.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 30 de junho de 2010

Países-exemplo de Serra lideram produção mundial de drogas

Colômbia e Peru aparecem no topo da lista, mesmo sem fazer o “corpo mole” da Bolívia

Os países tidos como exemplo por José Serra no combate às drogas são os líderes mundiais no setor. Relatório a ser divulgado esta semana pelo Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (Unodc, na sigla em inglês) irá mostrar a Colômbia no topo do ranking do cultivo de coca, seguida pelo Peru.
Alguns dados da Unodc são sempre alvo de dúvida pelo fato de setores da agência terem uma posição excessivamente pró-EUA, ou seja, de culpar os países nos quais as substâncias são produzidas e determinar que os mesmos tratem de reprimir a tudo e a todos. Mas, considerando que Peru e Colômbia são os países que seguiram à risca a cartilha do Departamento Antidrogas da Casa Branca, não me parece que esse estudo, especificamente, deva ser motivo de dúvida. De acordo com a agência, no geral houve recuo dos cultivos na Colômbia, e o Peru, a manter o ritmo atual, será líder nesta produção em não muito tempo.
São as duas nações que mais tiveram injeção de recursos da ONU e dos Estados Unidos neste setor. Talvez por concordarem com a ingerência externa, talvez por gostarem de repressão, são vistos como modelos pelo candidato do PSDB à Presidência da República. Pensemos em que modelo é este: a Colômbia tem dezenas de milhares de mortos graças aos conflitos entre paramilitares, guerrilhas e Exército. O paraEstado, esse gracioso Estado paralelo, continua existindo, como mostram escutas telefônicas que envolvem desde o mais baixo funcionário do atual governo até o presidente Álvaro Uribe, passando pelo eleito Juan Manuel Santos. Na Colômbia, liberdades de imprensa e de atividade laboral não são respeitadas. Sindicalistas que tentam denunciar abusos de poder e falta de democracia acabam assassinados, o mesmo valendo para indígenas e outras minorias.

Deslocamento sem erradicação

Ao que parece, quando se trata de drogas, José Serra não teve o cuidado de falar com Fernando Henrique Cardoso, de quem foi ministro da Saúde. FHC, lembro-me bem porque vi com estes olhos, afirmou há alguns meses que não adianta reprimir cultivo, pois ocorre o que se vê nas nações-modelo do ex-governador: deslocamento sem erradicação.
Serra, quando elogia a Colômbia falando que o país de Uribe não faz corpo mole contra o tráfico, presta uma triste homenagem a um povo extremamente sofrido. Apenas para não esquecer, estamos no mês dos refugiados. Outra agência da ONU, a Acnur, lembra-nos que a Colômbia tem a maior massa interna de deslocamentos. Se a memória não falha, algo como quatro milhões de colombianos viram-se obrigados a deixar seus lugares de origem por conta dos conflitos internos estimulados pelo paraEstado.
Ao mesmo tempo, o tucano mostra todo seu preconceito contra duas questões diferentes. Uma, a de acreditar que a Bolívia não é capaz de guiar seu próprio destino, devendo aceitar tudo aquilo que dizem os Estados Unidos. Outra, a de não entender que uma boa parte de produção de coca boliviana tem uso local, milenar, que nada tem a ver com tráfico internacional de drogas.
Serra, que segundo a Piauí Herald é especialista em trolologia, lembra-me a âncora da emissora de TV Fox News que ficou espantada ao descobrir que “o ditador” da Bolívia masca folhas de cacau (dá pra lincar o Oliver Stone). Talvez a candidata do PV, Marina Silva, tenha entendido qual o sentido da fala do opositor: "Tenho dúvidas, se talvez o governo da Bolívia fosse outro que não do Evo, um índio, se isso seria dito com tanta naturalidade. É apenas uma dúvida.” Alguém duvida?

PS 1: lamentavelmente, a candidata do PT à Presidência da República, Dilma Rousseff, tampouco tem demonstrado estar à altura de um bom debate sobre drogas. Tem partido sempre para o lado da repressão, que rende mais votos entre os setores assustadiços da sociedade, sem levar em conta os aspectos socioculturais que envolvem um tema muito mais complexo que cassetete e internação. Desconheço as propostas de Marina para o setor.

PS 2: estou a tentar entender a aparição de José Serra no SPTV de terça-feira (22). Se o jornal é regional, por que um candidato ao Planalto precisa aparecer falando de suas propostas para a saúde, por que precisa ir a uma inauguração de um projeto do governo do estado ao qual não pertence? Ou se fala de todos os candidatos, ou não se fala. Se o critério obscuro é mostrar candidatos paulistas, posso me lembrar de ao menos outros dois que são deste estado. Se o critério é colocar trololólogos para falar, posso me lembrar de uns duzentos numa área de cinco quilômetros. Lá vem a emissora de Marinho, outra vez com trololices. Se formos trolos, seremos novamente trololados.

João Peres
é jornalista e colunista do Nota de Rodapé

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics