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30 de Julho de 1929, jovens velejadoras no porto de Deauville, França (Getty Images)

quarta-feira, 12 de dezembro de 2007

Onde está a democracia?

Tudo se discute nesse mundo, menos uma única coisa que não se discute, não se discute a democracia. A democracia está aí como se fosse uma espécie de santa do altar de quem não se espera milagres, mas que está aí como uma referência, a democracia. E não se repara que a democracia em que vivemos é uma democracia sequestrada, condicionada, amputada, porque o poder do cidadão, o poder de cada um de nós limita-se na esfera política a tirar um governo de que não gosta e por outro de que talvez venha a gostar. Nada mais! Mas as grandes decisões são tomadas numa outra esfera e nós sabemos qual é. As grandes organizações financeiras internacionais, os FMIs, as organizações mundiais do comércio, os bancos mundiais, tudo isso... E nenhum desses organismos é democrático, então como é que podemos continuar a falar de democracia se aqueles que efetivamente governam o mundo não são elegidos democraticamente pelo povo? Quem é que escolhe os representantes dos países nessas organizações? Os respectivos povos? Não! Onde está então a democracia?
José Saramago, escritor português em conferência no Fórum Social Mundial.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Ecos de vozes alheias, Eduardo Galeano

Você dizia qual será o destino da América Latina? Eu não sei, mas sei qual é o desafio. O desafio é: vamos nos converter na triste caricatura do norte? vamos ser como eles? Repetiremos os horrores da sociedade de consumo que está devorando o planeta? vamos ser violentos? Vamos crer que estamos condenados a guerra incessante? Ou vamos gerar outro mundo diferente? Esse é o desafio que temos apresentado.
Hoje somos, na verdade, caricaturas bastante tristes de modos de vida que nos impõem de fora e somos governados por sistemas de poder que cada dia nos convencem de que não há virtude maior do que a virtude do papagaio. Que não há habilidade comparável a do macaco. O papagaio, o macaco, os que imitam, os ecos de vozes alheias.
Eduardo Galeano, escritor uruguaio que publicou, entre outros, A Veias Abertas da América Latina, em entrevista aSilvio Tendler, cineasta, para o documentário Milton Santos ou: O mundo Global visto do lado de Cá

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

temos lugar no futuro?

Sábado, 9, entrevistei a professora aposentada da USP, Olgária Matos, na sua casa ao lado do metrô Santa Cruz, São Paulo. A entrevista sairá no especial que a Caros Amigos publicará sobre o tema, digamos assim, pós-humano. Pois é, um tema espinhoso, já que trata das questões que envolvem nanotecnologia, humanóides, engenharia genética, física quântica e afins. O Especial parte da pergunta inquietante, formulada por um jornalista americano em matéria sobre o livro "A Era das Máquinas espirituais", de outro gringo chamado Raymond Kurzweill: "Temos lugar no futuro?". "Nós" somos a humanidade. E a pergunta nasceu da assustadora naturalidade com que Kurzweill e a maioria dos cientistas empregados em pesquisa nanotecnológica afirmam que brevemente (eles estimam que até por perto de 2040) será possível, pelo ensaio de mini big bangs, criar substâncias semelhantes às que, através de 13,7 bilhões de anos, deram origem a toda vida animal do planeta - parte da qual evoluíu para o homem.
A parte que me coube tratar com a professora Olgária se refere ao conceito de tempo. Como a atual aceleração da sociedade cria a sensação de que não há mais tempo para nada. Na realidade, são os próprios mecanismos sociais e econômicos que necessitam dessa situação. As diferenças entre tédio e monotonia podem caracterizar formas de se relacionar com o tempo. Daí falarmos sobre as metamorfoses do tempo e o tempo na contemporaneidade. Confesso, foi um papo interessante e que fez cachoalhar a cachola.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Curiosidades do cérebro

Experimentos científicos demonstraram que, se você pega uma pessoa, e conecta seu cérebro a um determinado tomógrafo ou tecnologia computadorizada e pede que ela olhe para certo objeto, determinadas áreas do cérebro se iluminan.
Então, pediram que a mesma pessoa fechasse os olhos e imaginasse o mesmo objeto. Quando imagina aquele mesmo objeto isso faz com que as mesmas áreas do cérebro iluminem-se como se ela estivesse olhando visualmente para ele. Sendo assim, os cientistas pararam e perguntaram "então quem vê? o cérebro vê? ou olhos vêem? e o que é realidade? Realidade é o que estamos vendo com o nosso cérebro? Ou realidade é o que estamos vendo com nossos olhos?"
E a verdade é que o cérebro não sabe a diferença entre o que ele vê em seu meio ambiente e aquilo de que ele lembra. Porque, naquele momento as mesmas redes neurônicas específicas são estimuladas.
Então, isso traz a questão: "O que é realidade?".

domingo, 28 de outubro de 2007

Lançamento do site latinoamericano

Sabadão de chuva à tarde toda, mas o eventou de ontem valeu a pena. Lançamento do site http://www.latinoamericano.jor.br do amigo Alexandre Barbosa no bar Canto Madalena, na Vila Madá, em São Paulo. Como o próprio diz "A América Latina Popular só tem voz na imprensa alternativa" e lá foi ele criar essa voz, humilde, mas com certeza renovadora e terá, certeza, muitos colaboradores ávidos por informações, textos, dicas culturais sobre nossa América Latina. Durante o lançamento teve um show do grupo Sendero, com clássicos da música popular latino-americana. O que me impressionou foi um tiozinho, não lembro o nome, que tocava uma espécie de flauta com vigor e energia incríveis. Finalizaram o show com a clássica cubana e bela Guantanamera. Fica aqui a dica do site, aliás, com uma frase elucidadora e incrível de Eduardo Galeano "Temos guardado um silêncio bastante parecido com a estupidez". É isso. Acessem.
thiago domenici

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Entrevista Ricardo Kostcho, jornalista

Essa é a íntegra de uma entrevista que fiz na redação da revista Brasileiros com o jornalista Ricardo Kotscho, a pauta, à época, era falar do momento medíocre que vivia o país, o gancho para tal conclusão, era ou é, não se sabe ainda, o movimento Cansei. A entrevista foi publicada em forma de depoimento na revista Caros Amigos, logicamente, reduzida. É um papo bem interessante.
por Thiago Domenici
Você acha que o país vive um momento medíocre, não sei precisar a data, mas nosso gancho é no cansei e na indigência intelectual das instituições político-financeiras do país.
a vida da maioria das pessoas está melhorando, concretamente, todos os indicadores mostram, não é porque trabalhei no governo, só pegar, salário, emprego, inflação controlada, juros caindo, exportações, balança comercial, consumo de alimentos, cimento, etc. Enquanto você pega os jornais e parece o apocalipse, tudo fudido, acabando tudo. No fim do dia tenho a impressão, olhando o noticiário e vendo as coisas que não são noticiadas é a velha frase “se jogar um lona em cima do Brasil vira circo se cercar vira hospício”. Tem uma frase num velho restaurante em Carapicuíba, no Dom Fernando, um chileno, ele enche o restaurante de frases que ele mesmo bola e outro dia fui lá e vi uma frase que resume um pouco isso que você está falando “está tudo muito bom, muito bonito, mas está esquisito”. Esse próprio movimento cansei é uma coisa esquisita, difícil de entender.

Eles se julgam “apolíticos”, você sabia?
É isso, esse é o ponto. Não existe manifestação apolítica. Não existe! E você pega os personagens ali, sempre confundo um deles, João Dória com Jamelão, negócio de brilhantina, aquela coisa, de repente esse cara é líder de um movimento de protesto. Na semana anterior ele tinha saído nas colunas sociais fazendo desfile de cachorrinho de madame, com Fernando Henrique, Alckmin, Serra, todo mundo junto pras festas de Campos do Jordão e aparece com um movimento “apolítico”, pô! Eu sou totalmente a favor de qualquer movimento, anarquista, o que quiser, então porque que porra diz que é apolítico, não existe. Eles defendem o que? E esse é um ponto que acho que pega todo mundo, estão dando importância demais pra negócio do cansei, inclusive o governo, inclusive o presidente. Está se falando tanto desse negócio como se fosse um puta movimento que não existe.

Por outro lado alguns setores dizem que existe um clima de golpismo no ar.
Não acredito nisso. Nem golpismo, nem complô da mídia, nem conspiração da mídia que querem derrubar o governo, não acredito, por isso que eu acho esquisito. Nós já tivemos isso...

Mas essa esquisitice não pode ser má-fé de quem organiza essas coisas?
As oposições perderam totalmente o rumo. Não tem uma bandeira, não tem uma proposta, não tem um programa, não tem nada. Então está acontecendo uma coisa estranha, outra, é que na falta de oposição, pessoal formado, partidos, movimentos sociais que não tem, o governo precisa procurar um adversário, um inimigo, que é a própria natureza do PT é sempre ter contra quem lutar, na falta de adversário, inimigo político-partidário virou uma guerra da mídia com o governo.

De toda ela ou alguns setores?
De uma forma geral, deixando muito claro que não acredito em nenhuma conspiração, que os donos da mídia se reúnem... não é nada disso. É que está se criando uma clima, uma beligerância que é crescente, dá pra gente notar. Se fala com as pessoas do governo falam mal da mídia o tempo inteiro, não vejo ninguém falar mal dos Tucanos, do DEM (ex-PFL), do outro lado quando se conversa com os jornalistas de Brasília, onde estive semana passada, todo mundo fala mal do governo, como se não tivesse nada de bom no Brasil. Aí é outro ponto que eu sinto cada vez mais é que se confunde governo com país. Você pode não gostar do governo, Lula, pode ter mil motivos, tem até aquela frase do Veríssimo “tudo bem, você tem mil motivos pra falar mal do governo, do Lula, o problema é quando você olha pro lado e vê quem está xingando, vaiando e tal”, mas e o país? Será que nada de bom acontece nesse país de um dia pro outro? Esses 180 milhões de habitantes, eu viajo pra caramba pra fazer reportagem, palestra, tem muita gente fazendo coisa boa independentemente do governo e a conseqüência disso que vejo é que audiência de uma forma, está diminuindo a circulação dos veículos, porque nós todos, a mídia, de uma forma geral, deslocados da realidade brasileira, quer dizer o povo fala de uma coisa e nós estamos falando de outra. Isso é mais evidente, mais dramático em Brasília. Em Brasília tem um mundinho de políticos e jornalistas que falam outra língua, tem que outra pauta, que tem outra agenda que não é o que você ouve pela rua, no boteco, em São Paulo, Pará ou Rio Grande do Sul. Então você tem uma vida real, um Brasil real que está num rumo, que acho legal, que está indo bem, fazendo coisas, que a vida está mudando, mudando pra melhor, mas você pega esse mundinho oficial dos gabinetes que é o que é retratado pela grande mídia, de forma geral fica fechado nisso. Quer dizer, o político vivendo do jornalista, o jornalista vivendo da informação que recebe do político e completamente apartado da realidade da maioria das pessoas.

Por exemplo, eu estava lendo o artigo do Merval Pereira no O Globo, ele fala pelas tantas que essa última pesquisa datafolha que o Lula manteve a popularidade alta, de certa maneira ela não vale muito porque quem vai criticar um governo que propõe medidas assistencialistas, no caso o bolsa família... Alguns, especificamente, talvez não a mídia em gera, você não acha que não se conformam com esse governo, mas porque eles não se conformam?
Esse é o ponto. Não teve uma oposição formal, partidária no congresso, o que aconteceu: no primeiro momento alguns colunistas que eram os antigos ou chamados formadores de opinião, primeiro começaram a criticar a oposição, depois a sugerir propostas pra oposição, o que ela deveria fazer e por último que é o estágio atual assumiram o papel da oposição! Então você lê colunas, não quero citar nomes e tal, não são colunas, não discursos, aquilo poderia ser lido na tribuna da câmara e do senado de pessoas que são contra o governo, mas aquilo é publicado com se fosse uma coisa neutra, na imprensa, em todos os veículos, em todas as mídias e tal, isso é uma anomalia!Por que a nossa função como jornalista e, apesar de eu ter vínculos notórios com o PT desde antes do PT existir, eu sempre procurei separar as coisas. A minha função como jornalista é contar o que está acontecendo. As pessoas não contam o que está acontecendo, elas falam sobre o que elas acham que deveria acontecer. Então quando fala que o Lula teve uma aprovação alta porque os pobres que não lêem jornal que recebem bolsa-família, na hora que elegeu o Fernando Henrique e reelegeu o Fernando Henrique? Não é o mesmo eleitorado? A grande maioria do povo brasileiro é pobre. É assim, historicamente.

E outras áreas: estamos falando do jornalismo e da política, especificamente, que você acompanha mais de perto mas quando você assiste televisão, por exemplo, vai ao teatro, sei lá anda na rua, vê mediocridade nas coisas, na qualidade das coisas, nas conversas, uma indigência intelectual?
Nas conservas, é, é, nesse ponto eu acho que é um momento ruim. Na cultura de uma forma geral. A cultura expressa muito isso, eu não vejo nada de bom, novo, acontecer no teatro, na música e é uma contradição porque quando a gente tinha ditadura, censura, tortura, naqueles idos segunda metade dos anos 60, foi uma puta explosão de criatividade. Publicidade também, a gente está num momento de falta de criação geral...no futebol, não acontece nada no futebol, pô! Não aparece um jogador novo, uma idéia nova, um técnico que mexe com as coisas, o futebol está burocrático e o que acontece numa situação dessa? Todo mundo procura um nicho de mercado, isso é o que acontece hoje com jornalistas, blogueiros, direita festiva... o Brasil é um país que tem a direita festiva, tivemos a esquerda, agora temos a direita festiva. Quem xinga mais. Esse fim de semana aí o negócio da Rita Lee, foi fazer um show em Campo Grande, em mato grosso do sul aí puxou uma vaia pro Lula e minha mulher me chamou a atenção, porque saiu uma nota no jornal e tal. Aí eu fiquei pensando “Rita Lee, né?” há quanto tempo eu não ouvia falar dela! Não sei o que ela ta fazendo, disco, mas de repente ela cavou o seu espaço na mídia puxando uma vaia pro Lula. Eu escrevi um negócio ano passado no falecido No Mínimo que propus um dia sem falar do Lula pra todos os veículos, colunas, mídias e tal. Que tudo gira em torno do governo pro bem ou pro mal, tudo só se fala do governo. Em outros países não é assim.

Interrompendo você, por exemplo, nos governos anteriores você tinha essa mesma sensação?
Não, não era assim. E agora só se fala nisso. Foi uma brincadeira que fiz: se você falar pros caras não pode falar do Lula, do governo amanhã não sai jornal. Não tem telejornal, não tem coluna, porque só falam isso. É uma obsessão, pô! Agora vamos dar um tempo, nos vamos ter eleições daqui três anos e meio aí muda, é o normal da democracia. As pessoas estão com pressa, não estão aceitando. Já não aceitaram a primeira vez, agora a reeleição então, já estavam dando como encerrado o ciclo Lula na política brasileira, já estava encerrado. De repende ele se reelege com uma baita votação e os caciques velhos não se conformam. É claro que aí, aquele nóis com nóis “me chupa que eu te chupo”, né? Quer dizer, a mídia atende ao seu público, a sua freguesia que se reproduz nas cartas do leitores. Pode reparar, a mesma coisa que está nas colunas, agora não é só coluna, todo noticiário é meio editorializado, está nas cartas do dia seguinte, a mesma linguagem, então não é só pensamento único, é pauta única, o estilo único, é tudo único, porra, chega uma hora que enche o saco! E daí eu também cansei (risos), dessas coisas, por razões diferentes. Não sai disso, não se propõe uma coisa nova, fica dando volta em torno do próprio rabo.

Você falou da publicidade o que você não gosta da publicidade?
Não é que eu não goste eu não sou mais surpreendido pelas coisas!

O que falta? Criatividade?
Criatividade, essa é a palavra. Ousadia. Novidade. O que é e a aí a publicidade se confunde com a comunicação em geral, com a própria imprensa, com a mídia e tal, é você surpreender o leitor, o telespectador, o ouvinte com a novidade...

Até em relação ao discurso, que é muito baixo, pobre.

E a conseqüência disso, dessa mesmice, você pega os veículos de uma forma geral é tudo meio parecido, lê o jornal a tarde, pega o telejornal à noite, pega o jornal no dia seguinte, fica girando. É uma notícia rotativa, você não é mais surpreendido pelas coisas, é uma mesmice que dá no saco!

Será que a gente está parado no tempo...?
Você não vê hoje liga nas coisas... tanto é que esse negócio do cansei ocupou um espaço descomunal porque não tem mais nada, acabou virando novidade esse troço. Zé Simão escreveu outro dia “cansou? Senta”. (risos) Eu não sei quem inventou esse troco, mas deve ser coisa de publicitários é pobre, é pra baixo. Outra coisa que falta também é humor. O brasileiro sempre, mesmo nas crises, em situações muito piores do que hoje tinha humor, ria de si mesmo, os brasileiros tinha essa capacidade. Você dá risada hoje parece uma ofensa, vai numa redação dessas grandes redações, fala alto, bate na mesa, dá uma risada, porra, chamam a segurança! E ai como é que você vai criar num ambiente desse? Você entra em qualquer lugar de comunicação, qualquer área de comunicação e cultura e tal, parece que você está na receita federal, numa repartição pública. Você pega o movimento estudantil, antigamente era um troco importante pra caramba num país, todo mundo sabia quem era o presidente da UNE, você talvez saiba, porque você é mais engajado e tudo, vai perguntar pros jovens se alguém sabe quem é o presidente da UNE ou se algum jovem que está na faculdade participa de alguma coisa da UNE? Movimento Sindical, que também já foi importante pra caramba no Brasil. Quem são os líderes do movimento sindical? A Igreja que teve um papel importantíssimo, eu que participei disso na resistência a ditadura, não existe mais! Quem é o líder da Igreja brasileira hoje? Quais são os nomes? Antigamente você tinha ala esquerda, progressista, conservadora, direita.

Isso que você está falando é curioso, porque na redação a gente historicamente coloca sempre alguém na capa, um entrevistão e do começo do ano pra cá a gente tem feito capas temáticas devido a dificuldade de encontrar nomes, um político, por exemplo, que tenha algo a dizer de valor, de novidade, que pense...
Está aí! Não acha quem represente alguma coisa nova. Não tem. Eu o que estou dizendo, você não acha nem político, nem empresário, nem líder estudantil, nem bispo, nem porra nenhuma, nem jogador de futebol. Veja, o negócio da música brasileira é tão dramático que não aparece nada de novo – a Rita Lee conseguiu espaço – e o Caetano Veloso ocupa todos os espaços. Você pega qualquer jornal, qualquer revista é o Caetano Veloso que está na pauta há 40 anos.

E lá em Brasília, por exemplo, você esteve lá um tempão, como é que, pensando nesse lance da mediocridade, como essa mediocridade se demonstra nos políticos, tem uma cara a mediocridade política ou não?
É porque é uma coisa voltada pra dentro deles mesmos. As pessoas são autobiográficas, isso vale tanto pro político quanto pro jornalista, as conversas o cara fica falando o que está fazendo, no discurso que acabou de fazer, da matéria que acabou de escrever, não tem algo que fale de idéias, propostas, não discussão! Um negócio que me chama atenção é o negócio do autobiográfico, impressionante.

Falou em autobiografia, eu peguei uma frase que achei interessante, “a grande autobiografia hoje seria aquela que desse conta da crescente mediocrização a que estamos sujeitos, seja através do embotamento do espírito critico, da razão ou dos próprios sentimentos”.
As pessoas estão muito voltadas pra si mesmo. É o nicho de mercado, cada um querendo garantir seu nichozinho de mercado e somando todos os nichozinhos de mercado não enfoca porra nenhuma. São as autobiografias autorizadas.

Tem coisas impressionantes, você pega o livro dos recordes, competição de quem cospe mais longe, ou a autobiografia da Bruna Surfistinha...
Pois é Thiago, é... ocupa o vazio. Tem um espaço vazio ai de repende isso é uma novidade, nem é, porque é a profissão mais antiga do mundo, mas a novidade é que ela está contato e é autobiográfico também. A pergunta que eu faço e aí eu não tenho resposta, quero saber de você e da matéria, se isso é um fenômeno só brasileiro, se está acontecendo só no Brasil, faz cinco anos que eu não vou pro exterior, que não viajo, última vez foi em 2002, não sei o que está acontecendo lá fora, ou se é um fenômeno mundial? Gostaria de viajar pra saber isso, eu não sei. Se é um momento, se é um ciclo que estamos vivendo, mas é tudo mundo individualista, cada um querendo garantir o seu, isso vale pra tudo, pra política, música, publicidade e uma crise de criação que vai dar nesse negócio de mediocridade e a conseqüência é isso...Pega o futebol brasileiro...

Isso, fala do futebol brasileiro você que é são paulino como eu.
Que é uma expressão brasileira, goste ou não goste. Todo ano você tem uma porrada de revelações, é um time, qual é o grande time brasileiro hoje? Nosso time ta em primeiro lugar, então podemos falar...São Paulo hoje é muito pior do que três anos atrás. É muito pior, não é questão de ganhar, ser campeão, é muito pior. Não tem criatividade nenhuma, o time que esta em primeiro lugar no campeonato brasileiro que é o meu time não tem criatividade nenhuma, dá raiva de ver jogar. Outro dia estava xingando o time na televisão minha mulher perguntou, “está perdendo?”, “não, estamos ganhando” “você está xingando o que?” “porque está jogando uma merda”.

Parece que burocratizou tudo. É esquisito...
Você quer ver um negócio na política, na grande política e tal, coisa é tão dramática, nós vamos ter eleições em 2010, quais são os dois grande eleitores de 2010? Não estou falando candidato, to falando eleitor, o grande eleitor? É o Lula e o FHC que estão aí há trinta anos, fora esses dois quem é?

Não tem um grande nome, mas me diz você quem é?
Eu acho que aí esse desespero desses cansados aí e tal, quer dizer não tem e o Fernando Henrique está com o prazo de validade vencido. O que vai acontecer? Vai ser uma comparação entre oito anos de Lula e oito anos de FHC e qualquer que seja o candidato do governo leva uma puta de uma vantagem. FHC hoje, o grande eleitor da oposição do FHC não elege o sindico do prédio dele. E se a coisa continuar como está e não houver nenhum tragédia, tsunami, o Lula elege o candidato do governo, pela simples e boa razão que as pessoas hoje vivem melhor do que viviam no governo do Fernando Henrique. Independentemente de Bolsa Família, de assistencialismo, essas bobagens todas que falam, o FHC foi eleito e reeleito em cima do plano real, porque as pessoas passaram a viver melhor e não elegeu o sucessor dele porque estava ruim a economia do país, por isso que o Lula ganhou. Se esgotou um ciclo. Agora não existem novas lideranças, não tem. Nem do lado do governo e nem do lado da oposição. Não tem fato novo.


Se fosse pensar porque o país vive esse momento, sei lá, de 10 anos pra cá imagino piorou muito...
Se as pessoas não participam de nada, nem do estudantil, sindical, as lideranças vão surgir da onde? Se ninguém quer saber de nenhuma luta coletiva, nenhum bandeira. Se cada um fica cuidando do seu de onde vão surgir os novos líderes?

O que você está dizendo é que o individualismo é que predomina e acaba levando a todas essas questões “mediocrizantes” das sociedades?
É isso. Porque a criação é uma coisa coletiva. E isso explica porque na década de 60, lá na época do golpe, houve uma explosão de criatividade em todas as áreas e são os caras que estão ai até agora, da resistência.

Não existe renovação.
Não tem. O jornalismo, você tinha os grandes diretores de redação, caras criativos, Claudio Abramo da vida, Sérgio de Souza, quem são os substitutos desses caras? Quem ficou? Não tem. Quem é o líder empresarial do país hoje? Quem é o Lula hoje?

Será que isso tem a ver, viajando um pouco aqui, com a rapidez de comunicação, a velha historia de que a internet veio pra mudar os parâmetros da mídia, das relações, da rapidez, das mudanças instantâneas...
Eu tenho uma deformação profissional que é a seguinte: como repórter eu sempre constato as coisas e conto o que está acontecendo, tenho dificuldade em tentar te explicar. Por que hoje o que os jornais fazem, eles pegam os cientistas políticos, alias o país que mais tem cientistas políticos no mundo.O Brasil tem mais cientista político do que a Argentina tem psicólogo. Qualquer coisa bota lá um cientista político, um sociólogo, um antropólogo, um “ólogo” qualquer e o caramba que não tem contato com a realidade. Isso deveria ser feito, jornalista que fornece a matéria prima, básico, o que está acontecendo. Só pode interpretar, buscar as causas, analisar, as razões, as conseqüências se você tiver a matéria prima da informação que você não tem, então fica todo mundo dando volta em torno do próprio rabo, uma coisa circular que é artífice da criação.

E é aquela coisa que você sempre critica também do jornalista telefônico.
Ou pela internet. Eu falava pros caras nas últimas redações que eu trabalhei, “meu filho isso que está aí já foi publicado, é velho, nós temos que alimentar esse troco com coisa nova”. Se a gente ficar pegando o que está aí nós não estamos contando novidade nenhuma, a nossa função é justamente o contrário ir pra rua e descobrir o que está acontecendo de novo. As coisas acontecem quando você menos espera também, não gosto de ser negativista, pessimista, não sou e nem nunca fui, mas dou o exemplo da campanha das diretas, que era um momento mais ou menos como esse, final de 1983, não tinha nada acontecendo, mixórdia, mediocridade aí fazendo uma matéria aqui, outra ali na periferia, percebi que estava surgindo um movimento, tinha uma causa, uma luta coletiva que era a democratização do país que foi desaguar meses depois na campanha das diretas já! Hoje você não tem isso. E essas pequenas manifestações é uma prova disso, não empolgam, não tem bandeira, uma coisa que una as pessoas, que de tesão!

Falta tesão?
É. Falta tesão, ousadia, tentar o novo. É esquisito um cara de quase 60 anos falar pra um jovem que nem você, mas é um fato. Nós estamos fazendo uma revista nova aqui, uma novidade e tal, mas inspirados na onde? Na revista Realidade da década de 60. Não que a gente queira reeditar, porque não temos essa pretensão, circunstâncias e recursos são outros, mas a nossa inspiração, nosso modelo é aquele. O grande repórter brasileiro hoje tem 70 anos de idade, tem 50 anos de profissão que é o Zé Hamilton Ribeiro que é dessa época e continua sendo o grande repórter brasileiro, não apareceu outro.

E o repórter hoje em dia...
É uma profissão em extinção. Cada redação tem alguns, meia dúzia, não estão se reproduzindo, virou uma coisa meio estéril. Primeiro se acabou com os repórteres e depois com a reportagem, é conseqüência. Se você resolver fazer hoje, você não acha muita gente no mercado pra fazer. É difícil. Não está acostumado, nunca fez e não tem exemplos que eu tive. Pô, você chega numa redação, todo mundo com tesão fazendo as coisas, você entra no bolo. Mas se você entra e vê o cara no Google, na internet, não dá.

domingo, 21 de outubro de 2007

Direitos Humanos?

Nesta última quarta-feira recebi o Informe 2007 da organização de direitos humanos Anistia Internacional (AI), que tem 226 páginas e trata do estado dos direitos humanos no mundo, fornecendo uma visão geral desse tema nos cinco continentes durante o ano de 2006. São constatações estarrecedoras que, de algum modo, são repercutidas pela mídia grande mas nunca objeto de reportagens profundas ou discussões relevantes. São informações que ficam perdidas por aí, sem chão, no emaranhado de notícias que nos enfiam goela abaixo todo dia. São cinco áreas chave abordadas: violência contra as mulheres; armas sob controle; pena de morte; tortura e terror; e justiça internacional.
Diante das informações que falam de um mundo cheio de conflitos armados, repressão, discriminação, onde pelo menos uma, em cada grupo de três mulheres, já foi agredida, obrigada a manter relações sexuais ou sofreu outro tipo de abuso, onde comunidades inteiras padecem com a pobreza e com a exclusão social, pensei só numa coisa “que merda!”. Simples e grosso. Sem nenhuma ponderação intelectual, mesmo porque não sou um.
Continuei a ler e Irene Khan, secretária-geral da Anistia Internacional, lá pelas tantas escreveu “A marginalização de amplas parcelas da humanidade não deveria ser tratada como o preço inevitável nas políticas e nas decisões que negam aos indivíduos seus direitos econômicos e sociais”. Concordam?
Estava ansioso pelo Brasil, não quis pular as páginas, fiz bem, descobri que na baía de Guantánamo, a única forma de protesto possível aos detentos era a greve de fome. Assim fizeram em 2006 duzentos presos, resultado: foram alimentados a força através de tubos inseridos pelas narinas. Quando se divulgou que três homens teriam cometido suicídio, o comandante da força-tarefa estadunidense descreveu o que aconteceu como uma “guerra assimétrica”. Alguém pode explicar? Só em Guantánamo estão detidos 400 pessoas de 30 nacionalidades.
No mundo, cerca de dois milhões de pessoas por ano são levadas de seus países de origem para ser exploradas no exterior por redes de traficantes. Bem, cheguei ao capítulo das Américas, página 30, e lá dizia: “A América Latina permanece sendo um dos locais economicamente mais injustos do planeta. A pobreza continua endêmica e o acesso a serviços básicos, como saúde e educação, continuou a ser negado ou limitado para a maioria das pessoas”.
Os EUA continuam no topo no quesito violência: “surgiram novas evidências de um padrão sistemático de abusos praticados pelos Estados Unidos e seus aliados no contexto da guerra ao terror, com detenções secretas, desaparecimentos forçados, detenções arbitrárias e prolongadas em regime de incomunicabilidade, tortura e outras formas de punição cruéis, desumanas e degradantes”.
A América Latina, a África, o Oriente Médio e a Ásia gastam, em média, 22 bilhões de dólares por ano com a compra de armas, dinheiro suficiente para alfabetizar a população infantil dessas regiões e reduzir a mortalidade infantil em dois terços até 2015.
Depois de 80 páginas do que aconteceu em 2006 pelo mundo resolvi parar. Se a Anistia Internacional solta esse documento todos os anos e nada de relevante acontece (acontece?) o que nos aguarda e o que esperar? Denunciar é preciso? Sim, é preciso. Lutar contra isso que aí está fundamental. O jornalismo, da parte que me cabe diretamente, deve levantar as questões, tocar as consciências, investigar e declarar verdadeiramente o que há de podre no reino.
Não preciso repetir que o capitalismo é desigual, que seu fruto, a globalização faz prosperar o medo e marginaliza as camadas pobres. Que os projetos são de poder e não de transformação social. O problema é claro: nada mudará substancialmente com esse sistema neoliberal. É a mazela de fundo de todas as outras questões.
Ah... e o Brasil? Do Brasil só li que integrantes da Polícia Militar de Recife, no Estado de Pernambuco, teriam detido e torturado um grupo de 14 adolescentes que participavam do Carnaval em 2006. Depois da tortura, a polícia os levou até uma ponte do rio Capiberibe e os obrigou a pular. Dois rapazes de 15 e 17 anos morreram afogados. Inquérito aberto e cinco policiais foram acusados de homicídio e tortura. Em junho, um dos sobreviventes que testemunhou contra os policiais foi morto a tiros. Quem quiser ter acesso ao relatório completo acesse
www.amnesty.org

Thiago Domenici é jornalista e está pessimista com a situação mundial.
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