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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 4 de maio de 2011

A evolução do bullying e da catapora

Durante várias semanas, meu filho chegou da escola triste e mau-humorado. Dizia que o dia tinha sido ruim, não queria falar sobre o que tinha aprendido – como a gente sempre fez desde que ele começou a falar. Era péssimo sair de um dia duro de trabalho, buscar o pequeno e não encontrar um sorriso, um abraço. Sempre a cara fechada, sempre irritado. Comecei a insistir nas perguntas e ele enfim disse que estava apanhando de uma menina. Apesar de ser da idade dele, ela é muito maior e mais robusta. Conversamos com ele, chegamos a fazer uma reunião em casa: eu, o pai e o padrasto. Ele dizia que a professora não via, que não podia bater de volta porque ela é menina. Então resolvi mandar um bilhete na agenda, pedindo ajuda para a professora. Eu sempre adotei a política do “te vira”. Nunca interferi em brigas da molecada, sempre deixei que ele resolvesse suas questões, batendo ou apanhando. O problema é que a mãe da menina era cuidadora da escola e ficava sozinha cuidando deles. Resumindo: a agenda dele sumiu, disseram que foi encontrada no lixo, que a mulher realmente não sabia “separar as coisas” e num instinto arranquei ele da escola e coloquei em outra em um dia. Meu filho sofreu bullying? A definição do termo inglês fala em “violência física e psicológica”. Então sim, né? A reação desta mãe em surto foi pedir licença no trabalho, visitar escolas e me endividar. Não queria esperar que algo ruim acontecesse. Escutei coisas do tipo: “ Calma, não estamos lidando com loucos, não seja radical”. Mas eu sempre me lembro de uma frase que ouvi quando cobria o caso Pimenta Neves: “Ninguém é assassino até matar a primeira pessoa”.

Pouco caso
Eu contei isso aqui não só porque foi o surto da vez, mas porque há algum tempo eu percebo um movimento sutil, quase inconsciente, para minimizar o bullying. Ouvi várias frases como “Todo mundo apanhou na escola, mas não tinha esse nome bonito”. Ou “Nos anos 80 a gente era zuado na escola mas ninguém virou assassino”. Opa! Nem vou entrar no episódio de Realengo. Ou falar dos vários nerds que entraram atirando em escolas nos Estados Unidos. Também não vou lembrar casos de psicopatas, depressivos, suicidas que relataram ter sofrido agressões na escola. Eu trabalhei na editoria de cidades e frequentemente via histórias de bullying que acabavam mal. Crianças que levaram armas para a escola porque não aguentavam mais serem alvo de chacota, meninas que foram machucadas, presas em suportes de televisão, muitas coisas cabeludas. O bullying hoje evoluiu. Mais ou menos assim: lembra de quando catapora era uma doença infantil? A gente pegava e passava. Hoje catapora mata. O saldo final no caso do meu pequeno, foi muito feliz. Ele ama a escola nova, chega em casa cheio de novidades todos os dias. Mas ainda está resolvendo algumas questões. Ontem mesmo ele disse: “Mãe, vou vomitar meu coração partido”. E eu entendi tudinho.

Andrea Dip, jornalista, colunista do NR e Mãe em Surto

5 comentários:

marina amaral disse...

Andrea,
Fiquei muito comovida com a frase do seu pequeno. Ainda bem que a sua sensibilidade como mãe não falhou.Espero que também você possa vomitar seu coração partido...beijo grande

Ligia disse...

Concordo contigo Andrea, quando diz que querem minimizar o bullying, acho até que sou uma delas... por outro lado, vejo uma valorização desnecessária, como desculpa para qualquer ação radical. Não sei, acho que no mínimo é pra se pensar. Valeu o texto!

Natalia disse...

Tenho a impressão que algumas pessoas super valorizam a história de bullying e, exatamente por isso, outros banalizam, tratam como se fosse uma coisa inexistente, ou sem importância. E no fim, raramente tem a atenção necessária. Não sou mãe, mas acho que sua atitude foi linda. Penso que, se um dia eu passar por algo parecido, vou lembrar desse texto e me inspirar nele pra decidir como agir. beijos :)

Fabi disse...

Déia, que história... Não sabia que isso tinha acontecido...
O Davi é muito sensível, né? "Vou vomitar meu coração partido". Coisa linda!
Beijos,
Fabi

Juliane Rocha disse...

Andréia, em primeiro lugar, parabéns pelo texto. E mais ainda, pela atitude. Eu não tenho filhos, mas tenho sobrinho, afilhados e amigas com filhos. E eu vejo mães que amam seus filhos, mas que não estão tão atentas às sutilezas do comportamento da criança como você. Bullying virou assunto da moda. Fala-se muito. Age-se pouco. Principalmente com eficiência. Mas o mais importante de tudo é sua vitória como mãe que não só mudou seu filho para um ambiente mais saudável como também conquistou a confiança incondicional dele para o diálogo. Isso é raro nos tempos de hoje. Parabéns!

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