Extremo Ocidente é um termo cunhado para designar a América Latina. O francês Alain Rouquié sintetizou no livro de mesmo nome sua oposição ao termo América Latina. Em primeiro lugar, e mais simples, é entender que o termo é insuficiente, uma vez que descarta que, antes dos povos latinos, havia por aqui indígenas. Indo-latino América ou Indo-América tampouco são suficientes: trata-se de termos que excluem africanos em geral, ingleses, japoneses, gente que tem igual importância na formação do subcontinente.
Depois, e mais complexa, é a origem do termo. “Latina” foi o primeiro presente coletivo que recebemos. Bondade dos franceses que precedeu os regalos que receberíamos coletivamente de Inglaterra e de Estados Unidos.
América Latina é um termo criado na França de Napoleão III. No pós-independência, os franceses esperavam manter sob seu domínio econômico tudo que estivesse entre a Terra do Fogo e o Rio Grande. Com o termo “latino”, criavam o necessário vínculo de fraternidade com os povos de Extremo Ocidente e circunscreviam uma área na qual anglo-saxões, por exemplo, não eram bem-vindos – uma espécie de precursor do Big Stick.
Não por acaso, a cultura francesa reina inteiramente na região até pelo menos 1930, ou seja, a formação das elites dessas bandas é francesa. Não por acaso, no Rio de Janeiro do início de século 20 era mais comum cumprimentar-se com um “Viva a França!” que com um cordial “bom dia”. Não por acaso, também, o plano de modernização levado a cabo na primeira metade do século 20 no Rio teve como inspiração arquitetônica a cidade-luz, Paris: a tal modernização consistiu na expulsão dos pobres das regiões centrais – hoje se sabe no que deu tal expulsão, e que levante a mão quem está vendo algo parecido em outra metrópole brasileira neste momento.
Bom, mas essa é discussão para outro momento. O fato é que o termo América Latina transformou-se e, em contraposição aos Estados Unidos, ganhou o significado de liberdade, de soberania, algo amplamente reforçado nos últimos anos. Latina virou sinônimo de mestiçagem sem preconceito, de clima quente e de gente hospitaleira, ainda que na Europa alguns prefiram confundir “latinidade” com prostituição.
É sobre esse novo conceito de América Latina que se precisa falar. No pós-ditaduras militares, a partir da década de 80 do século passado, os governos da região finalmente deixaram de dar-se as costas, como fizeram nos cem anos anteriores, e a integração foi se tornando mais palpável. No caso brasileiro, primeiro na nova relação com a Argentina, depois com a formação do Mercosul.
No geral, os últimos anos trataram de aumentar o carinho pelo termo América Latina. Os Estados Unidos, muito preocupados que estavam com a formação de focos terroristas, olharam mais para os vizinhos centro-americanos e esqueceram-se de uma região que, beneficiada pelos altos preços de commodities, começou por fim a tentar impor sua própria agenda em contraposição ao paradigma neoliberal. A atual situação da União Sul-americana de Nações (Unasul), que se fortalece como espaço de decisão sem a presença estadunidense, é apenas um exemplo.
É sobre este nosso Extremo Ocidente que passaremos a falar aqui no Nota de Rodapé. Uma região em que, em que pese a melhoria recente, seguem convivendo contradições, desigualdades, modernidades sem modernização.
Adendo e pitaco
Permitam-me, já no primeiro momento, fugir um pouco do tema da coluna. Aos fins de semana, sempre que há tempo, gosto de dar uma repassada nos jornais. Como manda o oligopólio, leio Folha e Estadão. A edição de domingo (18) é fantástica como exemplo do momento vivido pelo jornalismo brasileiro.
Com poucos profissionais e editores absolutamente inaptos para suas funções, repórteres sobrecarregados abençoam as assessorias de imprensa que, por sua vez satisfeitas, conseguem “plantar” as pautas que desejam.
Pois o exemplo de domingo é rico. Li, no Estado, uma reportagem do caderno Metrópole a respeito da mudança de conceito da comida de hospital. Informa o jornal que os hospitais têm investido em chefs para a elaboração de cardápios agradáveis ao paladar dos pacientes. A princípio, uma reportagem que envolve alguma criatividade do repórter, certo?
Errado. A Revista da Folha tem matéria idêntica, em que o mesmo exemplo do Hospital das Clínicas é citado, além do Sírio-Libanês, claro.
Quem porventura leu as duas matérias e ficou com alguma dúvida de que elas têm origem em assessoria de imprensa, convido à comparação dos seguintes trechos:
Folha: “Para as dietas com restrições, em que a alimentação deve ser pastosa e sem sal, o caminho é buscar alternativas. As louças podem ser mais coloridas, para embelezar os pratos, e as ervas e os temperos naturais são fartamente utilizados para substituir o sal”
Estado: “‘Se a apresentação não for bonita, compromete a aceitação do paciente. Usamos muitas ervas’, comenta Adriana (nutricionista). O macete vale até para as dietas que podem ser pastosas. ‘Usamos potes coloridos e fazemos questão de rotular que aquele mingau é um macarrão ao pesto, por exemplo’”.
Sempre que leio dois jornais em um dia, tenho duas sensações: a primeira é de que um só bastaria, e talvez nem isso. A segunda é de que o texto “Do discurso da ditadura à ditadura do discurso”, de Bernardo Kucinski, poderia ser lido todos os dias pelos editores antes que iniciassem seus trabalhos.
João Peres é jornalista e estreia sua coluna no Blog Rodapé. Nos últimos anos, circulou por algumas das redações populosas de São Paulo, nas quais aprendeu algumas das práticas que não são saudáveis para o jornalismo. Foi colaborador esporádico de alguns veículos impressos de São Paulo e neste ano ingressou na Rede Brasil Atual, ligada à Revista do Brasil. Recentemente esteve em Medellín para um curso de crônica cultural da Federação Novo Jornalismo Iberoamericano, ocasião sobre a qual falará quando for oportuno.
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