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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Setembrino

É só entrar setembro, a estiagem entra pelos poros e se instala do lado de dentro da gente. Não há água que chegue pra hidratar células carentes da bendita chuva, que parece ter ido embora pra sempre. O termostato celeste vai sendo empurrado pra direita e o sol entende que deve nos torrar cada dia um pouco, como grãos de café espalhados sobre o asfalto. Cumpre a tarefa à risca.

Ipê na Esplanada dos Ministérios, Brasília
(Foto: Eduardo Figueira de Sousa)
Enquanto isto, os ipês fazem um revezamento perfeito na arte de se exibir: primeiro os roxos e lilases, depois os amarelos e brancos, deixando bem claro que são muito melhores que nós e escolhem o mês mais duro pra gastar seu esplendor. Também os passarinhos continuam frequentando a mangueira da minha janela com a mesma animação de sempre: os pretos, discretos e fugidios, com seu canto ressabiado; as maritacas, como bandos de adolescentes no shopping, nas cores e no fuzuê da manhãzinha e do fim da tarde. Contam todos os babados e vão embora. Não estão nem aí para a nossa leseira e a aridez em volta.

Os brasilienses me entendem. A mistura do ar desértico com sol forte e temperaturas acima dos trinta graus dá vontade de dormir hoje, de preferência num freezer, e só acordar quando chover. Começa a bater o desespero, com a ansiedade pela chuva virando o grande assunto de todas as conversas.

Na qualidade de candanga há quase quarenta anos, sei que ela vem, mas não quando a gente quer. Só quando ela achar que o trabalho de torrefação está terminado. Então, acho melhor nos distrairmos e pararmos de pensar nela, de falar dela. É atriz profissional e sabe quando tem que entrar no palco. Não adianta chamar antes da hora. Aí, ela se faz de difícil.

Então, vamos fingir que não a desejamos mais, que podemos viver muito bem sem ela, que o sol não está nos cozinhando. Quando resolver que chegou a hora – porque sabe que estaremos fingindo – ela vai inflar as nuvens e se despejar sobre nós num pé d’água daqueles. No dia seguinte, estaremos aliviados e felizes, querendo mais, e a grama terá brotado por toda a cidade, num passe de mágica que não deixa de nos encantar a cada ano.

Depois vai chover de novo e de novo, até chegar fevereiro e a gente começar a implorar que pare.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

10 comentários:

Fernanda Pompeu disse...

Muito lindo. Mais um bordado de palavras. Ipês, pássaros, estiagem, chuva e nós, os humaninhos, no meio de tudo isso.

Anônimo disse...

Comparações maravilhosas. Quem já escreveu que um bando de maritacas grita "como adolescentes num shopping " ? E o "torrar da pele" como café
que,aliás, eu assistia nos meus tempos idos de criança no interiorzão gostoso e saudável ? Suas comparações merecem uma crítica literária de,pelo menos, um ano num bom curso de Letras.Parabéns !!!!
Mummy Dircim

Gisele Netto disse...

Lindo texto, Júnia. Beijo, Gisele

Shirley disse...

uma vez, quando eu corria em Brasilia num fim de tarde, em plena seca, me aconteceu algo que nunca vou esquecer: estava ventando loucamente, formando aqueles rodamoinhos de poeira e terra vermelha, tudo muito seco e suspenso; nuvens carregadíssimas de um cinza pesado pairavam sobre a asa sul (aí nunca podemos dizer que pairam sobre a cidade, pq chove na asa sul, mas não no sudoeste, mas essa seria outra crônica e outro comentário); e eu correndo feliz pensando vai chover, vai chover! vou me molhar toda, correr molhada vai ser tudo de bom! até que comecei a sentir um cheiro de chuva muito forte, delicioso e a expectativa aumentou. bom, nunca vi essa chuva e sei que não caiu em lugar nenhum. me explicaram depois que devido a secura do ar, ela se dissolvia antes de cair na terra, por isso o cheiro vem, mas água que é bom, neca! inesquecível essa cena... coisas de Brasília...
beijos querida e toda minha solidariedade carioca.

Carlos Augusto Medeiros disse...

Gostei das maritacas também... Mas lamento que sua janela não lhe permita ver um casal (eu acho) de tucanos como a minha. Mas a seca é a mesma.... Abraços, Carlos.

coresentrenos disse...

E as cigarras??! Elas são esperadas com grande ansiedade pq. Avisam que a chuva tá chegando...coisas de Brasília.
Lindo se escrito.
Belas comparações.
Beleza ter vc traduzindo no papel obque vivemos no dia-a-dia.
Acabobde ouvir cigarras cantando....eba!!

Anônimo disse...

Verdade. Fui injusta com as cigarras, talvez porque elas estão nos deixando aos poucos. Este ano, ainda não ouvi nenhuma. Tomara que apareçam logo. Júnia

Cristina Ávila disse...

Eu adoro a chuva! Mas eu amo também a seca! Com seus tons marrons e com as flores que estouram de lindas quanto mais seco estiver! A natureza é sempre linda, em qualquer tempo. (não tô discordando de ninguem, apenas enfatizando meu amor pela seca no cerrado)

Anônimo disse...

As cigarras se expressavam por aqui da mesma forma que um estádio de futebol lotado de torcedores fanáticos num gol de vitória desesperada aos 45 minutos do segundo tempo.
Cantavam ensurdecedoramente lindo. Porém, seres que se dizem humanos começaram a abrir buracos em volta das árvores e colocar veneno e a matar as cigarras incubadas na terra. Fizeram e continuam fazendo porque dizem que elas fazem barulho demais!!!
Imagino o que elas teriam para dizer dos nossos barulhos de máquinas de toda a sorte, trânsitos infernais e outros aparatos.
É uma pena o sumiço delas, mas, pelo menos a chuva ainda não nos abandonou. Ela chegou!Márcia Ester

Anônimo disse...

Na sexta passada eu estava tão desesperada por chuva que entrei no site www.rainymood.com só para trabalhar ouvindo barulho de chuva, com o ar condicionado ligado. Foi uma experiência bem reconfortante. Acho que meu desejo foi tão grande com o meu ritual particular de "dança da chuva" que naquela noite caiu uma chuva forte lá em casa! Ótimo texto, como sempre. bjs, Myriam G

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