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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Paulinho da Viola, a nobreza do samba chegou aos 70


Elegância: distinção de porte, de maneiras, graça, encanto, bom gosto, gentileza, amabilidade, delicadeza de expressão, cortesia. Fineza: suavidade, primor, perfeição. Altivez: nobreza, elevação, brio. Nobreza: excelência, dignidade. Garbo: elegância, distinção, primor. Galhardia: grandeza de alma, valor, bravura. Delicadeza: sensibilidade, finura, esmero, sutileza.

Tais qualidades podem ser personalizadas em um cidadão brasileiro, artista do mais alto quilate, gênio da música e representante maior da elegância dentro da cultura popular brasileira: Paulo César Batista de Faria, eternizado nos anais da musicografia brasileira como Paulinho da Viola.

Paulinho completou 70 anos no último dia 12 de novembro. Seu reconhecimento, por parte dos sambistas, vem de longa data. Em 1973, Batatinha o celebrou com a composição “Ministro do samba”, no disco “Samba da Bahia”, onde canta: “O samba bem merecia ter ministério algum dia / Então seria ministro Paulo César Batista Faria”.

Um ano depois, a Velha Guarda da Portela registrou a louvação “De Paulo da Portela a Paulinho da Viola”, de Francisco Santana e Monarco, no álbum “História das Escolas de Samba - Portela”. Eram os portelenses da antiga, reconhecendo nele a grandiosidade dos mestres do passado nos versos: “Antigamente era Paulo da Portela / Agora é Paulinho da Viola / Paulo da Portela, nosso professor / Paulinho da Viola, o seu sucessor / Vejam que coisa tão bela / O passado e o presente da nossa querida Portela”. Paulinho da Viola tinha seus 30 e poucos anos, mas já era festejado como bamba.

Se jovem, já era um gigante, aos 70 é um monstro sagrado de nosso cancioneiro. E, assim como recaem sobre ele todas estas virtudes citadas acima, simbolizando nessa figura humana a própria simplicidade, Paulinho reúne, em si, tantos adjetivos, que fazem com que ele seja, ao mesmo tempo, o Paulinho da Viola sambista, chorão, instrumentista, compositor, intérprete e portelense. Paulinho da Viola, herdeiro e feitor das tradições. Chama viva do samba, que bebe do passado para recriar o presente, legando ao futuro novas raízes, autenticidades e tradições.

Paulinho da Viola,
o herdeiro das tradições
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A música brasileira, pelo choro e pelo samba, penetra a alma de Paulinho desde o berço. Seu pai, César Faria foi um dos mais destacados violonistas brasileiros. Em sua casa, frequentavam nomes como Pixinguinha, Jacob do Bandolim, Altamiro Carrilho, Radamés Gnattali, Dino, Meira, entre outros.

Ainda criança, já admirava a riqueza das melodias que eram emanadas por plangentes violões, cavaquinhos e bandolins, passando a frequentar, na adolescência, os célebres saraus que Jacob do Bandolim promovia em sua casa. Quietinho, no canto da sala, aprendia – ouvido atencioso – com os mestres.

Paulinho sempre foi grato com aqueles que o ensinaram a nobreza do choro e do samba. Seu pai foi um fiel acompanhante em seus discos e apresentações, tocando com ele até a morte, em 2007, aos 88 anos. Para Radamés Gnattali, compôs o choro “Sarau para Radamés”, sendo, depois, retribuído por ele com a composição “Obrigado, Paulinho”.

Paulinho da Viola,
o instrumentista
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De tanto ver o pai tocar, Paulinho resolveu seguir as pegadas musicais que vinham dos laços de sangue e, com 15 anos, iniciou-se na nobre arte do violão. Sem paciência para ensiná-lo, Cesar Faria indicou o amigo Zé Maria para a missão e este o fez com dedicação, instruindo-o com o método de Mateo Carcassi, da escola espanhola de Francisco Tarrega.

Paralelamente, aprendeu o ofício do cavaquinho, tocando, no início, com afinação de bandolim.

Ao longo de sua carreira, Paulinho da Viola tocou os dois instrumentos em seus discos e apresentações, ora fazendo o “centro”, ora solando os choros que compunha e que, eventualmente, gravava em seus álbuns.

Paulinho da Viola,
o chorão
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Reconhecido como um dos maiores sambistas da história, Paulo César Batista de Faria é, também, um exímio chorão, tanto como compositor quanto como solista. Em seus discos de samba, registrou poucas peças instrumentais, como “Abraçando Chico Soares”, gravado em 1971, “Choro Negro” (1973) e o já citado “Sarau para Radamés” (1978).

Em 1976, no entanto, dedicou um álbum inteiro ao gênero que aprendeu a amar e cultivar desde a tenra infância. “Memórias Chorando” foi lançado paralelamente ao disco “Memórias Cantando” e apresentou o cavaquinista e violonista interpretando seis choros de sua autoria, ao lado de outros quatro de Pixinguinha e um de Ary Barroso.

Paulinho da Viola,
o compositor de letras e melodias
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Muitos compositores se consagram como criadores de linhas melódicas. Outros tantos, cravam o nome na história da música brasileira como requintados letristas. Paulinho da Viola transita pelas duas artes com desenvoltura. Ele compõe sozinho – criando música e poesia – e também atua com destaque como melodista e letrista em criações conjuntas com outros compositores.

Com Elton Medeiros, travou uma fértil parceria e escreveu letras para melodias inspiradas, que viriam a se tornar sambas clássicos de seu repertório, como “Recomeçar” e “Onde a dor não tem razão”. Por outro lado, também sabe, como poucos, criar melodias para poesias, tendo em “Sei lá, Mangueira” – versos originalmente cunhados por Hermínio Bello de Carvalho – o exemplo de maior destaque.

Paulinho da Viola,
o intérprete
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Com a mesma elegância que compõe e que interpreta, ao cavaquinho e ao violão, seus sambas e choros, Paulinho da Viola também canta composições de outros sambistas.

Em seus discos, celebrou os bambas da Era de Ouro do Rádio, como Wilson Batista, Noel Rosa e Lupicínio Rodrigues; cantou Cartola e Nelson Cavaquinho; homenageou os sambistas da Portela, como Casquinha, Monarco, Francisco Santana, Mijinha, Alberto Lonato e Candeia e exaltou os compositores de Botafogo, seu bairro, como Mauro Duarte e Walter Alfaiate. Sua voz doce e macia e sua interpretação graciosa engalanam ainda mais as belas criações destes grandes baluartes.

Paulinho da Viola,
o portelense
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Em 1964, levado pelas mãos de seu primo, Oscar Bigode, Paulinho da Viola ingressou na Portela. Lá chegando, foi intimado pelos compositores locais, verdadeiras entidades do samba, a mostrar uma composição de sua autoria. Tímido, cantou um samba curto, de apenas uma parte. Casquinha, um grande improvisador, na mesma hora, completou a criação. Nascia ali, o samba “Recado”, cartão de visitas do jovem compositor na tradicional Escola de Samba de Oswaldo Cruz.

Dois anos depois, já devidamente estabelecido na Ala de Compositores, compôs o samba-enredo “Memórias de um Sargento de Milícias”, que levou a Portela ao título no Carnaval carioca.

Paulinho da Viola havia encontrado seu lugar. Era ali, no meio daqueles bambas. Uma Escola de Samba que reunia nomes como Alvaiade, Manacéa, Mijinha, Alcides Lopes, Antônio Caetano, Aniceto, Monarco, Armando Santos, Chico Santana, Alberto Lonato, Ventura, João da Gente, entre outros compositores de valor. Em 1970, reuniu estes sambistas históricos e os levou para o estúdio pela primeira vez. Nascia a Velha Guarda da Portela, conjunto que representa o samba em sua forma mais pura e autêntica. Como forma de gratidão, tornou-se padrinho deles – com apenas 30 anos de idade incompletos.

Paulinho da Viola,
a fonte de inspiração
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O último disco lançado por Paulinho da Viola com composições inéditas, “Bebadosamba”, foi lançado há 16 anos. Apesar disso, ano após ano, só cresce a admiração pelo bamba, por parte de sambistas de todas as gerações.

Três dias após completar 70 anos, compareceu a uma homenagem a Casquinha, seu primeiro parceiro na Portela, prestada por sambistas de todo o Brasil, realizada na sede antiga da Escola de Samba. Foi muito festejado pelos presentes. Dois dias depois, apresentou-se ao lado da Velha Guarda da Portela em Madureira, com entrada gratuita. Paulinho da Viola sabe como retribuir aos fãs a admiração emanada por eles ao longo destas quase quatro décadas de carreira.

Para 2013, está previsto o relançamento, pela gravadora EMI, de seus onze álbuns lançados pela extinta Odeon. No carnaval, estará à frente, pela segunda vez, do bloco Timoneiros da Viola, cujo tema será o “Rosa de Ouro”, espetáculo idealizado por Hermínio Bello de Carvalho, em 1965, onde um jovem Paulinho deu seus primeiros passos como profissional, atuando ao lado de Clementina de Jesus, Aracy Côrtes, Anescarzinho do Salgueiro, Jair do Cavaquinho, Elton Medeiros e Nelson Sargento – estes últimos dois estarão presentes no desfile.

Paulinho da Viola segue fazendo história. Pensando no futuro, mas não esquecendo seu passado. Moldando a tradição com o tempo, trata o samba com o respeito e a elegância que ele merece, pois bebeu de sua chama e assim a mantém viva.

Memórias Chorando:



Memórias Cantando:




André Carvalho, jornalista, mantém a coluna mensal Batucando, sobre samba, a ser publicada sempre na terceira quarta-feira do mês. Ilustração de Kelvin Koubik, colunista do NR, é artista visual e músico de Porto Alegre

3 comentários:

Cristiane, em Coisas Minhas! disse...

Grata pela aula! Homenagem mais que merecida! Viva Paulinho da Viola!

João do Violão disse...

Quero aqui deixar expresso o meu profundo respeito e admiração por esta notável figura, querida e amada por todos aqueles que apreciam o samba em sua mais alta dimensão.
Excelente texto!

João do Violão

ricardo disse...

ler essa materia escutando a playlist é uma viagem ao tempo. excelente

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