeto na Escola fiquei pensando: "vou fotografar o que?" Criança, idoso... “vou voltar lá nos pescadores, eu gostei deles. Vou fotografar a história deles, não quero fotografar eles pescando, mas eles ali no dia a dia, no cotidiano dentro da colônia, costurando a rede, construíndo barcos, consertando barcos”, e esse foi o meu projeto. Os pescadores que eu fotografei ficam no Parque União, que é uma das dezesseis comunidades da Maré, embaixo da linha vermelha. Eu ia pra lá quase todos os dias e ficava batendo papo com eles, alguns já me conheciam, já tinham uma certa confiança e outros eu fui conquistando. Depois a gente saia pra pescar. Eu ficava ouvindo as histórias deles, nós conversávamos mais que fotografávamos. Eu quero voltar lá. Tá faltando tempo.

Natureza em tela - Elisangela Leite
NR – O que eu acho bacana no teu trabalho é que tu surpreende quem vê as fotos. Mostrando a relação da favela com as águas. 
EL O legal das minhas fotos é que você vê a Baía de Guanabara. E você sabe que ela é toda poluída. Mas nas minhas imagens você não vê essa poluição. Eu tentei mostrar o belo, como o Ripper sempre ensinou pra gente “fotografe o melhor, mostre o belo, tente fazer outra imagem, não faça o que todo mundo faz”. Cada vez que eu ia clicar eu pensava no que ele falava. Este era o meu objetivo e ainda é, mesmo hoje trabalhando para um jornal. Eu trabalho pra um jornal comunitário, dentro da Nova Holanda mesmo, o Maré de Notícias. Eu fotografo com esse pensamento. E se alguém não quer ser fotografado eu não insisto. Até ganhar a confiança dele.

NR – E qual é teu próximo projeto? 
EL Continuar com os pescadores. Ainda falta muita coisa, falta registrar outras colônias no entorno da Maré. A z10 de Ramos e a sub-colônia no Pinheiro ainda não fotografei. Eu quero fazer fotos dessas pessoas, quero mostrar a luta deles. Os pescadores estão lutando por essa tradição pesqueira que está morrendo. Os filhos não querem seguir, não dá dinheiro. E eles precisam trabalhar em outras coisas, uns são pedreiros, outros costuram redes pra ganhar um trocado e tentam pescar mais longe da baía, em alto mar. Isso quando conseguem um barco grande. O que eles mais fazem é passeio turístico nos finais de semana. É assim que eles sobrevivem. Eu gostaria muito de divulgar mais esse trabalho em prol deles.

 Imagens dos fotógrafos da Agência-Escola Imagens do Povo



Ana Mendes, gaúcha de nascimento, é fotógrafa e cineasta documental formada em Ciências Sociais. Mantém a coluna mensal Faço Foto e é curadora da coluna Coisa Íntima, autorretratos por fotógrafos profissionais e amadores publicada aos domingos neste espaço. 

terça-feira, 27 de novembro de 2012

O pior da democracia é a liberdade aparente

Aos amigos, colegas de blog e queridos leitores quero deixar para seu deleite e reflexão esses versos de Fernando Pessoa, escritos sob o heterônimo Álvaro de Campos, um dos mais belos poemas que conheço.

Enquanto isso, como o final de ano se aproxima, aproveito para tirar férias dos meus artigos e colunas, desejando a todos um auspicioso 2013, se a prepotência e a intolerância da direita israelense, a indústria de guerra norte americana e a ignomínia do STF brasileiro deixarem...

POEMA EM LINHA RETA

Nunca conheci quem tivesse levado porrada.

Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,

Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,

Indesculpavelmente sujo.

Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,

Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,

Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,

Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,

Que tenho sofrido enxovalhos e calado,

Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;

Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,

Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,

Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,

Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado

Para fora da possibilidade do soco;

Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo

Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,

Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Quem me dera ouvir de alguém a voz humana

Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;

Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!

Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.

Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?

Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!

Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,

Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!

E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,

Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?

Eu, que venho sido vil, literalmente vil,

Vil no sentido mesquinho e infame da vileza.


Izaías Almada, escritor e dramaturgo, mantém a coluna mensal Pensando Alto

segunda-feira, 26 de novembro de 2012

NR finalista do Top Blog 2012

A notícia chegou ontem: NR está na final do Prêmio Top Blog Brasil 2012.

Graças a vocês que votaram, estamos entre os três finalistas do concurso nacional pelo júri popular (os internautas), categoria Notícias e Cotidiano.

Obrigado a todos que votaram nesse espaço colaborativo de jornalismo e arte, que é mídia livre tocada com muita dedicação e compromisso pelo time de colunistas e colaboradores - é deles o maior mérito e de vocês, caros leitores, vem o nosso maior incentivo.

O resultado final será conhecido no dia 26 de janeiro de 2013, em cerimônia na cidade de São Paulo.

Agora é esperar e torcer.

Vamos em frente!

Thiago Domenici, editor e coordenador do NR

Lembrança de uma lembrança

Passou tanto tempo que

já não me lembro de como eram tuas mãos,

embora me recorde, perfeitamente, que eram lindas;

E agora tenho medo de que ao voltar a vê-las

elas já não me pareçam tão encantadoras.

Se isso acontecer, saberei que

não foram elas que mudaram, mas eu
H.M.S, em “Cartas Inéditas”

“Se olho para trás e tento recordar os acontecimentos que vivi, os passos que me trouxeram até aqui, nunca estou completamente seguro de se estou rememorando ou inventando (…) O que já aconteceu e o que está por vir, na minha cabeça, são apenas conjecturas”, escreveu o colombiano Héctor Abad Faciolince em seu livro “Traiciones de la Memoria”.

Faciolince tem total razão: a memória é ficção, talvez a maior e mais bem construída de todas. E está viva. E é mutável. (As lembranças que tenho hoje da minha infância são diferentes das de dez anos atrás, e em dez anos seguramente serão outras.)

No filme “O segredo dos seus olhos”, o jovem viúvo que teve a mulher assassinada lamenta que, passado um ano da morte, começa a se esquecer de como era sua esposa. “Tenho que fazer esforço para recordar dela todo dia, dia e noite”. E comenta que já não se lembra se o último chá que ela lhe preparou era com limão ou com mel. “Então começo a duvidar, e já não sei se isso que vai ficando é uma recordação ou a recordação de uma recordação”, sentencia.

Se a vida é o original, a memória é a cópia, diz Faciolince. E agora divago eu: só que a cópia vai perdendo a cor, sofre a ação do tempo, amarela, fica menos nítida, e não raro perde mesmo algumas folhas. É preciso então fazer nova cópia, que não é feita a partir do original (porque esse já não se sabe onde está), mas da cópia. Até que chega um tempo em que a sucessão das cópias faz com que reste bem pouco do conteúdo daquela matriz. A recordação da recordação vira uma cópia bem pouco precisa do original.

Ainda assim e mesmo sabendo que seremos um dia vencidos, lutamos contra o esquecimento. Tratamos de preencher os vazios da memória com a ficção. Romantizamos, distorcemos, criamos, mentimos a nós mesmos, e assim construímos o que somos. “Ya somos el olvido que seremos”, dizia o poema de Borges achado no bolso da jaqueta do pai de Faciolince no dia em que foi assassinado. Vinte anos depois, o escritor contou a história do seu pai e a desse poema, e diz que o fez para que ela não caísse no esquecimento.

Ricardo Viel, jornalista, escreve de Lisboa, Portugal

domingo, 25 de novembro de 2012

Coisa Íntima # 341

Série Coisa Íntima
Autorretratos por fotógrafos profissionais e amadores.
Participe, saiba + 

“Tirar a própria fotografia é a terceira coisa mais íntima que uma pessoa pode fazer com ela mesma, depois da masturbação e do suicídio”. 





Título: 341
Autor:
Pedro Mox
Descrição:  341 to abbotsford avenue
Data: Junho de 2011

sexta-feira, 23 de novembro de 2012

Capoeira, o corpo pensa

O mês de novembro é bastante significativo para pensarmos os rumos das relações de poder dentro da nossa sociedade por dois motivos: o primeiro, por conta do dia da Consciência Negra. O segundo, por se comemorar hoje o nascimento de Manoel dos Reis Machado, o famoso mestre Bimba, grande propulsor da capoeira no Brasil, manifestação cultural que pode ser considerada a expressão da ironia do negro no país.

Há mais de quinze anos, me dedico a esse ritual de jogar capoeira e reconheço que um dos grandes falseamentos do homem moderno é o desprezo pelo corpo e a hipervalorização do pensamento e da consciência.

O que isso significa? Basta olharmos para os templos da atualidade – as academias – para nos depararmos com legiões de corpos hiperestimulados, num verdadeiro culto à forma física.

A questão a ser discutida aqui, caro leitor, é justamente essa “forma”. Na verdade, não valorizamos o corpo em si, mas sim uma ideia de forma corporal. Um padrão idealizado e imposto por uma cultura que despreza o risco, a vulnerabilidade, o que envelhece e tudo aquilo que nos remete a nossa humanidade.

Como educador físico, eu faria um esforço para convencê-los de que o esporte ocidental – onde incluo as atividades em academias – se caracteriza por um conjunto de técnicas que levarão o praticante a desenvolver capacidades físicas e um corpo quase invencível, forte, flexível, belo, com uma boa postura e um ótimo tônus muscular.

O corpo na capoeira é um corpo que se assumi emocional, pulsional e falível. Já dizia a velha cantiga: “na vida se cai se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.

O problema nessa concepção, na visão de Muniz Sodré, por exemplo, é que ela “mantém a separação entre corpo e espírito, ambos em uma mútua relação agressiva.” Sodré diz ainda que a institucionalização do esporte “termina imbuído do mesmo espírito competitivo vigente nas relações de produção dominantes”.

Como capoeirista afirmo: antes de ser um esporte, a capoeira sempre foi jogo, ou seja, linguagem não conceitual de gestos, imagens e cantos, onde o corpo ganha centralidade. Mas que corpo é esse? Qual é a diferença?

O corpo na capoeira é um corpo que se assume emocional, pulsional e falível. Já dizia a velha cantiga: “na vida se cai, se leva rasteira, quem nunca caiu não é capoeira”.

Um bom capoeira assume o risco como condição primeira de um bom jogo e joga com, nunca contra. Uma das características fundamentais do jogo é o diálogo, expressão corporal simbólica da dor, da alegria, da agressividade, da sensualidade, do ataque, da defesa, do encontro.

Na capoeira não há tempo para a dualidade corpo/mente, nela o movimento se torna pensamento em ação e o pensamento é já uma ação em movimento. Mestre Camisa, do alto de sua sabedoria, brinca: “na capoeira não pode pensar para dar o golpe e nem dar o golpe sem pensar”.

A capoeira pode ser vivenciada como uma forma autêntica de exercício em busca da liberdade, onde os elementos de criatividade artística, o improviso, a surpresa e a malícia são ingredientes fundamentais. É um jogo de desequilíbrio e de desconstrução dos rígidos padrões corporais ocidentais, padrões esses que engessam o corpo em formas vendidas por uma sociedade mercadológica.

Enfim, jogar capoeira pode ser considerado uma ação eminentemente política. Axé!


Alexandre Luzzi, Professor de Educação Física, capoeirista, coordena o espaço Tai Ken, especial para o Nota de Rodapé. Ilustração de Caco Bressane, especial para o texto. 

Moto contínuo

Das pessoas que moram no meu coração, duas estão grávidas. Esta continuação da vida, que não deixa as misérias humanas dominarem tudo, sempre me comove. Já imaginou o que seria de nós se soubéssemos que não haveria mais bebês, que a vida humana acabaria na nossa geração?

Meus dois filhos nasceram há mais de duas décadas – e, antes que se arme alguma confusão, esses bebês do momento não estão vindo deles. Mesmo não sendo das mais nostálgicas, há anos sinto que a infância dos meus filhos, que, enquanto acontecia, com toda a proverbial intensidade, exigiu de mim o que já se sabe que exige, durou uns cinco minutos. Foi tão rápido, no meio de tanta coisa, e numa idade minha tão borbulhante, que quando eu me dei conta, já havia acabado.

Deixou um gosto de coisa boa, de baião-de-dois bem temperado, com um toque de pimenta malagueta, delícia total. Eles fizeram de mim uma pessoa melhor, com o perdão do clichê. Porque eu sinto que virei gente grande de verdade quando percebi que trazia em algum lugar uma reserva de energia até então desconhecida, essencial para driblar a exaustão completa, frequente na ralação da mãe-que-trabalha-muito-e-viaja. E quando, por causa deles, tive que exercitar intensivamente a superação de limites, a tolerância, a compreensão e o acolhimento. Acompanhava-me alguém muito especial, com quem compartilhei a travessia do oceano desconhecido, durante a qual aquelas crianças viraram adultos.

Espero com comovida expectativa os dois bebês a caminho desse mundão besta, que estamos dando conta de estragar bem, mas que tem música, passarinhos, macarrão e livros. Como não dá pra guardá-los no armário, vamos ter que contar pra eles que, misturadas com a beleza, o afeto e a harmonia, os humanos sabem fazer coisas terríveis. Vamos ajudá-los a absorver as novidades e se ajustar ao programado pra eles, que já é um bocado de coisa, tentando não esquecer que eles poderão fazer aquilo que quiserem com o que estaremos oferecendo. Nessa troca inigualável, que dá sentido ao momento presente, o frescor e a energia deles nos abastecerão para o futuro.



Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

quinta-feira, 22 de novembro de 2012

A guerra virtual

Na oitava entrevista da série "O mundo Amanhã", o fundador do WikiLeaks, Julian Assange se junta aos seus companheiros de armas, os criptopunks, virtuosos cyberativistas que lutam pela paz na internet. E avisam: não haverá paz sem liberdade.

“Uma guerra invisível e frenética pelo futuro da sociedade está em andamento. De um lado, uma rede de governos e corporações vasculham tudo o que fazemos. Do outro lado, os Criptopunks, desenvolvedores que também moldam políticas públicas dedicadas a manter a privacidade de seus dados pessoais na web. É esse o movimento que gerou o WikiLeaks”, diz Julian Assange, na introdução da oitava entrevista da série World Tomorrow. 

Dividida em duas partes, a entrevista traz Assange reunido com seus companheiros Andy Muller Maguhn, Jeremie Zimmerman e Jacob Appelbaum, cyberativistas que lutam pela liberdade na internet. “É só olhar o Google. O Google sabe, se você é um usuário padrão do Google, o Google sabe com quem você se comunica, quem você conhece, do que você pesquisa, potencialmente sua orientação sexual, sua religião e pensamento filosófico mais que sua mãe e talvez mais que você mesmo”, fala Jeremie.

No bate-papo, eles conversam sobre os desafios técnicos colocados pelo furto do governo a dados pessoais, a importância do ativismo na web e a democratização da tecnologia de criptografia. “A força da autoridade é derivada da violência. As pessoas deveriam conhecer criptografia. Nenhuma quantidade de violência resolverá um problema matemático. 

E esta é a chave-mestra. Não significa que você não pode ser torturado, não significa que eles não podem tentar grampear sua casa ou te sabotar de alguma forma, mas se eles acharem alguma mensagem criptografada, não importa se eles têm força de autoridade. Por trás de tudo que eles fazem, eles não podem resolver um problema matemático”, sentencia Jacob. Na entrevista, os criptopunks avisam: para se ter paz na internet, é preciso haver liberdade. Ou a guerra vai continuar".

O material foi produzido pelo WikiLeaks em parceria com o canal RT, da Rússia e a publicação e adaptação no Brasil é de responsabilidade da Agência Pública.

O Nota de Rodapé é um dos sites/blogs parceiros da Pública na reprodução dessas entrevistas, 12 no total, que vão ao ar todas às quartas-feiras, às 18h.

Assista a seguir a entrevista em vídeo e com legendas em português ou clique aqui para baixar o texto completo da conversa.

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Paulinho da Viola, a nobreza do samba chegou aos 70


Elegância: distinção de porte, de maneiras, graça, encanto, bom gosto, gentileza, amabilidade, delicadeza de expressão, cortesia. Fineza: suavidade, primor, perfeição. Altivez: nobreza, elevação, brio. Nobreza: excelência, dignidade. Garbo: elegância, distinção, primor. Galhardia: grandeza de alma, valor, bravura. Delicadeza: sensibilidade, finura, esmero, sutileza.

Tais qualidades podem ser personalizadas em um cidadão brasileiro, artista do mais alto quilate, gênio da música e representante maior da elegância dentro da cultura popular brasileira: Paulo César Batista de Faria, eternizado nos anais da musicografia brasileira como Paulinho da Viola.

Paulinho completou 70 anos no último dia 12 de novembro. Seu reconhecimento, por parte dos sambistas, vem de longa data. Em 1973, Batatinha o celebrou com a composição “Ministro do samba”, no disco “Samba da Bahia”, onde canta: “O samba bem merecia ter ministério algum dia / Então seria ministro Paulo César Batista Faria”.

Um ano depois, a Velha Guarda da Portela registrou a louvação “De Paulo da Portela a Paulinho da Viola”, de Francisco Santana e Monarco, no álbum “História das Escolas de Samba - Portela”. Eram os portelenses da antiga, reconhecendo nele a grandiosidade dos mestres do passado nos versos: “Antigamente era Paulo da Portela / Agora é Paulinho da Viola / Paulo da Portela, nosso professor / Paulinho da Viola, o seu sucessor / Vejam que coisa tão bela / O passado e o presente da nossa querida Portela”. Paulinho da Viola tinha seus 30 e poucos anos, mas já era festejado como bamba.

Se jovem, já era um gigante, aos 70 é um monstro sagrado de nosso cancioneiro. E, assim como recaem sobre ele todas estas virtudes citadas acima, simbolizando nessa figura humana a própria simplicidade, Paulinho reúne, em si, tantos adjetivos, que fazem com que ele seja, ao mesmo tempo, o Paulinho da Viola sambista, chorão, instrumentista, compositor, intérprete e portelense. Paulinho da Viola, herdeiro e feitor das tradições. Chama viva do samba, que bebe do passado para recriar o presente, legando ao futuro novas raízes, autenticidades e tradições.

Paulinho da Viola,
o herdeiro das tradições
.

A música brasileira, pelo choro e pelo samba, penetra a alma de Paulinho desde o berço. Seu pai, César Faria foi um dos mais destacados violonistas brasileiros. Em sua casa, frequentavam nomes como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, Radamés Gnattali, Dino, Meira, entre outros.

Ainda criança, já admirava a riqueza das melodias que eram emanadas por plangentes violões, cavaquinhos e bandolins, passando a frequentar, na adolescência, os célebres saraus que Jacob do Bandolim promovia em sua casa. Quietinho, no canto da sala, aprendia – ouvido atencioso – com os mestres.

Paulinho sempre foi grato com aqueles que o ensinaram a nobreza do choro e do samba. Seu pai foi um fiel acompanhante em seus discos e apresentações, tocando com ele até a morte, em 2007, aos 88 anos. Para Radamés Gnattali, compôs o choro “Sarau para Radamés”, sendo, depois, retribuído por ele com a composição “Obrigado, Paulinho”.

Paulinho da Viola,
o instrumentista
.

De tanto ver o pai tocar, Paulinho resolveu seguir as pegadas musicais que vinham dos laços de sangue e, com 15 anos, iniciou-se na nobre arte do violão. Sem paciência para ensiná-lo, Cesar Faria indicou o amigo Zé Maria para a missão e este o fez com dedicação, instruindo-o com o método de Mateo Carcassi, da escola espanhola de Francisco Tarrega.

Paralelamente, aprendeu o ofício do cavaquinho, tocando, no início, com afinação de bandolim.

Ao longo de sua carreira, Paulinho da Viola tocou os dois instrumentos em seus discos e apresentações, ora fazendo o “centro”, ora solando os choros que compunha e que, eventualmente, gravava em seus álbuns.

Paulinho da Viola,
o chorão
.

Reconhecido como um dos maiores sambistas da história, Paulo César Batista de Faria é, também, um exímio chorão, tanto como compositor quanto como solista. Em seus discos de samba, registrou poucas peças instrumentais, como “Abraçando Chico Soares”, gravado em 1971, “Choro Negro” (1973) e o já citado “Sarau para Radamés” (1978).

Em 1976, no entanto, dedicou um álbum inteiro ao gênero que aprendeu a amar e cultivar desde a tenra infância. “Memórias Chorando” foi lançado paralelamente ao disco “Memórias Cantando” e apresentou o cavaquinista e violonista interpretando seis choros de sua autoria, ao lado de outros quatro de Pixinguinha e um de Ary Barroso.

Paulinho da Viola,
o compositor de letras e melodias
.

Muitos compositores se consagram como criadores de linhas melódicas. Outros tantos, cravam o nome na história da música brasileira como requintados letristas. Paulinho da Viola transita pelas duas artes com desenvoltura. Ele compõe sozinho – criando música e poesia – e também atua com destaque como melodista e letrista em criações conjuntas com outros compositores.

Com Elton Medeiros, travou uma fértil parceria e escreveu letras para melodias inspiradas, que viriam a se tornar sambas clássicos de seu repertório, como “Recomeçar” e “Onde a dor não tem razão”. Por outro lado, também sabe, como poucos, criar melodias para poesias, tendo em “Sei lá, Mangueira” – versos originalmente cunhados por Hermínio Bello de Carvalho – o exemplo de maior destaque.

Paulinho da Viola,
o intérprete
.

Com a mesma elegância que compõe e que interpreta, ao cavaquinho e ao violão, seus sambas e choros, Paulinho da Viola também canta composições de outros sambistas.

Em seus discos, celebrou os bambas da Era de Ouro do Rádio, como Wilson Batista, Noel Rosa e Lupicínio Rodrigues; cantou Cartola e Nelson Cavaquinho; homenageou os sambistas da Portela, como Casquinha, Monarco, Francisco Santana, Mijinha, Alberto Lonato e Candeia e exaltou os compositores de Botafogo, seu bairro, como Mauro Duarte e Walter Alfaiate. Sua voz doce e macia e sua interpretação graciosa engalanam ainda mais as belas criações destes grandes baluartes.

Paulinho da Viola,
o portelense
.

Em 1964, levado pelas mãos de seu primo, Oscar Bigode, Paulinho da Viola ingressou na Portela. Lá chegando, foi intimado pelos compositores locais, verdadeiras entidades do samba, a mostrar uma composição de sua autoria. Tímido, cantou um samba curto, de apenas uma parte. Casquinha, um grande improvisador, na mesma hora, completou a criação. Nascia ali, o samba “Recado”, cartão de visitas do jovem compositor na tradicional Escola de Samba de Oswaldo Cruz.

Dois anos depois, já devidamente estabelecido na Ala de Compositores, compôs o samba-enredo “Memórias de um Sargento de Milícias”, que levou a Portela ao título no Carnaval carioca.

Paulinho da Viola havia encontrado seu lugar. Era ali, no meio daqueles bambas. Uma Escola de Samba que reunia nomes como Alvaiade, Manacéa, Mijinha, Alcides Lopes, Antônio Caetano, Aniceto, Monarco, Armando Santos, Chico Santana, Alberto Lonato, Ventura, João da Gente, entre outros compositores de valor. Em 1970, reuniu estes sambistas históricos e os levou para o estúdio pela primeira vez. Nascia a Velha Guarda da Portela, conjunto que representa o samba em sua forma mais pura e autêntica. Como forma de gratidão, tornou-se padrinho deles – com apenas 30 anos de idade incompletos.

Paulinho da Viola,
a fonte de inspiração
.

O último disco lançado por Paulinho da Viola com composições inéditas, “Bebadosamba”, foi lançado há 16 anos. Apesar disso, ano após ano, só cresce a admiração pelo bamba, por parte de sambistas de todas as gerações.

Três dias após completar 70 anos, compareceu a uma homenagem a Casquinha, seu primeiro parceiro na Portela, prestada por sambistas de todo o Brasil, realizada na sede antiga da Escola de Samba. Foi muito festejado pelos presentes. Dois dias depois, apresentou-se ao lado da Velha Guarda da Portela em Madureira, com entrada gratuita. Paulinho da Viola sabe como retribuir aos fãs a admiração emanada por eles ao longo destas quase quatro décadas de carreira.

Para 2013, está previsto o relançamento, pela gravadora EMI, de seus onze álbuns lançados pela extinta Odeon. No carnaval, estará à frente, pela segunda vez, do bloco Timoneiros da Viola, cujo tema será o “Rosa de Ouro”, espetáculo idealizado por Hermínio Bello de Carvalho, em 1965, onde um jovem Paulinho deu seus primeiros passos como profissional, atuando ao lado de Clementina de Jesus, Aracy Côrtes, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Elton Medeiros e Nelson Sargento – estes últimos dois estarão presentes no desfile.

Paulinho da Viola segue fazendo história. Pensando no futuro, mas não esquecendo seu passado. Moldando a tradição com o tempo, trata o samba com o respeito e a elegância que ele merece, pois bebeu de sua chama e assim a mantém viva.

Memórias Chorando:



Memórias Cantando:




André Carvalho, jornalista, mantém a coluna mensal Batucando, sobre samba, a ser publicada sempre na terceira quarta-feira do mês. Ilustração de Kelvin Koubik, colunista do NR, é artista visual e músico de Porto Alegre

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Brasil vs Portugal (ou por que tanto desprezo?)

 Foi há muito tempo, mas parece que foi ontem de tarde que os portugueses chegaram ao Brasil. Nós – brasileiros e portugueses – continuamos nos tratando com uma terrível mistura de desprezo e desconhecimento em relação ao outro.

Aqui em Portugal, a imagem – que a Rede Globo ajudou a construir (melhor, destruir) – que se tem dos brasileiros é a de que não somos “gente séria”. As mulheres, em sua maioria, são putas, e os homens, promíscuos. Preferível que a filha tenha um tumor a um namorado brasileiro (porque o tumor, com alguma sorte, é benigno).

E do lado de lá (digo, daí), olha-se para os portugueses com a miopia que já tanto conhecemos: são ignorantes, burros, atrasados e passam o dia escutando fado e comendo bacalhau (para não falar das mulheres de bigode e dos donos de padaria chamados Joaquim e Manuel).

Desde que o primeiro português aportou na costa brasileira esse muro feito de desprezo e essa ignorância foi, com extrema eficiência, sendo construído (e de ambos os lados). E quando você se depara com alguém de 25 anos, que já não vive em uma aldeia, que tem acesso a informação e possibilidade de conhecer o mundo, e que reproduz o discurso de sempre, percebe que, 500 anos depois, nos comportamos ainda como se nunca tivéssemos nos conhecido (talvez porque, de fato, não nos conhecemos).

Hamilton de Holanda
Mas há, ainda há, alguma esperança. E ela vem não das instituições, dos governos, das academias de letras ou institutos de línguas, vem dos artistas, dos intelectuais, dos que com sua arte provam que não será um acordo ortográfico que nos aproximará, pois já falamos a mesma língua – o problema é que nos recusamos a qualquer tipo de diálogo.

Falo de gente como Hamilton de Holanda, que na sexta-feira passada fez um show estrondoso aqui em Lisboa. Em mais de uma hora de música, e apenas meia dúzia de palavras. E não foi preciso mais. Chamou ao palco músicos portugueses, tocou canções de cá e de lá, e demonstrou que o remédio contra o preconceito é a arte.

Espero que o Brasil se permita conhecer figuras como a fadista Carminho e o fadista Camané, o poeta José Luis Peixoto e o escritor Valter Hugo Mãe, que seguramente ajudarão, com sua produção, a desconstruir essa barreira que nos separa. E espero que do lado de cá eles também joguem no lixo os rótulos e se abram para escutar-nos – e assim poderão apreciar coisas sublimes como o bandolim de Hamilton de Holanda.

Nota: sobre o tema, recomendo a leitura da "Carta Aberta ao Brasil" de José Luis Peixoto, e um texto que Miguel G. Mendes escreveu para O Globo.

Ricardo Viel, colunista do NR,  escreve de Lisboa, Portugal

domingo, 18 de novembro de 2012

Coisa Íntima # Fulana e eu

Série Coisa Íntima
Autorretratos por fotógrafos profissionais e amadores.
Participe, saiba + 

“Tirar a própria fotografia é a terceira coisa mais íntima que uma pessoa pode fazer com ela mesma, depois da masturbação e do suicídio”.

[clique para ampliar]


Título: Fulana e eu
Autor:
Daisy Schio
Descrição:  Fulana, a cadela Lhasa Apso resume, em minha vida, o amor que um humano pode nutrir por seu bicho de estimação. O companheirismo e a vivência do dia-a-dia. Um caminho trilhado a dois, o humano e o cão.
Data: 2012

sábado, 17 de novembro de 2012

Quadrinho_Confete

Fernando Carvall, mais em www.estudiosaci.com.br

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

“Saramago me ensinou que não há tempo a perder”

Nesta sexta-feira, dia 16 de novembro, o escritor português José Saramago completaria 90 anos. Morto em 2010, o único Nobel da língua portuguesa será homenageado em vários cantos do mundo, entre eles o Brasil. Em São Paulo, no teatro Eva Herz, no Conjunto Nacional, haverá a exibição de cinco horas de imagens inéditas do documentário José e Pilar (2010). O realizador português Miguel Gonçalves Mendes, 34 anos, responsável pelo filme que conta a vida de Saramago e sua esposa, estará presente na homenagem ao escritor.

Atualmente residente no Brasil, onde desenvolve um projeto com Fernando Meirelles e trabalha na sequencia da série “Nada Tenho de Meu” (exibida pelo Canal Brasil), Miguel conversou com o NR sobre a experiência de ter convivido por quatro anos com o autor de Ensaio Sobre a Cegueira. Diz que ter passado esse período ao lado de Saramago e Pilar del Río mudou sua maneira de encarar a vida.

Nota de Rodapé No documentário que você fez fica evidente que Saramago era quase um "pop-star". Era idolatrado por onde passava. Por que acha que ele atingiu esse status tão raro para um escritor, ainda mais de língua portuguesa?
Miguel Gonçalves Mendes Acho que por várias razões. Primeiro, porque Saramago é um dos autores que mais pode ser reconhecido nos seus livros. Ou seja, o narrador e muitas vezes a trama mesmo são o próprio Saramago ou a sua visão do mundo. Por outro lado ele nunca se demitiu de agir. Como ele dizia, o trabalho de um escritor é obviamente escrever, mas também intervir na sociedade. Penso que Saramago várias vezes deu voz àqueles que não a tem. E por último, e talvez o principal, a qualidade incrível da sua obra que, exatamente por isso, é universal.

Nota de Rodapé – Portugal, e a Europa como um todo atravessam hoje uma crise profunda, e não parece haver saída. Saramago era um intelectual que não se furtava de opinar, alertar e convocar as pessoas a se rebelarem. Faltam intelectuais como ele em um momento como esse?
MGM Penso que não faltam intelectuais, o que falta é que estes mesmos intelectuais não tenham medo. Assumam e lutem pelas suas condições. Nenhum ser humano se pode demitir das suas obrigações enquanto cidadão, algo que muitas vezes esquecemos. E a nossa obrigação base é contribuir para o bem comum. O que se passa na Europa é exatamente o oposto: o fim da solidariedade, o fim do respeito, o fim da crença no outro e o inicio de um discurso xenófobo e racista. Ora, ninguém no seu perfeito juízo lutara para defender esta Europa, e o que é lamentável é que se ponha em causa um dos projetos mais utópicos e bonitos da civilização ocidental. Países que reconheciam necessitar dos outros para melhorar o bem estar de todos...

NR – Vejo as pessoas muito desesperançadas e resignadas aqui na Europa. Há um fatalismo rondando a cabeça de todos, não há?
MGM O que é triste é que não sabemos o que se seguirá e talvez o que segue sejam bem pior para todos. E quando digo todos, refiro-me ao mundo. Bem ou mal a Europa era um farol no que toca aos direitos pelos quais toda a humanidade lutou e o seu fim só poderá ser ruim para todos nós.

NR – Você conviveu quatro anos com Saramago, conheceu sua intimidade e acabou por tornar-se amigo dele. Além do documentário, o que guardou desse período?
MGM Eu agradeço à vida por ter-me dado a possibilidade de conhecer uma mente brilhante como a de Saramago e poder construir uma relação de amizade com ele. O meu objetivo na vida é sentir que a vivo de uma forma plena, e tê-los conhecido (Saramago e Pilar) contribuiu em muito para atingir esse meu objetivo. Tê-los conhecido mudou efetivamente a minha vida, e fez-me perceber que não há tempo a perder. Esta é a única oportunidade que nós temos e como tal não podemos perder tempo a chorar ou a dizer que o mundo é horrível. Se é horrível é levantar as mangas e mudá-lo. Como Saramago dizia: não tenhas pressa e não percas tempo.

Miguel Gonçalves Mendes lançou recentemente, pela Companhia das Letras, um livro de entrevistas com Saramago e Pilar del Río.

Ricardo Viel, colunista do NR,  também publica hoje no Valor Econômico um especial sobre os 90 anos do escritor português.

A noviça rebelde e o paraíso racial*

Em 1994, Nelson Mandela tornou-se o primeiro Presidente negro da África do Sul, na culminância de uma biografia e um processo político que fazem dele, na minha opinião, o grande herói do nosso tempo. Não muito depois, o racismo e a desigualdade racial, sempre camuflados no Brasil, foram pela primeira vez reconhecidos por um Presidente da República, num pronunciamento oficial. Lembro-me do impacto que me causou ver e ouvir Fernando Henrique Cardoso dizer que o Brasil tinha uma dívida histórica com os negros, e que precisava tomar medidas importantes para começar a saldá-la.

O mandato de Mandela ia pela metade quando participei de um grande evento internacional em Salzburg, Áustria (num lugar onde eu me sentia dentro de “A noviça rebelde”, pronta pra encontrar Julie Andrews cantando no jardim). Estavam ali umas trezentas pessoas, de muitos países, sendo eu a única brasileira, para discutir estratégias de desenvolvimento durante cinco dias.

Como acontece frequentemente em reuniões desse tipo, as sessões de trabalho eram longas e burocráticas. Em bom brasileiro, um tédio. Era nos intervalos que as conversas e intercâmbios de fato aconteciam, e onde melhor se cumpriam os objetivos do seminário – o que também é muito frequente. É que as pessoas fazem muito enquanto conversam, mas acham que trabalhar “a sério” é colocar todo mundo dentro de uma sala escura e refrigerada e despejar sobre elas um falatório do qual praticamente nada se aproveita de verdade, e pouco fica registrado na memória individual. Mas aquele papo que rola no corredor, no almoço, no jardim, esse move as engrenagens.
O que mais me impressiona é a negação persistente do racismo, enquanto ele é incessantemente praticado, assim como a disseminada incapacidade de entender que a superação da discriminação e da desigualdade é boa para todos, e de maneira nenhuma implica favores descabidos. Aliás, a igualdade está na lei, o que mais custa é trazê-la para a vida.
Bom, então, as refeições eram todas feitas num grande salão, em mesas de doze lugares. Num determinado jantar, sentaram-se ao meu lado dois sul-africanos brancos. Como era de se esperar, Mandela e a extinção do odioso sistema do “apartheid” viraram o centro da conversa, até que alguém lhes fez a pergunta crucial: “como o seu país vai fazer pra superar o racismo?” De forma quase coordenada, eles responderam: “há vários caminhos e modelos, mas nós queremos que a referência seja o Brasil, onde se desenvolveu uma sociedade na qual não existem diferenças raciais”.

Eu quase caí da cadeira. Virei-me para o grupo e, declarando-me brasileira, comecei a falar sobre a extensão e profundidade da discriminação em nosso país, de como vinha sendo velada e negada desde sempre, mas que finalmente, poucos meses antes, fora pela primeira vez nomeada ao mais alto nível, sem eufemismos e sem panos quentes, e como era importante que a sociedade brasileira acordasse para o assunto e realmente começasse a agir no sentido de eliminá-la. Falei da luta incansável dos movimentos negros organizados e das dificuldades de combater um inimigo “inexistente”. E que, por favor, a África do Sul buscasse outro modelo, porque essa “democracia racial” era uma mentira completa.

Quando fiz uma pausa, todos me olhavam como se eu fosse um ET. Estavam chocados, mas curiosos, e começaram a fazer perguntas. A conversa se estendeu por mais umas duas horas.

Passaram-se vários anos desde esse episódio. Muita coisa já mudou, graças principalmente aos movimentos organizados e a iniciativas governamentais, sempre enfrentando muitas dificuldades. Aqui, não foi preciso um “apartheid” na lei para que os lugares dos negros fossem muito bem demarcados. O débito brasileiro nesta área ainda é enorme, mas poucos se dispõem a pagar o preço.

O que mais me impressiona é a negação persistente do racismo, enquanto ele é incessantemente praticado, assim como a disseminada incapacidade de entender que a superação da discriminação e da desigualdade é boa para todos, e de maneira nenhuma implica favores descabidos. Aliás, a igualdade está na lei, o que mais custa é trazê-la para a vida.

Esta não pode ser uma luta restrita aos negros ou outros grupos discriminados. É indispensável o engajamento dos brancos e de todas as pessoas que prezam a democracia e a igualdade como valores essenciais. O multiculturalismo é uma das características brasileiras mais apreciadas em todo o mundo. Nos últimos anos, estamos fazendo bonito em outras áreas também, e atraindo muita admiração e respeito.
Seríamos definitivamente irresistíveis se pudéssemos exibir, com muito orgulho, uma verdadeira democracia racial. Não aquela que é sem nunca ter sido, e que, se os sul-africanos tivessem copiado (será que realmente o cogitaram?), hoje teriam algo bem parecido com o que havia antes, mas sem nome.

*Este texto contou com a valiosa contribuição de Ana Carolina Querino. 

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR. + Textos da autora.

quinta-feira, 15 de novembro de 2012

Libelu

Sou filha de um comunista de carteirinha. Passei a infância e adolescência aprendendo a admirar a União Soviética e Cuba. Antes de dar meu primeiro beijo de língua, eu já sabia quem tinham sido Vladimir Lenin e Alexandra Kollontai.

Meu pai acreditava que uma vez derrubada a ditadura de 1964 e instaurada a democracia, o PCB – Partido Comunista Brasileiro- retornaria à legalidade. Quando isso ocorresse, o Partidão conquistaria o coração do povo.

Pois aconteceu que, no final da década de 1970, eu entrei na Escola de Comunicações e Artes, da USP. Logo no primeiro dia, na recepção aos calouros, fui conquistada pelos veteranos do Centro Acadêmico. Todos da Liberdade e Luta, mais tarde chamados de os libelus.

Nessa época o movimento estudantil punha as manguinhas de fora, deixando as salas de aula para se arriscar em atos públicos e passeadas pela ruas de Sampa. Foi a época de ouro das tendências estudantis. Havia a Liberdade e Luta, a Refazendo, a Travessia, a Caminhando, entre outras.

Como entrei na ECA, me tornei libelu. Hoje tenho certeza que se tivesse entrado na História e Geografia teria me tornado Refazendo. Era assim que funcionava para a maioria. Você não escolhia a tendência. Os centros acadêmicos chegavam em você.

Vamos ao conflito: a Liberdade e Luta se denominava trotskista e minha tradição familiar era stalinista. Para quem não lembra: o camarada Trotsky e o camarada Stalin se odiavam de morte. Sendo o primeiro considerado um mártir e este último um feroz ditador.

De repente aquela garotada linda, criativa, leve e solta punha o dedo na cara de comunistas como o meu pai. O dedo dizia: "Vocês são os traidores da causa operária-camponesa. Enquanto nós somos os legítimos defensores dos pobres e oprimidos."

Apesar do choque fiquei ao lado dos meus novos amigos, é claro. Verdade que os militantes da Libilu nada tinham de operários, ou de camponeses. A maior parte morava em casas confortáveis e vivia de mesadas bem burguesas.

Eles tinham uma vida muito mais folgada do que a minha. Pois o meu pai havia sido demitido, pelo Ato Institucional número 1, do bom emprego no Banco do Brasil. Justamente por ser comunista. Foi aí que a família teve que trocar a deliciosa manteiga pela insípida margarina.

Contradições, né? Mas adorei ter sido uma libelu. Foi um momento brilhante da minha vida. Conheci pessoas que se tornaram máximas referências afetivas. Em suma, fiz grandes amigas e amigos. É isso que interessa no começo, meio e fim de qualquer história.

Água que rola. Meu pai deixou o PCB e abraçou o PT. Eu deixei a ECA e esqueci a Liberdade e Luta. Peguei o barquinho da não militância. Encontrei minha turma: a tribo das palavras. Pela primeira vez na vida fiz uma eleição sincera.

Não foram as palavras que me escolheram. Fui eu quem elegi essa forma de estar no mundo. Escrevendo. Tirando a roupa da memória para exibir sua nudez despudorada e útil.

fernanda pompeu, webcronista do Yahoo e do Nota de Rodapé, escreve a coluna Observatório da Esquina, às quintas. Ilustração de Fernando Carvall, especial para o texto.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Pesquisa eleitoral no Brasil é coisa séria?

Pergentino acompanha as pesquisas
eleitorais no Brasil  há 55 anos
Com o fim das eleições municipais, imprensa e eleitores tendem a um relaxamento do assunto, mas este Nota de Rodapé resolveu retomar o tema, dessa vez, tratando de uma nuance importante pouco conhecida do público, as pesquisas eleitorais. Afinal, elas são ou não são confiáveis? Existe manipulação? Como se faz pesquisa no Brasil?

Para analisar essas situações e o mercado dos institutos de pesquisas eleitorais, entrevistamos um dos maiores estudiosos e práticos do assunto, Pergentino Mendes de Almeida, professor convidado na pós-graduação da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, conselheiro da Associação das Empresas de Pesquisas de Mercado, Opinião e Mídia (Abep) e vice-presidente da Associação Brasileira dos Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia. Ele é precursor das discussões em grupo no Brasil e foi pioneiro no uso de análises multivariadas nas pesquisas comerciais.

Há 55 anos militando na área de comunicação e pesquisas, Pergentino segue atuante. Trabalha na LPM – Levantamentos e Pesquisa de Marketing, empresa que fundou em 1969, ao lado da esposa Dilma Mendes de Almeida. Na entrevista, Pergentino fala dos problemas da rapidez na realização de pesquisas para atender demandas, dos erros de interpretação de pesquisadores e jornalistas, da visão distorcida das margens de erro e aconselha menos importância às pesquisas e marqueteiros.

por Moriti Neto*

Nota de Rodapé – Sobre capacidade profissional, organização e métodos, em que estágio o senhor, na média, vê o mercado de pesquisas no Brasil? 
Pergentino Mendes de Almeida – Em média, as pesquisas de opinião no Brasil têm um nível comparável ao dos mercados mais desenvolvidos.

NR – Especificamente no segmento político-eleitoral, o nível é confiável? 
PMA – De modo geral, sim. As grandes tendências do eleitorado têm sido apontadas com sucesso no Brasil na maior parte dos casos. Os institutos que trabalham regularmente nessa área e, muitos outros que fazem trabalhos específicos, não publicados, têm muito a perder se descuidarem da imagem de confiabilidade.

NR – Quais problemas destacáveis ocorrem na metodologia, aplicação, matemática, enfim, no processo de feitura das pesquisas? 
PMA – Os maiores problemas que sinto ocorrerem nessa área são decorrência das circunstâncias em que as pesquisas eleitorais são feitas. A opinião pública frequentemente se revela volátil e inconstante. Como decorrência disso e da pressão dos candidatos e da própria mídia pela geração constante, repetida e urgente de novos resultados, o que se faz é um esforço enorme de boa vontade para adaptar a metodologia dita científica às condições práticas de trabalho, o que implica em riscos maiores de erros. O que favorece as pesquisas é a relativa robustez de resultados, em termos de tendências gerais. Mas, onde as atitudes do eleitorado são mais voláteis, essa robustez pode desmoronar.

NR – Como o senhor vê as margens de erro adotadas hoje? 
PMA –  Essas margens são mal interpretadas não só pelos jornalistas, como por muitos pesquisadores. Quando se diz que “esta pesquisa tem um erro de 3% para mais ou para menos” se está simplificando e distorcendo a versão original recomendada pela Esomar (Associação Internacional de Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia) aos associados, nos anos 80 do século passado. A versão original era mais ou menos assim: “Uma amostra probabilística simples do tamanho desta amostra pode apresentar uma variação puramente casual de 3%, para mais e para menos, no máximo, a um nível de 95% de certeza (ou 90%, ou 97,5%, ou 99%, etc.)”. A intenção era apenas deixar claro para o público e para os jornalistas que o resultado de pesquisas por amostragem é sempre uma aproximação da realidade e não pode ser trabalhado como se fazia, como se fosse um número exato e preciso. Mas a explicação parece complicar ainda mais do que explicar, embora tenha servido ao propósito original. Uma pesquisa perfeita realizada por amostragem está sujeita a um erro puramente ao acaso e esse erro é tanto menos provável quanto maior ele for. Note que, para cada porcentagem de intenções de voto em cada candidato, haverá uma margem de erro diferente, dentro da mesma amostra. O erro casual de uma porcentagem de 45% é maior do que o de outra porcentagem de 35%, por exemplo. Isso, numa só pesquisa. Essa margem de erro é, na verdade, uma subestimativa da margem de erro real, no caso de amostras que não sejam estritamente probabilísticas simples.

"A função da pesquisa é documentar a dinâmica do processo por retratos sucessivos das mudanças até o desenlace nas urnas. É particularmente útil nessa documentação, não na capacidade de “acertar” o resultado final. Se se quiser antever o resultado futuro da campanha e não se estiver preparado para aceitar as limitações próprias do processo racional de pesquisa do real, recomendaria que se procure uma cartomante e não um instituto de pesquisas."

NR – De que forma pode ser explicada essa amostra? 
PMA – Numa amostra probabilística simples você tem a lista de todos os eleitores e faz um sorteio, absolutamente ao acaso, de modo que cada um de todos os eleitores tenha a mesma chance de ser sorteado para responder ao questionário.

NR E nas amostras por cotas, como é o procedimento?
PMA – Amostras por cotas são aquelas em que você pré-determina quem o entrevistador deve procurar, por sexo, classe social, região de moradia, etc., e deixa por conta dele achar uma pessoa assim. Supõe-se que você determina as cotas de acordo com dados confiáveis do Censo, do TSE, do TRE ou de outra fonte confiável e representativa da população da qual você quer tirar uma amostra. Amostras por cotas podem ser bastante representativas, mas o problema é que não há um modo simples de calcular a probabilidade de errar. Elas podem requerer um fator multiplicativo quase impossível de calcular. No caso de prévias eleitorais, realmente impossível de calcular.

NR – O senhor considera que os erros ocorridos afetam a credibilidade dos institutos de pesquisa?
PMA – Creio que afetam. Mas isso não prejudica os institutos especializados, uma vez que o público, a mídia, os governos, as empresas, os sindicatos, as empreiteiras e os políticos continuam dependentes e ávidos pelos números que eles oferecem.

NR – Os institutos acertam mais do que erram? 
PMA – De modo geral, as pesquisas acertam mais do que erram. Isso permitiu a várias pessoas computarem todos os resultados eleitorais no Brasil, para verificar o grau de “acerto” das pesquisas, e concluírem que eles predominam e que os “erros” estão dentro da margem de 95% certeza. O problema que vejo aqui não é dos institutos ou das pesquisas. É a filosofia da coisa, por assim dizer. É o modo como as pessoas em geral e a mídia em particular encaram os resultados de pesquisas. A prévia eleitoral dará sempre um quadro aproximado da realidade instantânea, do momento. A campanha eleitoral é um processo dinâmico. A função da pesquisa é documentar a dinâmica do processo por retratos sucessivos das mudanças até o desenlace nas urnas. É particularmente útil nessa documentação, não na capacidade de “acertar” o resultado final. Se se quiser antever o resultado futuro da campanha e não se estiver preparado para aceitar as limitações próprias do processo racional de pesquisa do real, recomendaria que se procure uma cartomante e não um instituto de pesquisas.

NR – O senhor é a favor de fiscalização rigorosa nos institutos de pesquisa? Existe algo nesse sentido? 
PMA – Depende do que você chama de “rigorosa”. Já existem regulações suficientes na lei, algumas até contraproducentes. Por exemplo, a burocracia exigida para realizar-se uma pesquisa eleitoral, que será eventualmente publicada depois de feita, é exemplar, é como se um protocolo do TSE pudesse garantir a confiabilidade do trabalho. A publicação (e interpretação equivocadas) das tais margens de erro é do texto da lei. A exigência de registro de estatístico habilitado, isso é, “estatístico de carteirinha”, em nada contribui para a qualidade das pesquisas, serve mais para defender interesses corporativos e para o bolso dos portadores das ditas carteirinhas. Pelo lado positivo, a lei faculta aos partidos, candidatos e eleitores o direito de exigir explicações e detalhes da metodologia e da realização da pesquisa, podendo mesmo conferir fisicamente os registros originais dos dados. O problema é que isso leva tempo e a campanha não espera. As coisas não funcionam exatamente como idealizadas na lei. Quando você fala em “fiscalização rigorosa”, fico com medo da interferência de agentes “isentos”, de fora do instituto de pesquisa, nos processos internos de controle e realização de um trabalho que deve ser ao mesmo tempo eficiente e confiável. Quanto mais se complicar a coisa, pior fica. E existem também órgãos representativos dos pesquisadores, que subscrevem um Código de Ética e cujos membros sujeitam-se à fiscalização do órgão. Pode-se recorrer à Associação Brasileira das Empresas de Pesquisas de Mercado, Opinião e Mídia (Abep) e Associação Brasileira dos Pesquisadores de Mercado, Opinião e Mídia (ASBPM).

NR – Em Atibaia e Bragança, no interior de São Paulo, os vitoriosos nas urnas estiveram, durante toda a campanha, coisa de 15%, 20% longe dos primeiros colocados nas pesquisas. Por que algumas distorções chegam a números tão alarmantes, tão distantes do resultado final? 
PMA– Como não acompanhei as campanhas de Atibaia e Bragança e não tenho familiaridade com o contexto político dessas cidades, só posso responder em tese. Os números que você mencionou realmente são díspares. Pode-se pensar na existência ou não existência de má fé. Vamos supor que não houve uma distorção deliberada de mentir, pois aí nada teria a acrescentar. No caso de ausência de má fé, uma primeira hipótese é a de um erro amostral. É possível um erro de amostragem, aleatório, tecnicamente compreensível e aceitável, dessa magnitude? A resposta é sim, embora pouco provável, se for uma amostragem probabilística, com sorteio aleatório de entrevistados. O problema nesses casos é que o método de amostragem em prévias eleitorais é o de cotas, mais ou menos sem controle dos indivíduos escolhidos para responder dentro de cada cota de trabalho dada ao entrevistador. É o problema da urgência e dos custos dos resultados, pois só assim os pesquisadores podem atender às demandas dos partidos e da mídia. Nesse caso, é impossível medir o erro amostral e estimar intervalos de confiança.

"Se me coubesse dar conselho de como remediar a situação ou proteger-se, diria: preste mais atenção àquilo que o candidato representa e ao que ele se propõe, mais do que aos resultados de pesquisas. Aconselharia aos candidatos tomarem posições mais claras e firmes em torno de propostas substanciais e a dar menos importância às pesquisas e marqueteiros. Diria também aos jornalistas que invistam mais na compreensão e na crítica do fundo político em jogo do que nas apostas na cosmética e nos números da roleta." 

NR – Mas, o senhor tem exemplos históricos de situações que tenham apresentado divergências tão gritantes com o resultado real? 
PMA – Não me recordo assim de imediato, mas existem precedentes. Aliás, diferenças entre prévias e eleições são mais frequentes do que se pensa. Até quando o instituto “acerta” o vencedor, já que neste caso ninguém reclama mesmo que os resultados das urnas sejam muito diversos dos da pesquisa.

NR – O que pode gerar a situação de um mesmo instituto, no caso, o Ibope, em Bragança Paulista, fazer duas pesquisas, praticamente com os mesmos dias de campo, e uma apontar 14% de diferença entre primeiro e segundo colocados e a outra só 4%? 
PMA – Nos casos de Atibaia e Bragança Paulista o problema parece maior, pelo que me foi narrado, devido ao fato de as pesquisas terem sido feitas pouco antes do dia da eleição. Eu me pergunto se haveria alguma tendência de mudança já em curso anteriormente, durante a campanha, qual o grau de volatilidade nessas cidades, número dos indecisos, e como essas situações evoluíram até o dia da eleição. Ademais, quais os procedimentos específicos de amostragem? Qual o grau de controle em campo? Sabemos que, nas condições apressadas da realização de prévias, a verificação posterior das respostas trazidas pelos entrevistadores é falha, quando não impossível, como no caso de entrevistas feitas com transeuntes na rua. O Ibope, ao que me consta, faz entrevistas em domicílio, o que facilita o controle. Entre as centenas ou milhares de prévias feitas no Brasil, muitas divergem do resultado das urnas. Algumas divergem bastante. Mas a maior parte acerta, pelo menos no atacado. Cada caso é um caso. Ou seja, deve ser possível alguma explicação, antes de se admitir, de um lado, ou a hipótese de manipulação dos dados, por má fé, ou, por outro lado, a de variação amostral aleatória, com uma probabilidade quase etérea, embora real.

NR – O candidato vitorioso a prefeito em Bragança, pelo PT, disse que pesquisas são ótimas, que usou as internas do partido como medição e elas foram muito úteis, mas se sentiu prejudicado com publicações de alguns estudos. Entre a realização e a divulgação das pesquisas pode haver distorção? 
PMA – Normalmente, os problemas entre realização e divulgação de pesquisas são muitos e intensos. Afora uma possível distorção deliberada do meio, ocorrem distorções de boa fé. Aprendi, na eleição da Luíza Erundina para a Prefeitura de São Paulo (em 1988) que os dados obtidos em campo frequentemente falam mais verdades do que a interpretação, quer pela mídia, quer pelo próprio instituto. Um primeiro problema é quando um resultado é inesperado ou mesmo surpreendente. A prudência quase que força o pesquisador a “corrigi-lo”. Aí ele pode se enroscar. Outro problema é a interpretação do resultado, que é função do jornalista. Ele pode ver implicações e consequências equivocadas, que vão orientar a notícia que o leitor receberá.

NR – O senhor tem sugestões para aperfeiçoar o processo e diminuir os erros? 
PMA – Não tenho uma fórmula mágica que salve a pátria de todos os perigos. Mas o chamado “problema das pesquisas”, que volta a ser levantado em cada eleição, não é um problema das pesquisas. É, principalmente, um problema da mídia e também dos políticos, dos partidos, dos financiadores, de quem “usa” a pesquisa. Os políticos e a mídia dão uma importância exagerada aos resultados das pesquisas. Os políticos, para se promoverem junto aos financiadores de campanha ou para desdenhar as pesquisas. A mídia, para gerar notícias e “repercutir”. Como dizem os jornalistas, isso vende. Os chamados marqueteiros ganham um bom dinheiro dando orientação aos políticos, com base em pesquisas. E os candidatos estão cada vez mais parecidos com embalagens de sabonetes e as propostas são comerciais de TV. Se a mídia americana continuar sendo, como sempre foi, um modelo precursor de muito do que se faz no Brasil, vamos ver cada vez mais uma disputa cosmética entre candidatos, com pretensas, porém vistosas “pesquisas” no ar, para saber instantaneamente “quem ganhou o debate”. Se for assim, a pesquisa vai cair cada vez mais de qualidade, acompanhando os partidos e os candidatos. E os índices crescentes de abstenção vão crescer ainda mais. Se me coubesse dar conselho de como remediar a situação ou proteger-se, diria: preste mais atenção àquilo que o candidato representa e ao que ele se propõe, mais do que aos resultados de pesquisas. Aconselharia aos candidatos tomarem posições mais claras e firmes em torno de propostas substanciais e a dar menos importância às pesquisas e marqueteiros. Diria também aos jornalistas que invistam mais na compreensão e na crítica do fundo político em jogo do que nas apostas na cosmética e nos números da roleta.


*Moriti Neto, jornalista, mantém a coluna mensal Escarafunchar  
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