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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Copenhague: mais do mesmo

Não quero engrossar o coro dos descontentes, mas, já engrossando, prometo ser breve ao aliviar aqui todo meu imenso descontentamento com a cúpula de Copenhague. E o farei recuperando um texto que escrevi em abril de 2007. Afinal, nada melhor do que criticar uma reunião que não produziu nada de novo com um texto velho: eis a triste atualidade de nossa histórica incompetência.

Duvido
A essa altura não há muito mais o que se falar sobre o que estamos fazendo com a natureza. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) das Nações Unidas traçou o mapa da desgraça que o “progresso” humano provocou e ainda vai provocar no planeta. Mesmo se parássemos de queimar combustíveis fósseis neste segundo, a tragédia continuaria, no mínimo, pelos próximos cem anos.
Mas esse é o único planeta que temos. E todos sabemos e não sabemos que destruímos dia após dia o meio ambiente. E sabemos e não sabemos os passos para amenizar a degradação. Por exemplo, praticando a simples e indolor coleta seletiva do lixo. É senso comum também que o consumismo destrói o planeta. Todo mundo e ninguém pára pra pensar no potencial destrutivo de cada aquisição feita no mercado da esquina. O sonho de nove entre dez pessoas é ter um veículo particular. Os governos continuam mirando seu crescimento econômico no modelo que, além de pobreza, causa tempestades, degelo das calotas polares, inundações. Todos queremos viver como nos Estados Unidos ou na Europa, com aquele padrão de vida maravilhoso, ignorando ou esquecendo que não há recursos naturais suficientes para isso.
É ilusão pensar que as pessoas – eu, você, o vizinho – vão deixar de lado as facilidades da vida contemporânea para preservar o próximo século de um planeta que não vão mais habitar. Mesmo com esse alerta estarrecedor do IPCC. Talvez se a ciência descobrisse a fonte da vida eterna, quem sabe o egoísmo falaria – como sempre fala – mais alto. Como não há chances de que isso aconteça a curto, médio ou longo prazo, precisamos de uma mudança radical, principalmente na economia.
Capitalismo rima muito bem com prosperidade, aviões, arranha-céus, indústrias produzindo a todo vapor, mas não com natureza. Preservar o planeta no capitalismo custa muito dinheiro, portanto, reduz o lucro, portanto, está fora de cogitação para os donos da bola. Veja nas prateleiras: produtos ecologicamente corretos são bem mais caros que os convencionais e estão fora do alcance da maioria da população.
Mas dinheiro é bom. Quem tem adora, pode comprar um monte de coisa. Carne, por exemplo. Tudo bem, vai, nem precisamos de tanto dinheiro assim pra comprar carne. E ninguém vai parar de comer, seja filé mignon ou acem. Mas o rebanho bovino – comendo, arrotando e peidando sem parar – está entre os maiores emissores de gases causadores do efeito estufa. Isso sem contabilizar as árvores que caem para que existam pastos. Aquele bifinho vistoso entre o arroz e feijão do almoço esconde uma boa parcela de culpa pela tragédia do planeta. Agora, que atire a primeira pedra quem vai abdicar do churrasco no final de semana, ou do PF disputado que divide um dia cansativo de trabalho.
Depois, sem essa de carro. Vamos todos de busão, de metrô, de bike, mesmo quem pode comprar um BMW. Sim, vamos. Até pegarmos um dia chuva e calor, como os do verão paulistano. O buzum lotado, todas as janelas fechadas, o tráfego parado, a temperatura nas alturas, a galera suando a cântaros.
Como é que você vai se apresentar pro seu chefe desse jeito? E o cliente, o que vai achar das marcas de suor no entorno do seu sovaco? E como levar a mala com as roupas pra academia depois do expediente? Tá, você promete que vai colocar um bom catalisador no escapamento do seu carro. Até chegar a hora de trocá-lo, dali uns cinco anos. Vai pesar no bolso, tem as despesas extras das crianças, aquela comprinha em que você gastou demais, a viagem tão planejada. Como é que fica?
Então. Vamos supor que você vai se esforçar muito e sacrificar suas preferências gastronômicas em nome do bem-estar da natureza. Beleza, você resolve parar de comer carne. E o substituto mais eficiente de proteínas é a soja, claro, a preferida dos naturebas. Então você troca a picanha pela carne de soja, o leite da mimosa pelo leite de soja. Louvável. Mas a soja é a maior responsável pela expansão descontrolada da fronteira agrícola no Mato Grosso e outros estados da Amazônia Legal. Pra plantar, tem que desmatar. E o desmatamento, você sabe muito bem, também está entre os maiores promotores do efeito estufa, é inclusive a maior contribuição que o Brasil dá para o aquecimento global.
O resultado de tudo isso, já sabemos. Algumas empresas vão lançar cada vez mais campanhas publicitárias dizendo que defendem o meio ambiente, que usam papel reciclado e contribuem com o Greenpeace. Talvez até coloquem em seus comerciais de TV algumas imagens dos militantes verdes se lançando contra baleeiros japoneses no Pacífico.
Depois você vai perceber que às vezes as corporações gastam mais na propaganda das bem-feitorias do que nas bem-feitorias propriamente ditas. Ganham, assim, mais clientes, aqueles preocupados com a natureza, enquanto emprestam dinheiro pras indústrias que inevitavelmente vão poluir a atmosfera.
Proteção ambiental vai também virar plataforma de políticos que, nas próximas eleições, não pensarão duas vezes em despolitizar a questão para ganhar votos.
As emissões, claro, serão reduzidas, mas só até onde o sistema aceitar, só até onde nossas mordomias permitirem. É insuficiente, claro. A batata-quente – e cada vez mais quente – está com os incluídos, os que movimentam a máquina, os que gastam, que consomem, que poluem. Eles vão abdicar do carro, do churrasco, do ar-condicionado, da piscina? Eu vou? E você, vai?

Tadeu Breda é jornalista. latitudesul.wordpress.com

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