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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 17 de abril de 2012

Congresso, imprensa e bandidagem...

Passou a semana santa, boa semana também para as reflexões. Estas, cada vez mais necessárias nos dias que passam. Dentro de casa, na escola, no trabalho, na nossa cidade, no nosso país, no mundo. Viver no vai da valsa, como muitos gostam de fazer, pode até causar aquela sensação de bem estar, tão ao gosto dos que afirmam de boca cheia: “eu não tenho nada a ver com isso!” Mas...

Começaria por dizer que, exatamente aqueles que se vangloriam de nada ter a ver com o que se passa à sua volta, serão – muito provavelmente – os que mais facilitam a ação dos inescrupulosos, dos pusilânimes, dos bandidos em pele de cordeiro. Viver em sociedade não nos exime de responsabilidades, não é uma atitude de vontade própria, egoísta, ensimesmada, mesmo que tenhamos a ilusória sensação de que isso seja possível.

Trazendo o pensamento para o atual momento político brasileiro é possível, com maior clareza ainda, entender o significado da premissa.

Quantos cidadãos brasileiros, por exemplo, se vangloriaram nos últimos anos em apontar o dedo acusador para adversários políticos com a convicção de que – ao fazê-lo – não só clamavam por justiça contra alguma iniquidade, mas também se colocavam como arautos da moralidade em defesa da decência, da ética, da justiça social, das liberdades fundamentais do ser humano, da democracia?

Nessa ótica, não só o cidadão comum, mas também – e principalmente – os que detêm cargos públicos, como políticos, homens e mulheres que devem zelar pelo cumprimento das leis, formadores de opinião ou que assim se julgam; religiosos dessa ou daquela denominação, jornalistas e proprietários de conglomerados mediáticos, têm trocado o pé pelas mãos e dado, por meio de palavras e atos, inequívocos exemplos de desatenção ou mesmo de má fé com o exercício mais responsável de sua função social.

Demóstenes Torres
Ao tomar conhecimento do criminoso conluio entre um senador, um bicheiro e o diretor da revista Veja em Brasília, a sociedade brasileira pode agora sintetizar neste caso emblemático o lamaçal institucional em que se envolveu o país desde a derrubada do governo democraticamente eleito em 1961, cujo vice-presidente, João Goulart, acabou no exílio e supostamente assassinado.

O desenho dessa caminhada, de origens mais remotas, colonialistas, foi ‘enriquecida’ pela violência repressiva da ditadura de 64/68 e desaguou numa retomada democrática mantida sob o tacão do poder econômico e sustentada por um setor ruralista conservador e reacionário, pela aceitação pura e simples do modelo econômico neoliberal e com o apoio de um poder judiciário classista e de uma imprensa comprometida com o atraso. Alie-se a isso a mesmice e a submissão entreguista de parte da nossa elite cultural.

Demóstenes, o probo, o ético, o supostamente incorruptível, homem de duas caras, mantinha – pelas provas apresentadas até agora – ligações com o representante da Revista Veja em Brasília, essa tradicional e impoluta bandeira da imprensa livre nacional, praticante do jornalismo responsável e também ético. Juntos, Demóstenes e o diretor da sucursal de Veja no DF frequentavam escritório e restaurantes com o ‘empresário’ (afinal, o Crime Organizado pode ser também uma empresa) Carlinhos Cachoeira e nesse mundo de trambiques, negociatas, ameaças, espionagem, chantagens, o país ‘aprendeu’ a pensar a sua realidade política sob a ótica da falsa moralidade, invertendo o fiel daquela balança que já nos acostumamos ver na simbólica imagem da Justiça.

Carlinhos Cachoeira
Os porões da espionagem e do crime organizado filtravam e canalizavam seus interesses para a revista semanal de maior tiragem (dizem) e dali fazia-se a cabeça do brasileiro médio, não muito afeito ao exercício do pensamento crítico, já que sua vida passa por dificuldades financeiras, telenovelas de conteúdo cultural sofrível, violência nas grandes cidades e não só, noticiário tendencioso e mesmo mentiroso a respeito de algumas das grandes questões nacionais, a tal ponto que boa parte da esquerda e de liberais progressistas caiu na arapuca da bandidagem.

Bandidagem que não se localiza só em Goiás, no Distrito Federal ou em São Paulo, mas permeia quase todo o território nacional. Com o que se vai apurando nas investigações da Polícia Federal, quem é que vai atirar a primeira pedra? Ainda somos suficientemente idiotas para acreditar nas imagens que vemos em alguns telejornais, noticiários radiofônicos e textos de revistas e jornais.

CPIs disso e daquilo, em ano de eleições? Para quê? A quem querem continuar enganando, se no meio dessa arena enlameada já não conseguimos distinguir os lobos dos cordeiros?

Izaías Almada, dramaturgo e escritor, colunista do NR. Lancou seu novo romance, Sucursal do Inferno, editora Prumo.

* A coluna Revoltas Cotidianas, de Fernando Evangelista, está em férias. Voltará em maio.

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