“A oficina teve como foco o fortalecimento do grupo para que possam influenciar na proposição de políticas públicas relacionadas à garantia do acesso ao território”, disse Augusto Marcos Santiago, assessor de Projetos da Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), uma das entidades que compõem o programa.
O modo de vida das comunidades tradicionais é referência no debate de mudanças climáticas porque elas já protegem o meio ambiente e não utilizam os recursos naturais de forma predatória. “Mudanças no clima é um tema que chama a atenção da sociedade para o papel das comunidades tradicionais na conservação dos recursos naturais, o que tem influência direta sobre o equilíbrio do clima. Sua forma de manejo, associado ao conhecimento da biodiversidade garante utilizar os recursos naturais com baixa intensidade e alta diversidade. Conhecimento que nos habilita a participar da discussão”, contou Augusto.
Por isso a luta pelo território é comum a luta pela conservação. A mitigação dos efeitos das mudanças está totalmente ligada ao modo de vida tradicional, gera ativo, enquanto que modelos ditos modernos geram passivos e precisam converter a natureza para conseguir cultivar uma única cultura. “Embora nós não sejamos os responsáveis pelas mudanças na natureza, é graças as comunidades tradicionais é que ainda existe um restinho de mata, porque foi protegido por nós e não pelo governo, já que não existe uma política que consiga frear o problema”, opinou Vandir dos Santos, do Quilombo Porto Velho, no Vale do Ribeira (SP).
Maurício Paixão, do Centro de Cultura Negra do Maranhão, define o tema como novo, contudo as comunidades já agem em favor da preservação há muito tempo. “O nosso trabalho lá no Maranhão para garantir o direito ao território das comunidades de quilombo é para garantir o equilíbrio do clima, qualidade de vida para o país todo“, concluiu.
Segundo Vandir, a sua comunidade já tem seu planejamento e tem consciência que está fazendo a sua parte. “Nós plantamos árvore quando podemos, replantamos em áreas degradadas pelos fazendeiros quando conseguimos recursos. Não temos conhecimento científico, mas o nosso modo de vida, a experiência dos nossos antepassados nos ajuda a traçar nossa meta de preservação, que a curto prazo é recuperar as áreas prejudicadas”, relatou.
Os participantes puderam discutir as causas das mudanças climáticas, já que as consequências muitos deles já sentem no cotidiano em suas regiões. “Na minha comunidade e em todas as outras que eu conheço, já sentimos as diferenças no clima. Por exemplo, a chuva que você espera que viria em agosto não vem mais, às vezes vem em junho ou dezembro. Os rios não têm mais nem 50% da água que tinham e isso nos entendemos que é consequência direta das mudanças”, exemplificou Vandir.
José Alberto de Lima Ribeiro, do Movimento Nacional de Pescadores (CE), relatou o fato de a comunidade onde mora, em Beberibe (CE) ter perdido cerca de 20% do território por causa do avanço do mar. “No litoral brasileiro o avanço do mar é um problema concreto. Nossa área diminuiu 149 hectares em dez anos. O mar avançou”, relatou.
Para Beto Pescador, como é conhecido, é a hora de a sociedade civil tomar decisões, levando em conta que as causas para o problema não está relacionado ao modo de vida das comunidades. “Se todos emitissem gases como os povos tradicionais, o contexto seria diferente. Não dá para colocar todos no mesmo nível. Nós dizemos há muitos anos que esse modelo de desenvolvimento é insustentável. E apesar de tudo seremos nós os que mais sofrerão, as grandes empresas não estão sofrendo nada. Mas nós na beira dos rios e dos mares estamos sofrendo diretamente”, disse.
O aumento da temperatura está relacionado com a emissão de gases por meio da queima de combustíveis, resposnáveis por 80% das emissões no mundo e 23% no Brasil, e também por causa do desmatamento, que somam 75% das emissões brasileiras e 20% mundiais, explicou Márcio Santilli, um dos coordenadores do ISA, uma das entidades do programa DTAT, durante o painel “Mudanças climáticas: causas e consequências”. “Reverter esta tendência implica em mudar a forma de produzir, substituir o uso do combustível, fazer uma revolução desde as grandes indústrias até os consumidores ou comunidades. Os povos que não causaram o problema, mas atualmente também estão implicados nisso”, explica.
Para Maurício Paixão, do Centro de Cultura Negra do Maranhão, esse é o principal desafio: fazer com que as comunidades percebam que o que acontece em outros estados, no meio urbano acaba afetando direta ou indiretamente a vida deles. “Na região do Baixo Parnaíba (MA) os antigos contam que o volume do rio diminuiu, as pessoas reclamam de doenças de pele por causa do calor, até as arvores frutíferas tem um sabor diferente”, relatou.
“O impacto será para todos, mas sem dúvidas os pobres sofrerão mais”, alertou Irmã Delci Franzen, assessora da Comissão Episcopal Pastoral para o Serviço da Caridade, da Justiça e da Paz, uma das convidadas do mesmo painel. Várias áreas serão impactadas e precisarão de investimentos para as populações conseguirem se adaptar. São os chamados “refugiados do clima”, populações que migram de seus locais de origem por conta de mudanças no clima, como severas secas. “Estima-se que haverá até o fim do século 150 milhões de refugiados climáticos. Precisamos de mudanças concretas o modelo econômico atual, que está ligado à degradação do meio ambiente. É necessária uma resposta coordenada, a sociedade civil e as religiões tem um papel fundamental nisso”, contou Delci. Os povos tradicionais tem uma responsabilidade grande no sentido de trazer saberes milenares para este contexto de crise e isso implica em uma postura política, na opinião de Delci. “A luta social e a climática é uma só”.
A preocupação com os outros biomas também este presente na Oficina. José Ribamar, agricultor e membro do Centro de Defesa e Promoção da Cidadania de Santa Quitéria (Maranhão) lembrou que “enquanto todos só olham para a Amazônia, as empresas estão migrando para outros biomas e desmatando e estes biomas nem tem espaços nas discussões de mudanças climáticas”.
Políticas climáticas
O Brasil estipulou na Conferência do Clima em Copenhague que iria diminuir entre 36 a 38% das emissões de gás carbono até 2020. Contudo, a sociedade civil não sabe como o governo chegou a esse número. “Não houve transparência no processo de elaboração do Plano Nacional de Mudanças Climáticas”, disse Guarany Osório um dos participantes do debate “Políticas Climáticas no Brasil”.
A Legislação Nacional de Mudanças Climáticas tem um vínculo com o debate internacional. O Brasil desenvolveu o Plano Nacional de Mudanças Climáticas em 2008 antes mesmo de implementar a Política Nacional de Mudanças Climáticas e o Fundo Nacional de Mudanças Climáticas (elaborados em 2009). “Para se traçar uma meta é preciso ter um inventário de emissões, mas ainda não temos. É necessário esclarecer muita coisa. O governo restringiu a participação da sociedade à consulta de planilhas em sites oficiais. O processo precisa ser participativo e não consultivo”, cobrou Guarany.
Adaptação e compensações
O foco deve ser as ações de adaptação com base em percepções do cotidiano. “E nisso os maiores especialistas são as comunidades tradicionais, que convivem com a natureza de forma intensa. É urgente a necessidade de trabalhar com adaptação e evitar a tendência de subestimar os problemas atuais e superestimar os problemas futuros”, apontou Glauco Kimura de Freitas, especialista em Recursos Hídricos da Organização Não-Governamental (ONG) WWF-Brasil, participante do painel “Impactos das mudanças climáticas para as comunidades locais e os desafios de adaptação”.
Para Marcelo Calazans, coordenador da FASE (ES), a política de compensações, como o Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação (REDD), é uma falsa solução para o problema. “Pode encher os biomas de REDD que não irá solucionar os problemas do clima. Se por um lado a empresa banca REDD aqui na Amazônia por outro continua a emitir na Europa. Vai se manter o mesmo padrão de consumo e desenvolvimento. As soluções para o clima não podem manter a mesma lógica de consumo. O problema é que o acesso ao debate é muito difícil, as siglas, os contratos são em inglês, o linguajar técnico”.
Rubens Gomes, presidente do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), pondera que a questão está posta e que as comunidades precisam se capacitar para participar e influenciar o debate. “Essa pode ser uma oportunidade de garantir territórios, a regularização fundiária, o acesso a assistência técnica e crédito.” O GTA criou o Observatório do REDD para que as comunidades tenham mais controle em relação aos processos.
Daniel Souza, um dos coordenadores da Malungu Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (PA) outra organização do DTAT, disse que há muita desconfiança por parte das comunidades em relação ao REDD. “Nós precisamos conversar muito ainda, saber direitinho para não sermos passados para trás. Temos que deixar bem claro o que queremos e usar nosso conhecimento”, relatou.
Luís Moura, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), uma das organizações do DTAT, se mostrou preocupado com o tom econômico do debate em torno do REDD. “Até que ponto o debate catastrófico não vem para legitimar um atropelamento da construção de uma política de compensações de fato soberana das comunidades. É o que eu acho que acontece com o REDD, que veio forte atropelando, como algo imposto de fora para as comunidades”, ponderou
Um dos principais problemas dos mecanismos de compensações, na opinião de Marcelo Calazans, é justamente o fato de ao bancar um projeto de REDD, as empresas ganham a permissão para continuar a emitir carbono em seu país. “A solução é reduzir as emissões já que os efeitos são globais, não adianta se a multinacional continua emitindo lá na Europa”.
“A opinião da via-campesina é que não existe compensação, não há como compensar, os países que poluem tem que diminuir suas emissões, há uma divida ecológica muito grande desses países e eles devem se responsabilizar por isso”, opinou Luís.
Avaliações
“Não me sinto mais sozinho na luta, agora entendo o processo e a luta é mais ampla do que eu pensava”, disse José Carlos Nascimento, do município de Acará (PA), Comunidade Quilombo Guajará, coordenador da Malungu (PA). De acordo com José Carlos foi possível perceber que cada setor trata da questão de uma forma, voltada para seus interesses. “As comunidades que agora já vivem as consequência a visão é de proteger ainda mais os territórios. Por isso vamos levar o que foi discutido para as comunidades com exemplos práticos”.
“Esta oficina nos proporcionou conhecimento para dialogar com os políticos da nossa região, foram dois dias que nos trouxeram muitos elementos para podermos debater nas comunidades e fora delas”, avaliou Maurício Paixão, do Centro de Cultura Negra do Maranhão. Para Nilo Rodrigues, líder Guarani do Paraná, as mudanças já são percebidas no dia-a-dia das populações indígenas, “agora é colocar o que foi aprendido em prática e repassar aos demais companheiros de luta”, disse Nilo.
Para Kátia Santos Penha, do Quilombo Divino Espírito Santo (ES) a oficina organizou as informações em relação ao tema. “Agora ficou mais claro para falar com meus companheiros na base, o tema em si não é novo, mas as siglas e linguagem sim. Mas nós vamos aprender e nos organizar para lutar por nossos territórios”, contou.
Para os participantes se aprimorarem ainda mais em relação ao tema, o programa Direito a Terra, Água e Território (DTAT) realizará, em agosto, o seminário “Defesa do Território das populações tradicionais como estratégia de enfrentamento das mudanças climáticas”, na Comunidade da Prainha do Canto Verde (CE). O pescador Beto enfatizou o objetivo do programa : “ou garantimos o nosso território, com terra, água, recursos naturais ou teremos muitas dificuldades, esse deve ser a nosso direção”.
Bianca Pyl é jornalista
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