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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Sozinho e bem acompanhado

Há certas coisas contra as quais não vale a pena se insurgir. A atitude melancólica diante da vida é uma dessas. Invejo os que não a tem – porque é uma condenação -, mas já não luto contra.

Passei a aceitar que, nos momentos em que supostamente eu deveria, não sentirei a euforia que vejo nos outros. Falo mais especificamente de festas, celebrações e reuniões familiares. Nesses encontros, invariavelmente chega um momento em que me sinto só e que me pergunto por que não estou me divertindo como os demais.

Demorou, mas aos poucos me acostumei com a ideia de que não devo me sentir culpado. E duas admiráveis companhias me ajudaram a entender isso.

Gabriel García Márquez, apaixonado pela música e bom bebedor, escreveu certa vez:

“Sou um dos seres mais solitários que conheço, e dos mais tristes, ainda que pareça incrível... As pessoas do Caribe são muito assim, ainda que tenham fama de todo o contrário, de gregários, de eufóricos, de festeiros, mas você os vê em plena festa e estão com uns olhos de melancolia”.

José Saramago, que com fama de festeiro e boêmio, também era avesso a celebrações. Em seus Cadernos de Lanzarote fez uma linda declaração de amor a Pilar, mas o que me chama atenção nela é justamente sua introdução:

“As festas, em geral, põe-me melancólico. Mas no regresso dei por mim a dizer a Pilar: Se eu tivesse morrido aos 63 anos, antes de te conhecer, morreria muito mais velho do que serei quando chegar a minha hora.”

Caetano, Saramago e Jorge Amado na casa do
cantor, 1996. (Fundação Casa de Jorge Amado)
E Pilar, a mulher que fez Saramago rejuvenescer, contou que poucas vezes o viu desfrutar de uma festividade. Uma delas foi quando visitaram Salvador e, na casa dos Veloso, se reuniram com figuras como Jorge Amado e Zélia, Gil, Caetano e Dona Canô:

“Até José, pouco dado a reuniões grandes, que em situações como estas mais parece um cão perdido, esteve à vontade, descontraído, deixando correr o tempo, sem experimentar a terrível sensação de perda irreparável que tantas vezes, em ocasiões assim, se apodera dele.”

Enfim, isso de me sentir sozinho tendo ao lado tanta gente, muitas vezes pessoas que quero muito e que gosto de ter por perto, não é coisa só minha. Há gente muito mais sábia que eu que nunca pôde resolver esse mistério.

Não há remédio, é preciso conviver em paz com isso.

Portanto, se um dia estivermos em uma festa e eu pedir licença para ir ao banheiro ou para encher meu copo, e você me vir minutos depois vagando perdido, não se preocupe: não é a festa, tampouco é você, a questão é comigo.

Ricardo Viel, jornalista, escreve às segundas de Salamanca, Espanha

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