Em outubro de 2011, o NR contou a história de Márcio Lourenço, morto pela Guarda Municipal de Atibaia em mais um caso de violência policial. A prefeitura da cidade, à época, havia sido condenada por violação de direitos humanos. No texto de hoje, quatro anos após a execução do rapaz, a administração municipal sofre nova derrota na Justiça, numa decisão salutar da desembargadora/relatora do Tribunal de Justiça de São Paulo, Luciana Bresciani.
Márcio, 22 anos, 3 anos antes de sua execução |
Confirmando decisões da Comarca de Atibaia e do próprio Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), a desembargadora/relatora do TJ-SP, Luciana Bresciani, impôs nova derrota à prefeitura da cidade no dia 3 de agosto deste ano, quando foi publicada sentença que negou dois recursos da administração, um extraordinário e outro especial, impedindo-os, com sua decisão, de recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) em Brasília.
Para tanto, Luciana salienta a falta de fundamento na defesa dos guardas e destaca o incontestável excesso de força dos agentes. “Inconteste o nexo causal entre a ação dos guardas municipais e a morte do filho da autora. O excesso é manifesto, quer considerando a atuação da Guarda Municipal, ultrapassando os limites da prevenção de crimes, quer porque, de qualquer forma, não se admite transformar policial em executor”, ressalta.
Além disso, a relatora aponta provas definitivas de que Márcio não reagiu à agressão. Apesar das testemunhas da ré terem afirmado que a vítima estava armada, não há nos autos do processo qualquer prova nesse sentido. A arma a que fazem referência os guardas nem sequer foi encontrada. “Se existente, poderia ter sido utilizada pela vítima, o que também não restou claro nos autos”, indica Luciana. Outro aspecto é que não houve qualquer menção ao porte de armas no inquérito policial e nenhum trabalho pericial foi elaborado para verificar a presença de resíduos de pólvora nas mãos da vítima, cujo resultado evidenciaria presença ou ausência de arma nas mãos do rapaz.
Todas as testemunhas – com exceção dos guardas municipais e funcionários da Secretaria de Segurança Pública – declararam que o rapaz estava correndo, o que contraria o discurso do município.
Também um laudo mostra que a trajetória do projétil dá a ideia de que a vítima não estava em posição de confronto, já que a bala atingiu Márcio quando estava de lado para os guardas e não de frente.
No final da sentença, Luciana Bresciani enfatiza a responsabilidade da prefeitura e confirma a indenização por dano moral à mãe da vítima, no valor de cem salários mínimos mais correção, juros legais desde a citação e custas judiciais. “Nada justifica a conduta dos guardas em face da fuga do filho da autora. O nexo causal entre o dano e o fato está devidamente evidenciado, razão pela qual a reparação do dano moral é devida”.
Em 2011, o Tribunal de Justiça já havia discordado da versão dos guardas municipais, que alegaram legítima defesa para efetuar os disparos, e manteve sentença da Comarca de Atibaia, de 2010, contra o Poder Executivo, por violação de direitos humanos. A decisão confirmava a execução e apontava que o boletim de ocorrência foi forjado, pois o processo judicial desmente que o rapaz teria sido morto após trocar tiros com os agentes.
A luta segue
Olinda conta o motivo de pedir indenização. “O Márcio tinha defeitos. Não digo que não furtou as torneiras, mas ele nunca andou armado, não era o criminoso que disseram”, desabafa. “Estava esperando essa decisão. Finalmente saiu”, completa. Com a decisão na esfera cível, é possível, com atraso de quatro anos, a instauração de ação administrativa regressiva para que a Prefeitura apure internamente a responsabilidade dos agentes e exija deles o pagamento da indenização.
Cabe ao prefeito Dr. Denig (PV) a atitude de cobrar os autores do crime e tirar o peso dos cofres públicos. Em 2008, quando da ocorrência da morte de Márcio, o prefeito era o atual deputado estadual Beto Trícoli, também do PV. Na gestão dele, a apuração não progrediu.
Além disso, a reabertura do processo criminal foi solicitada pela organização não governamental Centro Nacional de Denúncias (CND-BR), ao Ministério Público, que arquivou o inquérito justificando não haver provas que constatassem infração por parte da Guarda Municipal. A nova decisão do TJ-SP pode fortalecer o pedido da entidade e forçar o MP a tomar providências.
Marcos Rodrigues Lourenço, irmão de Márcio, avalia que a sentença, independentemente do valor da indenização, motiva a continuação da luta para punir os responsáveis. “Nós, da família, nem estamos preocupados com o valor. Essa decisão nos fortalece para pedir justiça, para que os responsáveis tenham a culpa investigada pela prefeitura e para que respondam criminalmente. Tenho os jornais da época pintando meu irmão como um bandido perigoso, que atirava em guardas, matérias que expuseram a imagem dele sem a nossa autorização. O Márcio não era nada do que disseram. Tinha uma dependência, estava falando em se internar, mas não deu tempo”, afirma.
Moriti Neto, jornalista, mantém a coluna mensal Escarafunchar no Nota de Rodapé.
2 comentários:
É triste ver que esta família teve de esperar mais de 4 anos por esta sentença, e mais triste ainda o que esta mãe teve de enfrentar, não bastasse ter seu filho executado, ainda ver notícias nos jornais colocando-o no papel de grande criminoso que atirou nos guardas.
Concordo com a relatora Luciana Bresciani,ao dizer que, mesmo estando em fuga,nada justifica a conduta dos guardas e acredito que, quem a defende contribui para que outros casos venham a ocorrer (como já ocorrem) e acabar da mesma forma,já que na condição de policiais há sempre o escudo da legítima defesa para protegê-los da punição, independente das condições reais em que o fato tenha ocorrido.
Parabéns pela matéria. É importante que em meio à manchetes de jornais que não se dão ao 'trabalho' de apurar os fatos e o mostram da maneira que lhe convém, existam outros que primam pela seriedade, verdade e respeito aos envolvidos.
Obrigado, Cris. É realmente triste as forças de segurança usarem teses de "resistência", muito comuns, para executar, o que geralmente ocorre quando as vítimas são pobres e negras.
Sobre a apuração, não que seja geral, mas que tem muita gente que não sai da redação e só se arvora em versões oficiais, isso tem, infelizmente.
Postar um comentário
Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.