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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

TV contemporânea: mocinhos E bandidos?


por Maria Shirts     ilustração de estreia Camila Rocun*

Na semana passada comecei a assistir Breaking Bad. Segundo todos os amigos, a internet, os professores da faculdade e quiçá a Dilma, a melhor coisa desde o pão fatiado.

O seriado é, de fato, bem cativante. Apesar de já ter acabado nos Estados Unidos em setembro, ainda passa no Brasil no canal AXN todas as sextas às 22h. Quem tiver a assinatura pode assistir via Netflix também.

Pra quem não sabe, se é que alguém não sabe, a série trata da vida de um professor de química pra lá de mal pago que descobre estar com câncer terminal. Para ganhar um extra que possa deixar para a família (um filho com deficiência e uma esposa grávida), resolve fabricar cristais de metanfetamina.

Como um bom químico, o nosso protagonista Walter (Bryan Cranston) consegue produzir o melhor cristal da praça, que se diferencia dos outros pela cor azul. E assim segue o enredo vivendo sua dupla personalidade de pai exemplar da classe média americana e produtor de drogas pesadas. Por vezes não sabemos qual delas é pior.

Independente da trama, que é bem pensada e roteirizada, o que tenho achado mais interessante em Breaking Bad é a complexidade da personagem de Walter. Quer dizer, como “engolir” um professor de química classe média que opta pela vida clandestina e ilícita do tráfico? É no mínimo arrojado.

Mas por nenhum momento se questiona a verossimilhança dessa personagem. Ao contrário, torcemos cegamente por ele, sem colocar em xeque nossos valores morais e bons costumes. É como se a opção de ganhar um troco com o mundo da metanfetamina não fosse tão horrível assim, “ok, poxa, sempre vejo isso por aí.”

É verdade que a atuação de Bryan Cranston ajuda a convencer-nos da trama, tendo ganhado elogios até de Antony Hopkins (leia a carta de Hopkins a Cranston).

De qualquer forma, já tem um tempo que comecei a reparar nessas personagens ambíguas dos programas contemporâneos. Não sei se é uma particularidade das novas tramas. Mas me parece ser um recurso cada vez mais popular.

É o caso, por exemplo, do vilão da novela Amor à Vida, ainda em exibição no horário nobre da Rede Globo. O Félix (Mateus Solano) carrega o mal em praticamente todas as suas ações. Deixou a sobrinha numa caçamba quando ainda recém-nascida, internou a irmã num hospício barra pesada, chantageou pessoas para chegar à presidência da empresa da família… entre outras peripécias dignas de um vilão da Rede Globo.

Mas em vários momentos o espectador sente uma compaixão pela personagem. Ri de suas piadas, sente muito quando ele é reprimido pelo pai por ser homossexual… Ainda essa semana, por exemplo, meus olhos lacrimejaram quando ele declarou amor pelo filho o qual descobriu não ser o pai.

Essas ambiguidades de Félix e Walter permitem, ao público, se identificar melhor com esse tipo de personagem. Claro que as caracterizações são mais exageradas que na vida real. Quer dizer, ainda não conheci nenhum professor meu que traficasse drogas (mas, quem sabe?). No entanto, só o fato deles serem mais complexos que simples mocinhos ou bandidos faz com que o espectador não se sinta (tão) subestimado pelos teledramas.

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*Maria Shirts, internacionalista e pedestrianista, estreia no NR a coluna mensal Transeunte Urbana. Ilustração de Camila Rocun, graduanda em Design Digital, ilustradora e apaixonada por cinema, divide seu tempo entre fazer arte pelo Portal R7 e ser mãe do Léo. Estreia hoje no NR.

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