Começaria por dizer que, exatamente aqueles que se vangloriam de nada ter a ver com o que se passa à sua volta, serão – muito provavelmente – os que mais facilitam a ação dos inescrupulosos, dos pusilânimes, dos bandidos em pele de cordeiro. Viver em sociedade não nos exime de responsabilidades, não é uma atitude de vontade própria, egoísta, ensimesmada, mesmo que tenhamos a ilusória sensação de que isso seja possível.
Trazendo o pensamento para o atual momento político brasileiro é possível, com maior clareza ainda, entender o significado da premissa.
Quantos cidadãos brasileiros, por exemplo, se vangloriaram nos últimos anos em apontar o dedo acusador para adversários políticos com a convicção de que – ao fazê-lo – não só clamavam por justiça contra alguma iniquidade, mas também se colocavam como arautos da moralidade em defesa da decência, da ética, da justiça social, das liberdades fundamentais do ser humano, da democracia?
Nessa ótica, não só o cidadão comum, mas também – e principalmente – os que detêm cargos públicos, como políticos, homens e mulheres que devem zelar pelo cumprimento das leis, formadores de opinião ou que assim se julgam; religiosos dessa ou daquela denominação, jornalistas e proprietários de conglomerados mediáticos, têm trocado o pé pelas mãos e dado, por meio de palavras e atos, inequívocos exemplos de desatenção ou mesmo de má fé com o exercício mais responsável de sua função social.
Demóstenes Torres |
O desenho dessa caminhada, de origens mais remotas, colonialistas, foi ‘enriquecida’ pela violência repressiva da ditadura de 64/68 e desaguou numa retomada democrática mantida sob o tacão do poder econômico e sustentada por um setor ruralista conservador e reacionário, pela aceitação pura e simples do modelo econômico neoliberal e com o apoio de um poder judiciário classista e de uma imprensa comprometida com o atraso. Alie-se a isso a mesmice e a submissão entreguista de parte da nossa elite cultural.
Demóstenes, o probo, o ético, o supostamente incorruptível, homem de duas caras, mantinha – pelas provas apresentadas até agora – ligações com o representante da Revista Veja em Brasília, essa tradicional e impoluta bandeira da imprensa livre nacional, praticante do jornalismo responsável e também ético. Juntos, Demóstenes e o diretor da sucursal de Veja no DF frequentavam escritório e restaurantes com o ‘empresário’ (afinal, o Crime Organizado pode ser também uma empresa) Carlinhos Cachoeira e nesse mundo de trambiques, negociatas, ameaças, espionagem, chantagens, o país ‘aprendeu’ a pensar a sua realidade política sob a ótica da falsa moralidade, invertendo o fiel daquela balança que já nos acostumamos ver na simbólica imagem da Justiça.
Carlinhos Cachoeira |
Bandidagem que não se localiza só em Goiás, no Distrito Federal ou em São Paulo, mas permeia quase todo o território nacional. Com o que se vai apurando nas investigações da Polícia Federal, quem é que vai atirar a primeira pedra? Ainda somos suficientemente idiotas para acreditar nas imagens que vemos em alguns telejornais, noticiários radiofônicos e textos de revistas e jornais.
CPIs disso e daquilo, em ano de eleições? Para quê? A quem querem continuar enganando, se no meio dessa arena enlameada já não conseguimos distinguir os lobos dos cordeiros?
Izaías Almada, dramaturgo e escritor, colunista do NR. Lancou seu novo romance, Sucursal do Inferno, editora Prumo.
* A coluna Revoltas Cotidianas, de Fernando Evangelista, está em férias. Voltará em maio.
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