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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 18 de abril de 2011

A culpa é do gandula de 1950

O “se” não joga, costumam dizer os entendidos em futebol nas mesas redondas de domingo. Pode até ser verdade, mas para mim é impossível não pensar nas possibilidades que, a todo momento, são descartadas no jogo da vida quando tomamos uma decisão.
Escolhi ir trabalhar de carro e não de ônibus, e todas as circunstâncias que acarretaria minha viagem coletiva passam a não existir. Posso ter evitado ser vítima de um assaltado ou de um atropelamento na rua; ou eu não teria batido o carro, e o pobre sujeito em quem bati não teria perdido o avião (e talvez um negócio ou um encontro).
O que mais me fascina quando começo a pensar nisso é que muitas vezes as decisões que alteram nossas vidas não estão em nossas mãos. Exemplifico:
Pedro e Ana são meus amigos. Eles se conheceram na faculdade, se apaixonaram, se casaram e Maria está a caminho. Simples, né? Não. Se o pai de Pedro não tivesse sido mandado embora do emprego e decidido mudar de cidade (há 30 anos), aquela história de amor jamais existiria. E se o pai de Ana não tivesse esquecido o RG no dia do concurso público, ele teria passado (porque estudou muito) e toda a família ido embora da capital. Mais uma vez, o encontro de Ana e Pedro – e o consequente nascimento de Maria – seriam apenas mais uma daquelas infinitas possibilidades que nunca se concretizaram. Tem mais.
Pedro só entrou na faculdade na segunda chamada. Se duas pessoas não tivessem desistido, ele teria feito mais um ano de cursinho. Talvez tivesse conhecido a Flávia e agora quem estaria a caminho seria o Lucas. A Ana só escolheu fazer medicina por imposição do pai. O negócio dela é arte, queria ter feito arquitetura. Se ela tivesse enfrentado a família, a Maria não estaria hoje chutando sua barriga. Talvez ela tivesse hoje casada com o sujeito em quem eu bati o carro (arquiteto Jorge Rabelo, diz o cartão dele).
Viram a complexidade da coisa?
Caros leitores, não quero deixa-los preocupados, mas nosso destino é um mero acaso. Um segundo a mais ou um a menos e tudo seria diferente, inclusive este texto.
Se o gandula da final da Copa de 1950 tivesse retardado um pouco mais (ou acelerado) a reposição da bola, aquela redonda de couro não teria chegado aos pés de Ghiggia daquela maneira. Ele não teria acertado aquele chute rente à trave do pobre Barbosa e o Brasil seria campeão mundial em cima do Uruguai (imagina a festa que não seria neste país). Consequentemente, meu avô não teria brigado no bar naquela noite, levado uma garrafada na cabeça e nunca teria conhecido minha avó, enfermeira que o atendeu no hospital. Provavelmente ele teria se casado com a avó da Ana (a futura mãe da Maria), que sempre ficava olhando para ele no portão (e era correspondida, segundo consta). Se assim fosse, minha mãe não teria nascido, eu não existiria e, por consequência, este texto nunca teria sido escrito.
Agora, imagina o que o ato desse desconhecido gandula não gerou lá no Uruguai? Talvez um funcionário dos Correios metido a escritor esteja agora rascunhando um texto que conta como seus avós se conheceram nos festejos do título Mundial de 1950, em Montevidéu. Deve estar louvando os pés de Ghiggia, sem saber que o responsável pelo Maracanazo e pelo consequente casamento dos seus avós (e dos meus também) é um anônimo apanhador de bolas.

Henrique de Melo Sabines, mineiro, 30 anos, trabalha na ECT e se dedica à astronomia nos fins de semana. Fã de Drummond, começou a escrever por recomendações médicas. É um dos autores do espaço Cronetas no NR.

Um comentário:

Anônimo disse...

E se esse gandula tivesse ficado doente no dia da final e fosse substituído por outro?

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