.

.
30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

terça-feira, 11 de fevereiro de 2014

O Grande desafio das massagens: Parte 1



por Tomás Chiaverini  ilustração Victor Zalma*

 Ciberespaço - Gtalk:

Eu: mano, to te devendo um texto, né?
tava com um pronto. mas fui reler e desisti
como anda nosso deadline?

Thiago [editor do NR]: desistiu pq?

Eu: achei ruim

Thiago: tô precisado de texto pra semana que vem

Eu: até que dia?

Thiago: segunda tá bom, mas se puder, me passe a ideia - se já tiver - pra eu tentar a ilustra

Eu: tá fueda
sem ideia

Thiago: haha
então blz, me viro aqui

Eu: vou tentar escrever entre hoje e amanhã

Thiago: ótimo
é o penúltimo cara. faz dois de uma vez e vc já tira férias do NR. daí só ano que vem.

Eu: haha
eu quero ideia pra um!

Thiago: cara, escreve sobre massagem
todo mundo devia ter direito a massagem,
é um negócio incrível

Eu: não curto não
Hum, ok, acho que temos um bom começo, haha

Thiago: faz um contra a massagem e faço um a favor
vira um tendências e debates no NR

Eu: eu fecho

Thiago: então pronto
tô precisando de um tema tb, vou nesse

Eu: vou começar com a nossa conversa

Thiago: beleza, tô curioso pra saber pq não gosta de massagem
diria que você é cheio de não me toques. haha

Pois é isso mesmo. Sou cheio de não me toques. Quer dizer, depende de quem está tocando. Massagem da mulher amada numa langorosa tarde de domingo? Ótimo, delícia, de preferência se uma coisa levar a outra e, enfim, deixa pra lá. O fato é que meu não me toques é com gente estranha, desconhecidos de jalecos brancos ou aventais esverdeados.

Mas minhas ressalvas começam antes, já nas instalações. Que coisa mais de mal gosto a decoração dessas clínicas de massagem, cruzamento de motel com consultório dentário. Enya nos autofalantes, quadros de inspiração budista e gosto duvidoso, fontezinha artificial, colchões de tecido impermeável e panfletinhos sobre vida saudável. TVs de LED sintonizadas no programa da Fátima Bernardes, e aquelas cadeiras todas emendadas, com velhinhas gordas ávidas por falar das netinhas.

Você fica lá, olhando para o nada, tentando evitar contato visual com aquelas pessoas, porque se isso acontecer imediatamente as imaginará sem roupas sendo apalpadas sobre uma maca, até que finalmente chega a sua vez.

Lá vem uma pessoa que você nunca viu e que, via de regra, é um homenzarrão com braços de matrona ou uma matrona com braços de homenzarrão. Aqui vale um aparte, nobre leitor: se sua massagista for uma mulher linda, com decotes provocantes, estamos falando de tipos distintos de estabelecimento. Vamos, portanto, tratar das casas de massagem, digamos, “de família”. Você entra num cubículo, geralmente separado dos demais por uma dessas paredes falsas que servem mais para tirar do que para conferir privacidade (você se acha protegido, mas na verdade estão escutando tudo do lado de fora). Então o homenzarrão (vou ficar com essa variante), manda que você tire a camisa. Isso na melhor das hipóteses. Porque se for do tipo purista vai te deixar só de cuecas, se tanto.

Você obedece. Tira a camisa e fica lá, em pé, esperando se ele vai te pegar pela mão, ou pedir gentilmente que se deite. Detalhe que ele não tirou a camisa. O que por um lado é bom (não são amantes afinal), por outro é estranho (pelas convenções sociais ocidentais, quando um tira a roupa, todos tiram a roupa. Vide piscinas, praias de nudismo, saunas gays). Então você tirou a camisa e está de pé, ao lado do homenzarrão desconhecido, num minúsculo cubículo rescendendo a aromas orientais. Doas auto-falantes jorra uma suave melodia new-age ou, talvez, sons sinuosos de cítaras indianas. O homenzarrão sorri um sorriso profissional e simpático e pede que você se deite de bruços. Se fosse em outra situação era o caso de partir pra cima do infeliz em defesa da própria honra. Mas, nesse caso, você obedece.

Deita sobre aquele lençol-papel-higiênico-de-gigante, que, no entanto, não dá conta de cobrir a maca inteira, e seus braços e ombros repousam sobre o plástico impermeável onde sabe-se lá quantos braços e ombros repousaram nas últimas horas.

A maca é, via de regra, pequena demais para um homem de estatura média. De um lado seus pés ficarão flutuando ali, prontos para levarem um esbarrão das coxas do homenzarrão. De outro, sua cara permanecerá enterrada numa argola acolchoada que mais parece a tampa de um vaso sanitário mirim.

Então lá vem o homenzarrão. E você sabe que ele se aproxima porque, com a cara metida no vaso sanitário mirim, consegue enxergar as unhas do seu enorme dedão despontando de uma ensebada sandália de couro. E voilá. Assim, sem mais nem menos, sem nem pagar um jantar antes, o sujeito está esfregando suas costas nuas e indefesas.

Ah, sim, não poderíamos deixar de mencionar que as mãos gigantescas do homenzarrão estão convenientemente besuntadas em algum óleo vagabundo e fedido, que vai te deixar com cheiro de loja de sabonetes pelos próximos três dias.

Iniciada a massagem, temos dois cenários básicos a seguir, ambos bastante desagradáveis. No primeiro, o sujeito vai se ocupar em tentar colocar seus músculos, nervos e ossos no lugar, com movimentos precisos, firmes e automáticos. Isso lhe causará um bocado de dor, muito provavelmente trará mais problemas do que benefícios, e você sairá de lá direto para um ortopedista, ou para uma farmácia, onde lhe venderão uma bela cartela de Dorflex por um valor equivalente a um décimo do preço da massagem.

No segundo ele lhe acariciará suavemente, espalhando gentilmente aquele óleo todo, talvez cantarolando algum mantra budista. Você pode até gostar, relaxar legal, pode até aproveitar na hora, até pensar na possibilidade de uma tarde langorosa ao lado do homenzarrão com braços de matrona. Nem isso, contudo, tornará menos desagradável a experiência. Porque, passados os quarenta minutos da sessão, o homenzarrão virará as costas, lavará as mãos e lhe dirá adeus, friamente ordenando que acerte o valor na saída.

* * * * * *

Tomás Chiaverini é autor do romance Avesso (Global), e dos livros reportagem Cama de Cimento e Festa Infinita (ambos pela Ediouro). Mantém a coluna mensal Abelha na Orelha. Ilustração de Victor Zalma, especial para o texto

3 comentários:

Anônimo disse...

"Que coisa mais de mal gosto a decoração dessas clínicas de massagem, cruzamento de motel com consultório dentário", perfeito! Aqueles azulejos rajadinhos horrorosos, enfeites azul turqueza...

Anônimo disse...

Nossa pelo visto a experiencia do Thomas com a massagem deixou algum tipo de recalque comparar massagista com matrona ou nomeclaturar de homenzarrão ja seria por demais um fetiche que não merece aqui mais nenhuma consideração. Espero que tenha ao menos pudor pra ler o texto do Thiago.

Tomás Chiaverini disse...

Identifique-se Anônimo!

Postar um comentário

Ofensas e a falta de identificação do leitor serão excluídos.

Web Analytics