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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

domingo, 25 de março de 2012

Pinheirinho. Depois.

Na última semana completaram-se três meses da invasão e reintegração de posse da área conhecida como Pinheirinho em São José dos Campos. Ontem e hoje você tem uma uma retrospectiva do ANTES e DEPOIS em fotos e textos do fotógrafo Victor Moriyama.


Bombas de gás lacrimogênio e de efeito moral, armas de fogo e granadas não são as melhores lembranças para se guardar na memória de uma criança. Mas foi assim a reintegração de posse do assentamento Pinheirinho, em São José dos Campos, interior de São Paulo que aconteceu sorrateiramente na manhã do Domingo de 21 de Janeiro de 2012.

Tida pelo alto escalão da Polícia Militar do Estado como uma operação "perfeita", seus desdobramentos sociais se iniciaram a partir da saída imediata das aproximadas 5.000 famílias que viviam no local.

A manhã que sucede o dia D numa guerra nunca é bela, e naquele domingo não poderia ser diferente. O cinza do céu parecia descer sobre a terra e o sol definitivamente não apareceria. Grupos de ex-moradores do assentamento ainda arremessavam pedras nos policiais militares que reagiam com balas de borracha.

Se um grupo de mais de três jovens se reunissem nas intermediações do Bairro Campo dos Alemães, região colada ao Pinheirinho e tida pelo poder público como o reduto do tráfico de drogas na cidade, era motivo de revista por parte da PM e esculacho na frente da população.

No decorrer do dia, inúmeros carros e prédios públicos foram incendiados por rebeldes. Grupos de ex-moradores do assentamento se espalhavam pelas sombras das árvores e boa parte rumava para a Igreja do Bairro que abrigaria nos próximos dias boa parte da população do assentamento.

A prefeitura por sua vez disponibilizou de imediato dois conjuntos poliesportivos para servir de moradia provisória as famílias sem-teto. No início da semana que sucedeu a descoupação do assentamento, o número de famílias habitando estes abrigos era elevado.

Colchões se amontoavam em quadras de basquete, filas de espera de horas para o banho, crianças berrando em busca de consolo, e um cheiro indescritível de seres humanos amontoados imperavam as sensações naquele local.

O calor já elevava a temperatura em quase 40 graus e as famílias saiam para fora das quadras em busca de uma sombra para descansar. Cachorros, galinhas, patos e gatos também integravam a bagagem daquelas pessoas e se acomodavam da melhor forma no novo lar.

A noite foi longa. Mães discutiam e reclamavam dos gritos estridentes dos bebês e a impossibilidade de se ter uma noite tranquila de sono. O silêncio necessário para o repouso daqueles que vão acordar cedo para trabalhar parecia ser um luxo muito distante daquelas pessoas.

As noites de verão tem o clima agradável e aquela não era diferente, fazia as crianças brincarem até a exaustão. Pergunto para uma delas, que bebe água desesperadamente no bebedouro público, o que estava entendendo daquela situação e se sentia saudades do Pinherinho: “Aqui está super legal, parece acampamento, tem um monte de amigo e a gente brinca o dia todo.”

Para uma criança de 9 anos, como a Jeniffer, aquela situação de caos social parecia mais uma colônia de férias. São 05:45 am, e a noite havia sido longa e exaustiva. Os roncos se misturavam ao choro das crianças e a conversa com uma moça que trabalhava no local havia sido bastante produtiva. Observo que apenas 7 ou 8 pessoas, dentre aproximadamente 300 instaladas no local, se levantam para ir trabalhar e me pergunto o que as outras farão ao longo do dia.

Não tardo a descobrir que a maior parte passaria o dia estirado nos colchões confabulando sobre o episódio passado de desocupação sem outras preocupações. O sol brilha forte e percebo que chega e é hora de ir dormir.

Antes de partir uma cena me chama a atenção em frente a uma montanha de roupas vindas de doações: “Essas roupas estão bem piores que as minhas” diz uma moradora e indago para ela sobre trabalho: “Eu não vou me sujeitar e me humilhar para este sistema”, me calo e lembro da miséria que vi no Haiti. Para mim é suficiente, o pernoite no alojamento havia rendido bons frutos.

Victor Moriyama, 26 anos, é repórter fotográfico do Jornal O Vale, em São José dos Campos, cidade que reside atualmente. Mantém a coluna mensal Fotógrafo-escreve.

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