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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 31 de maio de 2013

O que me comove?


por Júnia Puglia  ilustração Fernando Vianna*

Este valente arbusto, que todo mês de maio reveste-se inteiro com um véu de delicadas flores brancas. O surto de grávidas ao meu redor, cada qual com uma expressão mais luminosa que a outra. Pernas e braços enroscados, nós dois ocupando metade do espaço da cama, e o silêncio. Os oitenta anos da minha mãe, feliz como uma debutante.

“Janela da alma”, do João Jardim, que chega a doer de tão bonito. Afeto gratuito e espontâneo. O senhor centenário ao meu lado na grande mesa de almoço, há poucos dias, me chamando de menina e me contando que toma duas doses diárias de uísque e vive pensando no futuro. Um diálogo inesperado e profundo, via computador, com gente querida que não vejo há muito tempo. Caminhar sem destino por lugares que me surpreendem. Pensar na minha própria velhice.

Cantar o Hino Nacional num grande auditório cheio. O documentário “Questão de gênero” sobre transexuais. “Amor e seu tempo”, do Drummond, e “Casamento”, da Adélia Prado. Lembrar da infância nos tórridos verões de Lins. Pensar que tudo já me foi tão mais doloroso. Ir à casa da minha filha. Ter visitado Praga com o meu filho. Uma certa história sobre Higienópolis contada pela Cidinha da Silva. O vídeo “Me gritaron negra”, com Victoria Santa Cruz, em preto e branco.

“Noite sobre Alcântara”, de Josué Montello. Quase tudo, na voz de Maria Bethânia. Pessoas queridas que morrem. Ter assunto com gente muito mais jovem que eu. Fotos dos sobrinhos-netos branquelos. O sol iluminando as orquídeas no meio da exuberância verde do sítio das amigas em Pirenópolis. A luta da comadre contra a maldita depressão. Hospedar pessoas amadas. A curva do mar no Arpoador.

Pensar que você me lê, numa tela iluminada, em algum lugar por aí. O que te comove?

*Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo. Ilustração de Fernando Vianna, artista gráfico e engenheiro, especial para o texto.

3 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

Saúde depois dos 40. Isso me comove! Bjs, Carlos.

Anônimo disse...

Parece que estou ouvindo o grito de silêncio da alma. É possível ? Pois é essa sensação que você transmite. Fantástico !
BEIJOS DA MUMMY DIRCIM

Anônimo disse...

Família, amigos queridos como você e a vida que, como já dizia o poeta, "É bonita e é bonita"! FF

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