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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Coração materno

Pânico. Entrando no carro com aquela pacotinho bem embrulhado no colo, várias bolsas de viagem, meu marido do lado, o que eu sentia mesmo era pânico. O que seria daquela menina? Por que o hospital não entregava junto com ela uma enfermeira ou, pelo menos, um manual? Será que não dava pra ficar mais uns dias internada, uma semana, dois meses?

Cadê a felicidade dos comerciais de fraldas? A realização, a sensação de poder, a doçura, a disposição pra matar e morrer?

Nada disso. Tudo era cansaço, como se eu tivesse vivido noventa anos. Por que ninguém me avisou que era tão exaustivo? Quando vou dormir de novo? E essa dor, esse aperto na garganta, essa vontade de sumir? Era um padecimento sem nenhum indício de paraíso.

Muitos dias pra me acalmar. Nada parecia natural, mas brutal, amargo, sufocante. Quando mamava, ela me olhava, e eu chorava. Pensei tem que haver um jeito, não pode ser tão ruim. Aos poucos fui descobrindo.

O filho é uma pessoa. Já nasce sabendo muita coisa. Minha filha sabia que eu buscava desesperadamente um sentido, e me deu seus olhos, que me acompanhavam e me diziam que quando a gente se conhecesse melhor, tudo seria mais fácil. E foi. Com ela, e com o menino que veio depois – nasceu sabendo abraçar! – aprendi que minha incapacidade de me apropriar do mito do amor materno instantâneo e incondicional abriu-nos caminho para a conquista. Portanto, estamos aprendendo juntos, num processo que já teve de tudo um pouco e está longe de acabar, mesmo os dois já tendo passado dos vinte anos.

Esse papo de mães e filhos é interminável, porque foi transformado em algo tão complexo e equivocado, com cobranças e expectativas tão absurdas, que parece que ninguém mais sabe de nada. Nem eu sei, mas, se me permitem uma sugestão, acho que nos vermos uns aos outros como pessoas, indivíduos que trazem consigo uma enorme complexidade impossível de ser espremida dentro daquilo que se forjou como “amor de mãe” e “fazer tudo pelo filho”, pode abrir uma perspectiva mais verdadeira. E paro por aqui.

Júnia Puglia, cronista, mantém a coluna semanal De um tudo no NR.

12 comentários:

Carlos Augusto Medeiros disse...

A Júnia à Dostoiévski... tenso! Abraços, Carlos.

Anônimo disse...

Emocionante !Será que um dia vai acabar essa estória de amor materno pré-fabricado,criado pelos infindos pacotes de fraldas e noites sem dormir ? Haja mães, de verdade como tem acontecido com você , que saibam expressar sua alegria e felicidade até pelos momentos de sufoco e preocupação por que passam as verdadeiras mães. Eu,até hoje, chegando aos oitenta, ainda não consegui descobrir os segredos do " tão doce" caminhar lado a lado,levando no peito e no colo as esperanças de um bebê nos braços.

BEIJOS DA MUMMY DIRCIM

Anônimo disse...

Lindo, mummy Dircim. Pessoal, eu saí de dentro dela! Júnia

coresentrenos disse...

Filho não sai da gente, filho entra cada dia um pouquinho.
Estou emocionada e agradeço a oportunidade de conhcer vc e seus filhos.
Gosto, gosto muito de vocês. Dele um pouco mais pq. Vc deixou.
Bjos, bjos

Anônimo disse...

Lindo, Júnia!
É tão complexo, mesmo, que até cabem os comerciais de fraldas... choro com eles até hoje... assim como cabem a dor, o medo, a depressão... a alegria, enorme...
Beijo grande!
Carol

Anônimo disse...

Acabo de ver estampadas em palavras uma parte das muitas sensações que tive (meu marido também) e uma parte dos muitos questionamentos que fiz (ele também) quando meus filhos nasceram, também há mais de 20 anos.
Creio que estas palavras são ecos de uma situação imposta pela angelização e superumanização do papel do mãe.
Uma coisa experimento todos os dias: a alegria e o pânico da responsabilidade de ter posto no mundo um filho e uma filha que são gente, que tem necessidades, sonhos e esperanças. Espero estar contribuindo para que eles vejam a possibilidade das realizações dos sonhos e das esperanças ancorados numa educação doméstica digna deles.Márcia Ester

Shirley disse...

Tudo já está dito, querida Júnia. Acho que todas nós experimentamos essas sensações tão díspares, tão próximas, tão desesperadas... Essa relação com @s filh@s e a tarefa de educá-los e conduzi-los a um bom caminho é, pra mim, o maior desafio da vida, a mais difícil tarefa jamais imposta a alguém. E, por outro lado, vivemos isso com um amor tão desmesurado (aprendido, é claro) que as vezes chega a sufocar. Eu comecei dizendo que tudo já estava dito, e falei pelos cotovelos, como é meu feitio... :)
Sua mãe é uma coisinha fofa demais!!
Beijos,
Shirley

Anônimo disse...

Adorei! Lindo, sensível e sábio!!! Obrigada! Beijos Carla

Fernando Evangelista disse...

Maravilhoso!

disse...

Ju, eu não estava no Brasil quando a "minha" Ninoca nasceu, mas ela já morava no meu coração desde sempre! Somente agora fiquei sabendo a angústia que você passou! Queria ter estado perto, querida amiga, pra lhe dar meu ombro! Eu me solidarizo com sua perplexidade e, ao mesmo tempo, lhe agradeço os presentes maravilhosos que Nina e Tito foram e são na minha vida! Quando pequenos, nossos incontáveis finais de semana juntos - idas ao clube, brincadeiras na piscina, jogos de tabuleiro, lanches no McDonald's, cinema, festas juninas, o filme "A Noviça Rebelde", que o Tito já conhecia de cor... Hoje, uma saudade imensa daquelas crianças e o carinho e o amor de sempre!

Sara Eduarda disse...

A maternidade é realmente uma loucura! rsrsrsrsrs Não sou mãe, mas admiro e respeito esta exposição que muitas mulheres toparam fazer na vida, tornar-se responsável pela existência de outro ser, de outra pessoa a viver por esse planeta.

Anônimo disse...

Fico feliz que a minha reflexão tenha tido eco. Querer sair do senso comum é sempre um risco. Deixo registrada a minha profunda gratidão aos meus filhos, que me dão a oportunidade inestimável de viver tudo isso. Júnia

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